Expresso Curto com um título que
parece cousa de lana caprina, mas não é. Interessa ler. Como sempre. Isto se
considerarmos que também pela negativa aprendemos. Estarmos informados é
aprender. Não quero dizer que este Curto
de Filipe Santos Costa seja negativo, não se abespinhem. Leiam e formem a vossa
própria opinião. Aprender, aprender sempre. Pois. (MM | PG)
Bom dia este é o seu Expresso
Curto
Um problema chamado Marlene e um
candidato a candidato chamado Zé Eduardo
Filipe Santos Costa | Expresso |
opinião
Bom dia.
Hoje é o segundo dia do resto da
vida dele. Depois de ter sido recebido pelo Presidente da República no seu
primeiro dia em funções como presidente do PSD, Rui Rio vai esta
terça-feira encontrar-se com António Costa. Não se sabe se, desta vez, irá
acompanhado de Elina Fraga, a ex-bastonária da Ordem dos Advogados que virou
vice-presidente do PSD, para incredulidade do próprio PSD.
Dos seus seis “vices”, Rio levou metade a Belém. Elina, a única que foi vaiada
no momento da consagração, foi uma das ausentes. À saída da audiência com
Marcelo Rebelo de Sousa, Rio foi
confrontado com essa escolha e as perplexidades que
tem gerado. O novo líder do PSD admitiu que os militantes do partido
“merecem as explicações todas” sobre o caso, “mