terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Em 10 anos tecnologia poderá traduzir fala dos animais para humanos


Julio Ottoboni*

O Professor Con Slobodchikoff na Universidade do Norte do Arizona (EUA), está desenvolvendo uma tecnologia com as chamadas vocais de cães de pradaria, pequenos roedores da América do Norte, para serem traduzidas para uma compreensão humana. Ela poderá ser adaptada para trabalhar com praticamente qualquer animal, inclusive gatos e cachorros domésticos.

Con passou praticamente 30 anos estudando os sons únicos e complexos que os cães da pradaria usam para comunicar o perigo um para o outro sempre que um predador é avistado nas proximidades.

O dispositivo de tradução, uma vez aperfeiçoado, deve ser capaz de transformar esses sons na fala humana. De acordo com o pesquisador da Amazon, William Higham, os dispositivos de tradução de animais de estimação podem estar disponíveis para que o consumidor comprar dentro de dez anos.

Tecnologias como esta também tornarão o treinamento de animais de estimação e o diagnóstico de problemas médicos muito mais fáceis.

Con é um especialista em linguagem animal. Seu livro, Chasing Doctor Dolittle: aprender a língua de animais mostrou que vários animais têm linguagem e podem conversar. “O objetivo é ajudar as pessoas a ouvir animais e entender que os animais têm muito para nos dizer”, disse.

*Envolverde

ANGOLA | Dia dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria

Jornal de Angola | editorial

Comemorou-se ontem em todo o país o Dia Nacional dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, uma data instituída e aprovada pela Assembleia Nacional durante a sua primeira sessão plenária extraordinária de 2011 e escolhida para honrar os Acordos de Alvor. 

Logo, trata-se acima de tudo de uma data sem paternidade político-partidária e fundamentalmente a formalização de um reconhecimento que pecava por tardio na medida em que cabia ao Estado dar esse importante passo. Os antigos combatentes jogaram um papel sem o qual os angolanos não obteriam a sua independência nacional e, como consta, milhares perderam a vida  e tantos outros ficaram inválidos até aos dias de hoje. 

Aqueles que se bateram para que Angola se livrasse da colonização precisavam de uma data que reconhecesse e homenageasse os seus feitos, embora reconheçamos todos que por eles e pelos seus dependentes muito deve continuar a ser feito. 

Os homens e mulheres que lutaram por Angola, que perderam a vida e ficaram inválidos para toda a vida, cujos números não há estatística exacta, passaram a merecer a atenção do Estado com a aprovação de uma lei, oportunidades e regalias para compensar as perdas que esses valorosos angolanos passaram.   

Para isso, o Ministério de tutela não tem medido esforços para dignificar quem lutou, as viúvas e dependentes menores como forma de provar que a sua entrega pela pátria não foi debalde. E não há dúvidas de que um dos passos subsequentes para dignificar quem lutou e os dependentes daqueles que perderam  a vida em nome de Angola passava necessariamente pelo cadastramento, um desafio gigantesco a julgar pela realidade histórica do país em que se bateram  contra as autoridades coloniais portuguesas três movimentos nacionalistas. 

O mais importante é que o processo está a conhecer as suas fases desde 2016, quando começaram a acentuar-se os condicionalismos da crise económica e financeira, mas acreditamos que se trata de algo que vai continuar. 

Falamos de números acima de 150 mil homens e mulheres na condição de Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, que deverão continuar a merecer da  parte das instituições do Estado o reconhecimento, honras e direitos previstos por lei. 

É encorajador ouvir, da parte do ministério de tutela, que está em curso um processo de triagem para identificar os antigos combatentes dentro do programa de constituição de cooperativas para o seu enquadramento do mercado de trabalho. Nunca é demais exigir boas práticas e total transparência em todo este processo porque, como demonstra a experiência nestas situações de cadastramento e benefícios, não faltam falsários que tentam infiltrar-se  no processo. Não é aceitável que todos nos empenhemos para a construção de um país solidário, inclusivo e justo se ao lado dos que devem ser devidamente honrados existir um grupo de outros que injustamente procuram retirar benefícios. 

Não fica em causa o princípio da igualdade se, relativamente aos deveres que as instituições do Estado têm para com os Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, estes gozarem de alguns privilégios, também por razão directa da idade, tais como o atendimento prioritário, cedência de lugares nos transportes públicos, entre outros. 

Para continuar a honrar os feitos e memória daqueles que fazem parte hoje dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, vale a pena a transmissão de informação, para fins didácticos e pedagógicos, sobretudo para as gerações mais novas, grande parte delas desconhece a gesta heróica destes angolanos especiais, entre conhecidos e anónimos.

ANGOLA | José Van-Dúnem nega envolvimento em desvio de dinheiro

O ex-ministro  da Saúde José Van-Dúnem negou   qualquer envolvimento no caso de desvio de dinheiro  do Fundo Global,  destinado ao  programa de combate à malária.

José Van-Dúnem afirmou, ontem, em tribunal, que a única envolvência foi o facto de ter assinado as transferências na qualidade de ministro, uma vez que tudo parecia normal.

“ Das cinco assinaturas que eram permitidas para o banco efectuar as transferências, uma delas era a minha,  e eu assinei porque todos os processos apresentados aparentemente pareciam estar certos”,  disse José Van-Dune.

Interrogado pelo juiz  se em algum momento beneficiou,  a título pessoal, de algum valor proveniente das transferências consideradas ilegais, José Van-Dúnem respondeu que não, afirmação confirmada pelos três principais arguidos do processo.

O ex-ministro  disse que uma das ordens assinada foi de 108 milhões de kwanzas. “A minha vinda ao tribunal deixou claro que, apesar de ter assinado, no fundo  eu também fui enganado, porque os documentos afinal foram todos forjados”, acentuou.

José Van-Dúnem  sublinhou que quan­do o caso despoletou, ficou muito surpreso, porque Sónia Neves,  até então directo­ra administrativa e financeira da Unidade Técnica de Gestão do Fundo Global, era “boa funcionária, com bom curriculum e tínhamos muita con­fian­ça nela”.

Foi por este motivo, prosseguiu José Van-Dúnen, que nos primeiros momentos o Ministério  da Saúde constituiu uma comissão de inquérito, onde a Sónia Neves fazia parte e chegou mesmo a apresentar um relatório. “Longe de mim que ela pudesse  ter qualquer envolvimento neste caso”, referiu.

O ex- ministro da Saúde sustentou que a Unidade Técnica de Gestão utilizava um software denominado “Primavera”, que  não permitia que se apagassem os rastos de qualquer operação feita. “Mas avariaram este software e passaram a fazer as operações em Excel , que não permitiu ver aquilo que foi eliminado. Então, posso dizer que foi uma acção propositada”, afirmou José Van-Dunem.

De acordo com o ex-ministro da Saúde, ainda assim, o Fundo Global nunca chegou a suspender as ajudas, porque o Ministério da Saúde quando se apercebeu da situação, pagou os 200 milhões de kwanzas que estavam em falta, com dinheiro do fundo da unidade orçamental, exactamente para evitar que Fundo Global descontinuasse as ajudas.

“E vale dizer que  o apoio que o Fundo Global deu na altura, não era em dinheiro.  Recebemos cerca de 2.800 mil mosqueteiros  para distribuirmos por todo o país. Logo, era preciso manter uma certa dinâmica na distribuição para beneficiar as pessoas”. 

As audições vão continuar na sétima sala do Tribunal Provincial de Luanda. A próxima audiência está marcada para segunda-feira,  às 10 horas.

Alexa Sonhi | Jornal de Angola

Na foto: José Van-Dúnem é um dos declarantes do mediático caso Fundo Global | Fotografia: Maria Augusta | Edições Novembro

MERCENÁRIOS, ATÉ QUANDO? – I


 Martinho Júnior | Luanda 

“Cuando se ayuda se toma una posición y esa posición se toma en base de determinados análisis sobre la lealtad y la efectividad de un movimiento revolucionario en la lucha contra el imperialismo, en la lucha por la liberación de un país; para asegurar esse análisis debemos conocer y, para ello, intervenir más dentro de los movimientos. La ayuda deve ser condicionada, si no corremos el peligro de que se transforme en todo lo contrario de lo que deseamos; en dinero para vacaciones principescas de los senores de la Revolución, de los Freedom Fighters que sacrifican y venden sus pueblos y que atrasan el desarrollo revolucionario. Es decir, nos convertiremos también en aliados del imperialismo. Porque (estoy seguro de que si el imperialismo no lo practica aún, lo hará en el futuro) no hay nada más barato para él que tirar unos miles de dólares en el tapete de una mesa de conferencias de los movimientos de liberación que hay en África; el reparto provocará más distúrbios, divisiones y derrotas que un ejército en el campo de batalla”.

(Epílogo do livro “Pasajes de la guerra revolucionaria: Congo”, escrito por “Tatu”, Ernesto Che Guevara – Janeiro de 1966).

Os mercenários não são apenas um cancro em África, são hoje um mal profusamente utilizado pela hegemonia unilateral eminentemente anglo-saxónica, em estreita consonância com os interesses das oligarquias que promovem e difundem as guerras para estabelecer a “Nova Ordem Global”.

A proliferação de mercenários no Iraque, no Afeganistão, na Colômbia, nas Honduras, como em alguns países africanos ainda tocados pelo espectro de tensões, de conflitos, da guerra, interliga-se à cobiça sobre as riquezas naturais e sobretudo no âmbito das estratégias dominantes de acesso aos minerais (entre eles os diamantes, o coltan, o urânio), ao petróleo, ao gás, à água doce dos países do interior dos diversos continentes…

Para mim, parece-me cada vez mais óbvio que a traumatizante presença anglo-saxónica e de seus aliados como Israel no Médio Oriente, não visa ganhar qualquer guerra, mas é para, “abrindo mercados”, através de expedientes que incluem mercenarismo, introduzir os interesses das oligarquias que saíram vitoriosas da Guerra Fria nesse tão disputado “teatro operacional”, integrando nesse projecto todo o tipo de asseguramentos, de “affaires” e as elites de conveniência a nível local e regional.

Como diria Naomi Klein – é a “doutrina do choque”, completarei eu: elevada à potência máxima e visando explorar ao máximo África e os seus desamparados povos, tal qual ou pior que no Iraque.

“!Invadir países para apoderar-se de seus recursos naturais é ilegal, segundo a Convenção de Genebra. Isto significa que a gigantesca tarefa de reconstruir a infra-estrutura do Iraque —incluindo sua infra-estrutura petrolífera— é responsabilidade financeira dos invasores. São eles que deveriam ser forçados a pagar pelos consertos. (É preciso lembrar que o regime de Saddam Hussein pagou 9 bilhões de dólares ao Kuwait como reparações pela invasão do país em 1990.) Em vez disso, o Iraque está obrigado a vender 75% de seu património nacional para pagar as contas de sua própria invasão e ocupação ilegais”.

O mercenarismo hoje (recordo do latim mercenariu, de merce = comércio), não se limita às corporações típicas como as todas poderosas “Blackwater” e “MPRI”, tão identificadas com o Pentágono, mas invade outros campos de acção, desde a Logística, à Energia, até à Saúde, sendo exemplo disso, entre muitos outros que poderia evocar, uma Halliburton também integrante do clã de “lobbies” republicanos.

A lógica capitalista levada ao extremo da lei da selva, do “choque” que hoje impera sobre as nações mais fragilizadas e sobre os povos (inclusive o povo norte americano), não tem escrúpulos de, pela via da persuasão, da manipulação e de suas alianças, “extravasar” o seu “modelo” para que as elites consolidem em “todas as frentes do mercado” o que mais lhes interessa – a posse da riqueza e o poder, quantas vezes sem limites e quantas vezes sobre os escombros e perante multidões deliberadamente violentadas, desesperadas e quantas vezes sofrendo todo o tipo de riscos…

Em África a República Democrática do Congo, é talvez o país que ao longo dos seus 50 anos de “independência” mais tem sofrido com o “choque” e com essa praga mercenária, de Mobutu a Tshombe, desde os tempos do assassinato de Lumumba até às convulsões dos Grandes Lagos, inclusive as últimas.

O Congo imenso e multifacetado que teve como colonizador o Rei Leopoldo de tão triste memória e uma minúscula Bélgica que, entre flamengos e francófonos, ainda hoje discute a sua própria identidade nacional.

Che Guevara tomou o pulso do continente no Congo e os contactos tidos com as organizações dos movimentos de libertação, foram suficientes para lançar o alerta válido 45 anos depois, com todo o sentido de actualidade e de oportunidade.

“Quería referirme específicamente al doloroso caso del Congo, único en la historia del mundo moderno, que muestra cómo se pueden burlar con la más absoluta impunidad, con el cinismo más insolente, el derecho de los pueblos. Las ingentes riquezas que tiene el Congo y que las naciones imperialistas quieren mantener bajo su control son los motivos directos de todo esto. En la intervención que hubiera de hacer, a raíz de su primera visita a las Naciones Unidas, el compañero Fidel Castro advertía que todo el problema de la coexistencia entre las naciones se reducía al problema de la apropiación indebida de riquezas ajenas, y hacía la advocación siguiente: cese la filosofía del despojo y cesará la filosofía de la guerra. Pero la filosofía del despojo no sólo no ha cesado, sino que se mantiene más fuerte que nunca y, por eso, los mismos que utilizaron el nombre de las Naciones Unidas para perpetrar el asesinato de Lumumba, hoy, en nombre de la defensa de la raza blanca, asesinan a millares de congoleños.

¿Cómo es posible que olvidemos la forma en que fue traicionada la esperanza que Patricio Lumumba puso en las Naciones Unidas? ¿Cómo es posible que olvidemos los rejuegos y maniobras que sucedieron a la ocupación de ese país por las tropas de las Naciones Unidas, bajo cuyos auspicios actuaron impunemente los asesinos del gran patriota africano?

¿Cómo podremos olvidar, Señores Delegados, que quien desacató la autoridad de las Naciones Unidas en el Congo, y no precisamente por razones patrióticas, sino en virtud de pugnas entre imperialistas, fue Moisé Tshombe, que inició la secesión de Katanga con el apoyo belga?

¿Y cómo justificar, cómo explicar que, al final de toda la acción de las Naciones Unidas, Tshombe, desalojado de Katanga, regrese dueño y señor del Congo? ¿Quién podría negar el triste papel que los imperialistas obligaron a jugar a la Organización de Naciones Unidas?

En resumen se hicieron aparatosas movilizaciones para evitar la escisión de Katanga y hoy Tshombe está en el poder, las riquezas del Congo en manos imperialistas... y los gastos deben pagarlos las naciones dignas. ¡Qué buen negocio hacen los mercaderes de la guerra! Por eso, el gobierno de Cuba apoya la justa actitud de la Unión Soviética, al negarse a pagar los gastos del crimen.

Para colmo de escarnio, nos arrojan ahora al rostro estas últimas acciones que han llenado de indignación al mundo.

¿Quiénes son los autores? Paracaidistas belgas, transportados por aviones norteamericanos que partieron de bases inglesas. Nos recordamos que ayer, casi, veíamos a un pequeño país de Europa, trabajador y civilizado, el reino de Bélgica, invadido por las hordas hitlerianas; amargaba nuestra conciencia el saber de ese pequeño pueblo masacrado por el imperialismo germano y lo veíamos con cariño. Pero esta otra cara de la moneda imperialista era la que muchos no percibíamos.

Quizás hijos de patriotas belgas que murieran por defender la libertad de su país, son los que asesinaran a mansalva a millares de congoleños en nombre de la raza blanca, así como ellos sufrieron la bota germana porque su contenido de sangre ariano era suficientemente elevado.

Nuestros ojos libres se abren hoy a nuevos horizontes y son capaces de ver lo que ayer nuestra condición de esclavos coloniales nos impedía observar; que la «civilización occidental» esconde bajo su vistosa fachada un cuadro de hienas y chacales. Porque nada más que ese nombre merecen los que han ido a cumplir tan «humanitarias» tareas al Congo. Animal carnicero que se ceba en los pueblos inermes; eso es lo que hace el imperialismo con el hombre, eso es lo que distingue al «blanco» imperial.

Todos los hombres libres del mundo deben aprestarse a vengar el crimen del Congo”.

Em Angola a partir do momento que se optou pela lógica capitalista, os sinais de mercenarismo até em campos tão decisivos como na saúde são por demais evidentes e traumatizantes, para as comunidades suburbanas e para os “pobres deserdados da terra”, sujeitos a todo o tipo de vexames, apesar das infra estruturas e estruturas criadas e da presença de tantos médicos e pessoal técnico proveniente de díspares nacionalidades, inclusive médicos cubanos e sua devotada escola…

O “universo concentracionário” que constituem as cidades do litoral angolano, em especial Luanda, (para os do “mercado”, ainda bem que houve guerra, pois ela foi a “chave” para a “construção” dos interesses que entre outros “milagres”, fez confluir “consumidores” e “potenciais consumidores” para o espaço reduzido da capital) resultam de processos de aplicação da “doutrina de choque” eminentemente capitalista; já viram o que era organizar um “mercado” se esses mesmos habitantes estivessem dispersos pelo imenso território de Angola?

… E no entanto, na altura decisiva da luta pela independência, quando Kissinger estabeleceu a sua guerra contrariando os seus mais avisados compatriotas (entre eles Frank Charles Carlucci que aproveitava em Portugal o “lançamento” de Mário Soares), Angola combateu os mercenários da CIA, venceu-os e aos dois “Freedom Fighters” que serviram para a ocasião, levando 13 desses mercenários a julgamento num Tribunal Popular Revolucionário que condenou 4 deles à morte.

“… Oh vozes dolorosas de África! Oh vozes dolorosas como a de Lumumba que o imperialismo abafou com seus mercenários! Oh vozes dolorosas da Namíbia, do Zimbabué e da África do Sul! Para as quais o imperialismo se apresta já em recrutar mercenários assassinos. Oh vozes dolorosas de todos os oprimidos do Mundo. Em vosso nome, peço a pena de morte para os réus mercenários”… (Excerto do Pedido de Pena in “O povo acusa – julgamento dos mercenários – a legalidade revolucionária”).

No seguimento desse julgamento e da resoluta opção revolucionária de Angola, a então Organização da Unidade Africana estabeleceu a “Convenção sobre a eliminação dos mercenários em África”, um documento com 15 artigos e com obrigações para com os estados (artigos 5 e 6).

O Presidente Neto proclamava na altura, enquanto a própria imprensa britânica e norte americana dava conta que só no Norte de Angola teriam perecido mais de 100 mercenários brancos:

“Os últimos soldados sul africanos saíram de Angola no dia 27 do mês passado. Já não temos em Angola soldados estrangeiros que oprimam o nosso povo. Neste mês vamos apresentar ao mundo os mercenários que capturámos em Angola. Vamos apresentá-los para condenar mais uma vez essa gente que nada mais quer senão matar, senão destruir outros países.

Vamos apresentá-los para que a opinião pública internacional saiba que os mercenários, os sul africanos, os americanos e os outros, se voltarem a entrar em Angola, serão rechaçados” (São Tomé, 3 de Abril de 1976).

Como foi produzida a “viragem” de 180º que entretanto ocorreu?

Como alguns daqueles que combateram os mercenários da CIA em África, anos mais tarde acabaram por fazer uso de mercenários para “defender a sua causa”?

Tudo começou em 1985 e à volta de interesses norte americanos e europeus, particularmente no que diz respeito aos diamantes.

O processo 105/83 que desmantelou o tráfico ilícito de diamantes, foi levado a julgamento e os réus dele constantes foram na maior parte dos casos condenados, mas no seu rescaldo, os oficiais da então Segurança do Estado da 1ª República que haviam cumprido com as suas obrigações (em resultado desse processo o tráfico ilícito de diamantes sofreu um rude corte e o estado angolano havia recuperado a sua posição de controlo das transacções), foram presos, julgados e condenados a pesadas penas, pois afinal, ironia das ironias, estavam a fazer “um golpe de estado sem efusão de sangue” (Processo 76/86).

Para julgar esses oficiais-feitos-réus, houve que substituir o “velho” Tribunal Popular Revolucionário (o mesmo que havia julgado os mercenários de 1975/1976) por um “novo”, dimensionado para as conveniências dos clãs que despontavam na sociedade angolana com expressão política no Congresso do MPLA realizado na altura e “abrindo-se” para um outro poder cujo carácter iniciou a “fase de embrião”, ao mesmo tempo que se produziram alterações de vulto no aparelho da então Segurança de Estado.

Deu-se assim não só o início duma profunda alteração do carácter do estado angolano, preparando-se o caminho para o termo do sonho duma sociedade de feição socialista, ao mesmo tempo que se passou a introduzir sem remissão a lógica capitalista que sustentou a 2ª e sustenta 3ª repúblicas, muito antes das profundas alterações ocorridas nos países socialistas de então…

Os instrumentos de poder de estado começaram a ser tocados, assim como os órgãos de justiça da jovem república, faltavam as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, mas desde então elas, apesar das suas vitórias nos campos de batalha que ainda hoje são recordadas como feitos nacionais que influenciaram na independência da Namíbia e do Zimbabwe e na instalação da democracia representativa na África do Sul e em toda a região, estavam irremediavelmente condenadas a desaparecer.

Sob a pressão dos Estados Unidos da América e da URSS-Rússia, durante as várias “negociações” (Bicesse, Nova York, Lusaka), Angola foi conduzida à conclusão das transformações do carácter do estado angolano, fechando esse ciclo com o eclipse das FAPLA – haverá algum estado, alguma vez, que na construção duma paz carregada de tantas ambiguidades e ao sabor de tantas pressões e de tantos “choques”, se visse constrangido a acabar com um Exército que saíra vitorioso dos campos de batalha?

Em Angola houve e isso apesar de ainda em 1990 o Presidente da República e Comandante em Chefe das FAPLA reafirmar:

“É sabido que o inimigo aumentou a sua agressividade contra o Povo Angolano. Os seus protectores, os seus aliados e, sobretudo, os círculos mais conservadores dos Estados Unidos da América continuam insistindo no aumento da ajuda militar à UNITA, para prolongar a guerra em Angola e o sofrimento do nosso Povo. Nestas circunstâncias e porque é nosso dever defender as conquistas do Povo Angolano, as FAPLA terão, como tiveram até aqui, uma missão especial a cumprir. Pois elas têm sido, desde os primórdios da nossa História, o garante da defesa dos interesses do Povo Angolano”… (in “Intervenção do Camarada Presidente General de Exército José Eduardo dos Santos, Comandante-em-Chefe das FAPLA, durante a Reunião com os dirigentes e responsáveis das Forças Armadas”, publicado num folheto publicado com a data de 3 de Novembro de 1990).

A 24 de Setembro de 1991 todavia e em função dos Acordos de Maio de 1991 no Estoril, foram estabelecidas as bases gerais das Forças Armadas Angolanas em documentos assinados por intervenientes como o Tenente General França Ndalu, o Coronel Higino Carneiro, o General Demóstenes Cjilingutila e o Engenheiro Salupeto Pena.

A Comissão Conjunta Para a Formação das Forças Armadas Angolanas propôs o novo figurino com base nas Directivas nºs 1 e 2, respectivamente sobre as “Bases Gerais para a Formação das FAA” e “Critérios Gerais da Selecção dos Militares para as FAA”.

O que diziam os Acordos no que diz respeito a “Efectivos”?

Eis aqui o excerto das principais orientações:

“1 – As partes concordam que os efectivos das Forças Armadas Angolanas até às eleições deverão ser os seguintes:

Exército – 40.000.
Força Aérea – 6.000.
Marinha – 4.000.

2 – Os efectivos do Exército distribuir-se-ão de acordo com o seguinte esquema:

- 15.000 praças operacionais dos quais 7.200 pertencerão às Regiões Militares, 4.800 às Unidades de Reserva Geral do Exército e 3.000 às Forças especiais.

- 15.000 praças para apoio de serviços e administração.

- 6.000 sargentos.

- 4.000 oficiais.

3 – Cada uma das partes fornecerá ao Exército um total de 20.000 homens assim distribuídos:

- 15.000 praças (dos quais 7.500 operacionais).

- 3.000 sargentos.

- 2.000 oficiais”.

As implicações do fim das FAPLA e a iniciativa da criação das FAA sem ter em conta sequer as proporções das forças, num ambiente internacional em que deixaram de existir os países de orientação socialista enquanto o capitalismo assumia o domínio pela via dos anglo saxónicos, de seus aliados declarados e não declarados e de seus vínculos (inclusive aqueles que assumiram os vínculos locais), proporcionou em Angola a aplicação da “doutrina de choque”, dando-se início à “guerra dos diamantes de sangue” integrada na “Iª Guerra Mundial Africana”, à gestação das “novas elites político-militares angolanas” aproveitando as profundas alterações do carácter do estado, da economia e da sociedade e a coisas nunca vistas em termos de exercício do poder, entre elas a utilização de mercenários.

Martinho Júnior - 15 de Maio de 2010

Consultas na Internet:
- Capitalismo de desastre: estado de extorsão - http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15133
- Discurso del Comandante Che Guevara en la Asamblea General de las Naciones Unidas - 12 de diciembre de 1964 - http://www.culturabrasil.pro.br/discursoche.htm
- Coronel Callan - http://es.wikipedia.org/wiki/Coronel_Callan
- Holden Roberto - http://es.wikipedia.org/wiki/Holden_Roberto
- Juicio en Luanda contra diez mercenarios britânicos -http://www.elpais.com/articulo/internacional/ANGOLA/REINO_UNIDO/Juicio/Luanda/mercenarios/britanicos/elpepiint/19760605elpepiint_2/Tes/
- El "coronel Callan" se responsabiliza de sus hombres -http://www.elpais.com/articulo/internacional/aFRICA/ANGOLA/coronel/Callan/responsabiliza/hombres/elpepiint/19760613elpepiint_11/Tes/
- Callans executions - http://mercenary-wars.net/blogs/?p=61
- Le mercenariat dans l’histoire de 1960 (article en cours, à términer) - http://tanuki.eklablog.com/le-mercenariat-dans-l-histoire-de-1960-a-nos-jours-article-en-cours-a--a1159258
- Angola ratifica Convenção da UA sobre terrorismo - http://www.panapress.com/freenewspor.asp?code=por017587&dte=02/02/2005
- La privatisation de la securité internationale - http://www.drmcc.org/IMG/pdf/Memoire_fourcaulx.pdf
- Mercenários brasileiros na Legião Estrangeira - http://diplo.org.br/2008-05,a2267
- Gaúcho pretende seguir carreira - http://diplo.org.br/2008-05,a2268
- Legionários são heróis na França - http://diplo.org.br/2008-05,a2269
- A doutrina de choque - http://www.naomiklein.org/shock-doctrine
- A privatização da guerra – Governo dos EUA encomenda as suas operações sujas a empresas de mercenários - http://resistir.info/colombia/mercenarios_usa.html
- Blackwater: O exército sombra de Bush - http://resistir.info/eua/jeremy_scahill_p.html
- Coalition of mercenaries - http://www.counterpunch.org/fisk03292004.html
- Blackwater – Wikipedia - http://en.wikipedia.org/wiki/Blackwater_Worldwide
- Xe Company - http://www.xecompany.com/
- MPRI - http://www.mpri.com/esite/

Bibliografia consultada:
- Ernesto Che Guevara – Pasajes de la guerra revolucionaria: Congo.
- Angola: fin del mito de los mercenartios – Raul Valdês Vivo.
- O Povo Acusa – Julgamento dos mercenários – a legalidade revolucionária.
- Mercenaires SA – Philippe Chapleau e François Misser.
- Acordo de Paz para Angola – edição da República Popular de Angoola.
- Intervenção do Camarada Presidente General de Exército José Eduardo dos Santos, Comandante em Chefe das FAPLA durante a reunião com dirigentes e responsáveis das Forças Armadas – Luanda, 3 de Novembro de 1990.
- Forças Armadas Angolanas – Bases Gerais.
- Aplicação dos Acordos de Paz – Balanço e Perspectivas – doze meses de actividade da CCPM.

Publicado em PÁGINA UM, em  2 de novembro de 2010

PORTUGAL | O preconceito faz mal à saúde


Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Há uma substância capaz de fazer face a sintomas associados a várias doenças graves, entre elas o cancro. Os seus benefícios estão comprovados por milhares de estudos certificados. Tem efeitos secundários, mas não mais que muitas drogas legais, como antidepressivos ou analgésicos fortes, que geram profundas dependências. Quem precisa de aceder à canábis para uso terapêutico, ou quem acompanha a situação, conhece a revolta de saber que há um tratamento mais indicado que, por ignorância e preconceito, não está legalmente disponível. Eu já a senti.

O debate na Assembleia da República foi clarificador. Ninguém nega os benefícios do uso terapêutico da canábis, o que torna frágeis os argumentos contra a legalização. De todas as posições, a mais incompreensível, de tão conservadora, é a do PCP.

O PCP optou por se manifestar contra o projeto do Bloco, aprovando uma resolução com o CDS em que recomenda ao Governo que estude o que já está medicamente comprovado. Ignorou, nesse processo, que a canábis já é legalmente usada para fins terapêuticos em vários países, do Canadá à Alemanha. Tentou ainda argumentar, como o CDS, que o projeto do Bloco era redundante porque o Infarmed já prevê o uso de substâncias derivadas da canábis. Não só este argumento contraria a necessidade de mais estudos, como faz tábua rasa da opinião de muitos profissionais da saúde que reivindicam a legalização e regulamentação da canábis. Atacou depois o autocultivo, porque já há farmacêuticas a produzir canábis. Foi surpreendente ver o PCP a defender as farmacêuticas. Além disso, o cultivo doméstico, devidamente regulamentado e fiscalizado, como no Canadá, pode ser uma garantia de qualidade, e não o contrário.

Finalmente, o pior de todos os argumentos: que este projeto é uma forma encapotada de abrir a porta ao uso recreativo da canábis. Sobre isto, há duas coisas a dizer. Primeiro, o Bloco defende abertamente a legalização para fins recreativos e já apresentou projetos para esse efeito. Não precisamos de nos esconder. Segundo, vai sendo hora de acabar com o moralismo hipócrita que convive bem com uma sociedade que é livre para se alimentar mal, para consumir álcool e tabaco em excesso, para ser dependente de antidepressivos e calmantes, mas não para consumir canábis.

Independentemente da nossa posição, este projeto, que terá 60 dias para ser discutido na especialidade, é exclusivamente sobre o uso terapêutico da canábis. A abertura para melhorá-lo e ir ao encontro das preocupações dos outros partidos é total.

O Parlamento já várias vezes mostrou ser capaz de ultrapassar velhos preconceitos para se colocar na vanguarda internacional dos direitos sociais e individuais. É essa coragem que se pede mais uma vez. Há muita gente, muitos doentes, que esperam por esta lei com uma expectativa imensa e com uma urgência impaciente. Não os vamos desiludir.

* Deputada do BE

EDP & OUTRAS | "Não é aceitável que empresas digam que não querem pagar impostos


O ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, afirmou hoje que "não é aceitável que as empresas digam que não querem pagar" impostos, salientando que todos têm de "cumprir as obrigações fiscais".

A EDP decidiu deixar de pagar a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE), que foi criada em 2014, juntando-se assim à Galp Energia, passando a exercer o direito de "proceder à prestação das garantias necessárias e aplicáveis pela Lei", o mecanismo legal previsto quando não se paga uma liquidação de imposto e se avança com uma reclamação.

"As empresas têm de cumprir as suas obrigações fiscais e isso é verdade para as pequenas, é verdade para as médias, é verdade para as grandes, como é verdade para os cidadãos", afirmou Manuel Caldeira Cabral na comissão parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas.

"Portanto não estaremos nunca dispostos a aceitar e será nos tribunais, será na legalidade que vamos resolver essas questões porque não é aceitável que as empresas digam que não querem pagar, porque concordam ou não com o Governo, concordam ou não com o imposto", acrescentou o governante, apontando que não é questionado aos contribuintes se querem pagar impostos.

As duas energéticas - bem como a REN - Redes Energéticas Nacionais estão também a contestar a CESE com ações nos tribunais.

Na sequência da decisão da EDP - que até agora vinha a pagar a CESE, apesar de discordar do prolongamento da sua vigência -, o primeiro-ministro considerou que a EDP tem mantido uma "atitude hostil" em relação ao atual Governo, o que lamentou, afirmando que representa "uma alteração da política" que tinha com o anterior executivo PSD/CDS-PP.

"Eu não vou comentar. Só lamento a atitude hostil que a EDP tem mantido e que representa, aliás, uma alteração da política que tinha com o anterior Governo", respondeu o primeiro-ministro.

Segundo o Observador, em causa "cerca de 69 milhões de euros devidos em 2017 que assim se somam aos valores que já estavam por cobrar desta contribuição sobre as grandes empresas de energia".

Lusa | em Notícias ao Minuto

BRASIL | Celso Amorim: 'acusações a Lula são muito frágeis'


Segundo o chefe da política externa brasileira durante boa parte dos governos petistas, uma proscrição de Lula nas próximas eleições presidenciais teria 'graves consequências' no Brasil e também no resto da América Latina

Dario Pignotti, para o Página/12, direto de Brasília

“Se Lula for impedido de ser candidato estaremos diante de um fato que terá graves consequências no Brasil, e que possivelmente terá repercussão além das nossas fronteiras- Seria uma forma de agressão à democracia na América Latina”. Para o ex-chanceler Celso Amorim, o próximo 24 de janeiro, quando um tribunal de segunda instância decidirá o destino de Luiz Inácio Lula da Silva, começará a se desenhar um novo panorama político de uma região que terá seis eleições presidenciais neste 2018, uma delas no próprio Brasil.

“No caso de que o Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4) tire Lula da disputa, o Brasil estará enviando um sinal negativo, sendo um país com um peso indiscutível, que repercute, para o bem e para o mal, nos países vizinhos”, pondera Amorim, o iniciar esta entrevista telefônica com o Página/12 na que analisou as “coincidências” entre o comportamento de vários juízes brasileiros e os interesses dos Estados Unidos revelados em documentos de inteligência vazados há alguns anos por Edward Snowden.

O futuro do ex-mandatário está nas mãos dos três desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre, que deverão se pronunciar sobre a condenação de 9 anos e meio de prisão ditada pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro. “Não quero fazer generalizações simplistas mas considero que Moro e outros magistrados estão usando seus cargos para perseguir dirigentes progressistas, entendo que isso também acontece na Argentina”.

No caso de que o TRF-4 ratifique a sentença, algo bastante provável, Lula corre o risco de ficar de fora das eleições de outubro, para a qual as pesquisas o apontam como maior favorito, dobrando as intenções de votos dos seus principais adversários, incluindo o militar retirado Jair Bolsonaro, que aparece em segundo lugar.

“Batalha” foi uma das palavras mais usadas pelo ex-chefe da política externa de Lula ao se referir às disputas nos campos político e diplomático para restabelecer a democracia. Como parte desse combate, Amorim lançou, junto a um grupo de intelectuais, o manifesto “Eleição sem Lula é Fraude”.

Página/12 – Para a opinião pública internacional, Lula é culpado ou inocente?

Celso Amorim – Creio que muitas pessoas bem informadas de todo o mundo estão perplexas com o que acontece no Brasil, percebem que as acusações a Lula são muito frágeis. Que o promotor encarregado da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao não ter provas, acusou Lula baseado em “convicções”. Posteriormente, o juiz Moro elaborou uma condenação igualmente frágil do ponto de visto jurídico, já que admite carecer de provas que relacionem Lula com a compra do apartamento que seria produto de uma manobra dolosa. No resto do mundo, estão compreendendo que este processo está cheio de arbitrariedades, que foi instrumentado para impedir que o povo eleja livremente o seu presidente nas eleições de outubro. O que está em jogo é a democracia, no Brasil se substituiu o golpe militar clássico dos Anos 60 e 70 por um golpe judicial-midiático. Estamos vendo o julgamento de 24 de janeiro dentro de um contexto maior, no qual há uma espécie de rolo-compressor da mídia e da Justiça, que parece pretender acabar com a política, e especialmente com a política progressista.

Página/12 – É possível que a pressão internacional influa nos desembargadores de Porto Alegre?

Celso Amorim – Não poderia dar uma resposta sobre como se comportarão os desembargadores, isso seria especular demais. Creio que eles vêm tomando conhecimento do apoio que teve o manifesto “Eleição sem Lula é Fraude”. Quando lançamos, eu esperava reunir até 4 mil assinaturas, e de repente vejo que isso se transforma num sucesso, uma adesão impressionante que consegue assinaturas de até cem países. Já estamos próximos das 170 mil, incluindo a de ex-presidentes como Cristina Fernández, José Mujica, Rafael Correa e Ernesto Samper, além do prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o linguista norte-americano Noam Chomsky, o italiano Massimo D´Alema que é um personagem emblemático da esquerda democrática, o ex-presidente chileno Ricardo Lagos não assinou mas apoiou Lula nas redes sociais. A batalha do momento é a batalha pela democracia, e isso foi visto também por outros potenciais candidatos presidenciais no Brasil, possíveis adversários de Lula, como Manuela D´Ávila (do PC do Ba) e Aldo Rebelo (do PSB) que assinaram a petição.

Fora do Brasil, o país que deu mais apoio foi a Argentina, que já nos deu quase 17 mil assinaturas, e esperamos que continuem chegando mais, é um manifesto aberto a todos os cidadãos.

Página/12 – Paralelamente a isso, existe a causa aberta por Lula na ONU.

Celso Amorim – A ONU é uma organização muito ampla. Esse processo está sendo avaliado pelo Conselho de Direitos Humanos, e é seguido pelo advogado Geoffrey Robertson, reconhecido internacionalmente e que está relacionado com a falta de respeito às garantias de Lula. Não estou trabalhando neste tema diretamente, então não posso dar detalhes, mas entendo que o nosso manifesto pode ter algum tipo de impacto na ONU, porque teve apoio de pessoas respeitadas, e não podemos esquecer que o julgamento na ONU é jurídico e político.

Página/12 – O ano político brasileiro se iniciará dentro de duas semanas, com a decisão do TRF-4, e terminará em outubro ou novembro, durante as eleições. Se Lula for mesmo candidato e vencer, que consequências isso traria para a região?

Celso Amorim – Seria uma mudança geopolítica de grandes consequências. Há muitas coincidências entre os acontecimentos vistos em vários países da região, onde parece haver uma sintonia entre o poder econômico, grupos de inteligência, alguns juízes e meios de comunicação. O contágio de uma nova onda progressista pode ser similar ao que ocorreu nos Anos 80, quando a Argentina recuperou a democracia e isso impactou na transição brasileira. Se Lula retorna, isso pode ser benéfico para a Argentina, e aproveito este momento para expressar minha solidariedade com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner, que também é vítima de uma série de perseguições, e ao meu amigo e ex-chanceler Héctor Timerman. Se Lula vence em outubro, e o México elege Andrés Manuel López Obrador (em julho), estaríamos falando de dois líderes progressistas em países com muito peso, essa possível onda progressista pode estar preocupando muito eles neste momento.

Página/12 – “Eles” seriam os Estados Unidos?

Celso Amorim – Não quero aderir automaticamente a interpretações conspirativas, mas tampouco podemos descartá-las. Por exemplo, vemos muitas coincidências que estão amplamente demonstradas, pelos documentos da NSA revelados por Edward Snowden mostrando que o alvo dos ataques era a presidenta Dilma Rousseff e a Petrobras. Os grampos ilegais do juiz Moro às conversas telefônicas de Dilma e Lula (em março de 2016) ao parecer contaram com apoio tecnológico de fora. São muitas coincidências. O golpe contra Dilma também foi um golpe geopolítico e geoeconômico, e os grupos que estiveram por trás desse plano são os que agora não querem que Lula volte. Não querem a Unasul, nem o Conselho de Defesa da Unasul, a CELAC. Não aceitam uma política externa que defenda a soberania.

Página/12 – Como definir a política externa de Michel Temer?

Celso Amorim – Eu diria que “soberania” é uma palavra esquecida pelo governo brasileiro, este é um dos aspectos mais característicos.

Isso se vê, por exemplo, na política para a Amazônia, ou no início das negociações para a venta da Embraer à Boeing, na política para a Petrobras, que já não é uma empresa a serviço do desenvolvimento do Brasil, suas novas autoridades só se preocupam pelo balanço de suas contas. Estão desmontando o sistema elétrico, estão desmontando o BNDES.

Página/12 – Donald Trump ameaçou atacar a Venezuela. É uma hipótese plausível?


Celso Amorim – Foi a primeira vez, desde a crise dos mísseis em Cuba de 1962, que um presidente norte-americano ameaça usar a força contra um país latino-americano, e isso deveria ser móvito para uma reunião da CELAC, mas ninguém a convoca porque nossos países estão sendo mais dóceis em sua relação com os Estados Unidos. Sobre a sua pergunta, eu diria que duvido muito que Trump use a força, mas suas declarações foram um estímulo perigoso para que outros sigam a via violenta contra a Venezuela. O preocupante deste caso é que a política externa brasileira afirma abertamente que “tem que tomar partido” a favor da oposição venezuelana, em vez de atuar como agente facilitador do diálogo entre as partes. Voltando a Trump, a verdade é que o presidente norte-americano não tem nenhum projeto definido, é a primeira vez desde a II Guerra Mundial que os Estados Unidos não têm um projeto mundial. Sempre tiveram, e muitas vezes estiveram equivocados, como na Guerra do Vietnã, mas ao menos havia uma linha. A falta desse programa por parte dos Estados Unidos é o que desencadeia a explosão de forças de direita, o racismo, a hostilidade para com os latinos, e agora contra os imigrantes salvadorenhos, além da ideia da construção de um muro entre esse país e o México.

- Em Carta Maior

BRASIL | Para alemães, eleição sem Lula é fraude


Vítima de uma intensa caçada judicial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganha apoio até na Alemanha, onde um grupo de pessoas, dentre eles jornalistas, aderiram à campanha de que a eleição sem a candidatura do petista é uma fraude

247 - Vítima de uma intensa caçada judicial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganha apoio até na Alemanha, onde um grupo de pessoas, dentre eles jornalistas, aderiram à campanha de que a eleição sem a candidatura do petista é uma fraude.

"Eleição em 2018 sem Lula é golpe e fraude", diz Flávio Aquiar, escritor e jornalista.
"Sem Lula, esta eleição é uma fraude", diz o presidente do Fórum das Américas de Berlim.

A afirmação também é reforçada pelo jornalista Peter Steiniger.

Um grupo de estudantes aderiu à campanha: "Nós, estudantes em Berlim, nos solidarizamos com a campanha 'Eleição 2018 sem Lula é fraude'".

- Em Carta Maior

A destruição da antiga Iugoslávia tem uma lógica cada vez mais atual


Envolvimento subversivo estrangeiro, manipulação midiática, intervenção militar e ocupação fizeram parte do roteiro do desmembramento da Iugoslávia e da queda forçada do líder nacionalista Milosevic: os acontecimentos dos anos 90 não perderam sua ligação histórica nem sua atualidade

Eduardo Vasco, Pravda.ru

Encontre o erro na seguinte frase, caro leitor:

"Nunca votou no ditador."

Essa é uma descrição que o jornalista brasileiro Kennedy Alencar faz de uma repórter sérvia durante a agressão da OTAN à Iugoslávia, em 1999. A colega sérvia de Alencar apoiou Slobodan Milosevic contra os bombardeios da coalização imperialista, apesar de ser uma opositora da "ditadura" que dava o direito ao voto popular.

Tudo bem, concordo que o voto não é garantia de democracia. A maioria dos países capitalistas se dizem democráticos e o povo pode votar. Mas, parafraseando Lenin, o voto nesses países serve para o povo escolher quem será seu próximo opressor.

Entretanto, a frase destacada no começo do artigo sugere uma contradição, que Alencar justifica:

"Milosevic, embora eleito, é considerado ditador por causa de duas atitudes: manipula os meios de comunicação e se apoia num aparato repressivo. Nunca é demais lembrar que Alfredo Stroessner se reelegeu sucessivas vezes no Paraguai e que Alberto Fujimori também passou pelas urnas no Peru."

Outra desculpa que o jornalista encontra para tachar Milosevic de ditador dezenas de vezes em seu livro "Kosovo: a guerra dos covardes" (DBA, 1999, 224 pg.) é esta:

"O fato de policiais terem equipamento pesado evidencia o quão repressor é (e foi) nos últimos anos o regime sérvio em Kosovo."

Não pretendo dizer que as forças de segurança sérvias eram formadas por hippies paz & amor. Obviamente havia militares, policiais e paramilitares cruéis, mas os acontecimentos daquela época sofreram as frequentes distorções cometidas pela mídia ocidental quando ocorrem guerras e invasões lideradas pelos Estados Unidos.

A Iugoslávia era um país com boa qualidade de vida, estabilidade de emprego, serviços públicos gratuitos para toda a população e as diversas etnias viviam em relativa harmonia. Na década de 1980, com a crise econômica (o país, apesar de socialista, era dependente das forças imperialistas do mercado, como o FMI e o Banco Mundial) e a morte de Tito, o cenário começou a mudar.

Grupos marginais e políticos xenófobos e de extrema-direita emergiram, clamando mudanças políticas e econômicas na esteira da crise do bloco comunista do Leste Europeu. Sérvios, croatas, eslovenos, bósnios e kosovares, muitos deles incentivados pela propaganda clandestina da CIA, tiveram seu ultranacionalismo reacionário despertado.

O que se seguiu, na virada para a década de 1990, foi a fragmentação da Iugoslávia em vários países, com guerras civis que faziam cada vez mais os ânimos se exaltarem e barbaridades serem cometidas. A guerra destrói a infraestrutura, as vidas e a mente.

Fiz esse rápido resumo para dizer que os conturbados anos 80 e 90, com a crise e as guerras, levaram ao aumento inevitável da xenofobia, do ódio e da violência reacionários por toda a região.

Em um clima de guerra e agressão estrangeira durante dez anos, como foi o caso das operações ocidentais que desencadearam os ataques da OTAN em 1999, um país fragmentado e economicamente falido (uma secretária sérvia ganhava seis vezes menos em 1999 do que em 1991) não vive na normalidade.

Como foi reconhecido em 2016 pelo Tribunal de Haia, Milosevic não teve participação nos massacres na Bósnia e tentou impedir as ações de grupos extremistas paramilitares. Mesmo assim, indivíduos racistas acabavam por fazer parte do aparato de segurança.

Agora, vamos concordar então que um presidente (Alencar usou essa denominação apenas três vezes para caracterizar Milosevic) seja um ditador quando manipula a mídia e se apoia no aparato repressivo. Devemos concluir, então, que todos os presidentes dos EUA são ditadores.

Mas críticas profundas aos EUA e ao Ocidente são evitadas pelo autor do livro. Enquanto Milosevic era o malvado, o cruel, o sanguinário, a OTAN apenas errava os seus alvos, por descuidos. A mídia sérvia, controlada pelo governo, distorcia a realidade, mas a CNN e a BBC, apesar de descritas como tendenciosas, não eram controladas pela OTAN e seus governos, segundo Alencar.

Especificamente durante a guerra de 1999, o autor afirma que a mídia era controlada por Milosevic. Creio que em uma guerra contra um invasor estrangeiro, possivelmente em qualquer país uma cobertura noticiosa favorável ao inimigo seria proibida.

Mas uma contradição de Alencar é que ele mesmo relata que a CNN era transmitida para a Iugoslávia e cobria um grande público, apesar de muita gente desconfiar da cobertura distorcida.

E os sérvios desconfiavam com razão. A maioria dos jornalistas ocidentais que cobriram a Guerra do Kosovo, seguindo orientações superiores ou não, distorciam informações e não contextualizavam nem aprofundavam as análises, baseando-se fundamentalmente em preconceitos que eram transmitidos também para seus públicos. Esse é um dos motivos do porquê de, até hoje, a maior parte das pessoas que aborda esse assunto acreditar piamente que os sérvios foram os grandes vilões e mereceram ser massacrados pelos mísseis da OTAN.

Mas as manipulações, para serem eficazes, eram cuidadosamente preparadas e sutilmente difundidas, os preconceitos e mentiras eram quase que naturais e poderiam até ser confundidos com ingenuidade dos profissionais de imprensa, como o capacitado Alencar. Esse é o método pelo qual funciona o modelo de propaganda tão bem analisado pelo filósofo Noam Chomsky.

Modelo que vemos hoje sendo utilizado para manipular os acontecimentos na Venezuela ou na Coreia do Norte, por exemplo. Os grandes veículos de imprensa não pensaram duas vezes em acusar os sérvios e seu presidente de genocidas. Mesmo que atrocidades tenham sido cometidas - como, infelizmente, ocorrem em todas as guerras -, até hoje não existem evidências de muitos crimes supostamente cometidos, e muito menos da participação de Milosevic. Aliás, como já mencionado, o Tribunal de Haia (o mesmo que o deixou morrer na prisão) não encontrou nada contra Milosevic durante a Guerra da Iugoslávia em sua exaustiva investigação. Curiosamente (para os leigos), isso não foi notícia na mídia internacional.

Ao mesmo tempo, o autodenominado Exército de Libertação do Kosovo (ELK) era tachado como grupo de resistência, do mesmo jeito que são retratadas hoje organizações terroristas opositoras do governo sírio.

Em alguns casos, se forjou indicentes para culpar os sérvios. Em crimes cometidos pelo ELK, não se denunciou. Civis sérvios sendo atacados não foram merecedores de protestos, como eram as vítimas kosovares. Por acaso não seriam os jornais os verdadeiros xenófobos e racistas, segregando os sérvios como vítimas de categoria inferior? E não é isso o que sempre fazem os grandes meios de comunicação? Fala-se muito de supostas vítimas de perseguição política por parte do governo norte-coreano, mas nenhuma linha sobre a censura e repressão a opositores na Coreia do Sul. Diz-se que Putin não admite homossexuais nem feministas, mas nem uma palavra sobre o regime autoritário protofascista da Ucrânia.

O certo é que uma guerra na Iugoslávia foi muito conveniente para o Ocidente (diga-se imperialismo, especialmente o estadunidense). Fomentou-se um conflito fratricida, com participação de agentes e governos estrangeiros, em um dos mais prósperos países da Europa Oriental, talvez porque de outra forma não fosse possível que seu regime mudasse como mudaram os outros da região na mesma época. E, realmente, enquanto Milosevic não foi deposto (em um ato final da operação de mudança de regime na Iugoslávia), o capital internacional não conseguiu dominar a economia do país.

E mais ainda: até a atualidade a Sérvia ainda não se entregou por completo à dominação imperialista. Foi por isso que o país foi completamente fatiado, passando pela divisão em 2006 entre Sérvia e Montenegro e mais atualmente o reconhecimento de organismos internacionais comandados pelos EUA e vários países do status de independência do Kosovo. Essa parte da Sérvia, desde a intervenção da OTAN, se tornou uma zona especial de controle e laboratório imperialista.

Apesar dos sucessivos golpes sofridos, ainda há dignidade no povo sérvio, que, por experiência própria, é reticente com a política econômica neoliberal e tem um sentimento patriótico (não o ultranacionalismo xenófobo) fortemente anti-imperialista e uma memória histórica que não deixa esquecer o passado socialista e de união dos povos eslavos do sul. A Sérvia ainda é peça-chave no tabuleiro geopolítico do sudeste europeu, como aliada da Rússia (uma das que sobraram) e zona estratégica entre Ocidente e Oriente, em um caminho que liga a Rússia e seus vizinhos aos países do Oriente Médio (cujas riquezas são tão cobiçadas pelos EUA) até a Ásia Oriental. De fato, a Sérvia é um dos países participante da Nova Rota da Seda (One Belt, One Road) encabeçada pela China, que promete ser um duro obstáculo para - senão um dos instrumentos de derrocada da - dominação norte-americana.

Bernie Sanders: é hora de nova rebeldia global


Às vésperas do Fórum de Davos, ex-candidato rebelde à presidência dos EUA propõe um movimento articulado para enfrentar, em todo o mundo, os poderosos, os bilionários e a desigualdade estrutural

Bernie Sanders | Outras Palavras | Tradução: Mauro Lopes

Eis onde estamos como planeta em 2018: depois de todas as guerras, revoluções e grandes encontros  internacionais nos últimos 100 anos, vivemos em um mundo onde um pequeno punhado de indivíduos incrivelmente ricos exercem níveis desproporcionais de controle sobre a vida econômica e política da comunidade global.

Difícil de compreender, o fato é que as seis pessoas mais ricas da Terra agora possuem mais riqueza do que a metade mais empobrecidada população mundial — 3,7 bilhões de pessoas. Além disso, o top 1% tem agora mais dinheiro do que os 99% de baixo. Enquanto os bilionários exibem sua opulência, quase uma em cada sete pessoas luta para sobreviver com menos de US$ 1,25 [algo como R$ 4] por dia e – horrivelmente – cerca de 29 mil crianças morrem diariamente de causas totalmente evitáveis, como diarreia, malária e pneumonia.

Ao mesmo tempo, em todo o mundo, elites corruptas, oligarcas e monarquias anacrônicas gastam bilhões nas mais absurdas extravagâncias. O Sultão do Brunei possui cerca de 500 Rolls-Royces e vive em um dos maiores palácios do mundo, um prédio com 1.788 quartos, avaliado em US$ 350 milhões. No Oriente Médio, que possui cinco dos 10 monarcas mais ricos do mundo, a jovem realeza circula pelo jet set ao redor do mundo, enquanto a região sofre a maior taxa de desemprego entre os jovens no mundo e pelo menos 29 milhões de crianças vivem na pobreza, sem acesso a habitação digna, água potável ou alimentos nutritivos. Além disso, enquanto centenas de milhões de pessoas vivem em condições de vida indignas, os comerciantes de armas do mundo enriquecem cada vez mais, com os gastos governamentais de trilhões de dólares em armas.

Nos Estados Unidos, Jeff Bezos — fundador da Amazon, e atualmente a pessoa mais rica do mundo — tem um patrimônio líquido de mais de US$ 100 bilhões. Ele possui pelo menos quatro mansões que, em conjunto, valem várias dezenas de milhões de dólares. Como se isso não bastasse, está gastando US$ 42 milhões na construção de um relógio dentro de uma montanha no Texas, que supostamente funcionará por 10.000 anos. Mas, nos armazéns e escritórios da Amazon em todo o país, seus funcionários usualmente trabalham em jornadas longas e extenuantes e ganham salários tão baixos que precisam crucialmente do Medicaid, de cupons de alimentos e subsídios públicos para habitação, pagos pelos contribuintes dos EUA.

Não só isso: neste momento de riqueza concentrada e desigualdade de renda, pessoas em todo o mundo estão perdendo a fé na democracia. Eles percebem cada vez mais que a economia global foi manipuladapara favorecer os que estão no topo à custa de todos os demais — e estão revoltados.

Milhões de pessoas estão trabalhando mais horas por salários mais baixos do que há 40 anos, tanto nos Estados Unidos quanto em muitos outros países. Elas olham à frente e sentem-se indefesas diante de poucos poderosos que compram eleições e uma elite política e econômica que se torna mais rica, enquanto futuro de seus próprios filhos torna-se cada dia mais incerto.

Em meio a toda essa disparidade econômica, o mundo está testemunhando um aumento alarmante do autoritarismo e do extremismo de direita — que alimenta, explora e amplifica os ressentimentos dos que ficaram para trás e inflamam o ódio étnico e racial.

Agora, mais do que nunca, aqueles que acreditamos na democracia e em governos progressistas devemos mobilizar as pessoas de baixa renda e trabalhadoras em todo o mundo para uma agenda que atenda suas necessidades. Em vez de ódio e divisão, devemos oferecer uma mensagem de esperança e solidariedade. Devemos desenvolver um movimento internacional que rejeite a ganância e a ideologia da classe bilionária e conduza-nos a um mundo de justiça econômica, social e ambiental. Isso será uma luta fácil? Certamente não. Mas é uma luta que não podemos evitar. Os riscos ao futuro são altos demais.

Como o Papa Francisco observou corretamente em um discurso no Vaticano em 2013: “Criamos novos ídolos; a adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e impiedosa imagem no fetichismo do dinheiro e na ditadura da economia sem rosto nem propósito verdadeiramente humanos.” Ele continuou: “Hoje, tudo está sob as leis da competição e da sobrevivência dos mais aptos enquanto os poderosos se alimentam dos sem poder. Como consequência, milhões de pessoas encontram-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem possibilidades, sem meios de escapar”.

Um novo movimento progressista internacional deve comprometer-se a enfrentar a desigualdade estrutural tanto entre as nações como em seu interior. Tal movimento deve superar o “culto do dinheiro” e a “sobrevivência dos mais aptos”, como advertiu o Papa. Deve apoiar políticas nacionais e internacionais destinadas a aumentar o nível de vida das pessoas pobres e da classe trabalhadora — desde o pleno emprego e salário digno até o ensino superior e saúde universais e acordos de comércio justo. Além disso, devemos controlar o poder corporativo e interromper a destruição ambiental do nosso planeta que tem resultado nas mudanças climáticas.

Este é apenas um exemplo do que precisamos fazer: apenas alguns anos atrás, a Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) estimou que as pessoas mais ricas e as maiores corporações em todo o mundo esconderam entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões em paraísos fiscais, para evitar o pagamento de sua justa contribuição em impostos. Se trabalharmos juntos para eliminar o abuso tributário offshore, a nova receita que será gerada poderá pôr fim à fome global, criar centenas de milhões de novos empregos e reduzir substancialmente a concentração de renda e a desigualdade. Tais recursos poderão ser usados para promover de forma acelerada uma agricultura sustentável e para acelerar a transição de nosso sistema de energia dos combustíveis fósseis e para as fontes de energia renováveis.

Rejeitar a ganância de Wall Street, o poder das gigantescas corporações multinacionais e a influência da classe dos bilionários globais não é apenas a coisa certa a fazer — é um imperativo geopolítico estratégico. Pesquisa realizada pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas mostrou que a percepção dos cidadãos sobre a desigualdade, a corrupção e a exclusão estão entre os indicadores mais consistentes para definir se as comunidades apoiarão o extremismo de direita e os grupos violentos. Quando as pessoas sentem que as cartas estão  empilhadas na mesa contra si e não veem caminho para o recurso legítimo, tornam-se mais propensas a recorrer a soluções prejudiciais a elas próprias e que apenas exacerbam o problema.

Este é um momento crucial na história do mundo. Com a explosão da tecnologia avançada e os novos paradigmas que ela permitiu, agora temos a capacidade de aumentar substancialmente a riqueza global de forma justa. Os meios estão à disposição para eliminar a pobreza, aumentar a expectativa de vida e criar um sistema de energia global barato e não poluente.

Isto é o que podemos fazer se tivermos a coragem de nos unir e confrontar os poderosos que querem cada vez mais para si mesmos. Isto é o que devemos fazer pelo bem de nossos filhos, netos e o futuro do nosso planeta.

* Bernie Sanders - Senador nos EUA pelo Estado de Vermont. Filiado ao Partido Democrata desde 2015, foi o político independente com mais tempo de mandato na história do Congresso dos Estados Unidos. Concorreu às eleições primárias que definiram o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos no pleito de 2016, sendo derrotado por Hillary Clinton -sua plataforma de inspiração socialista foi a grande novidade que quase derrotou a máquina partidária democrata.

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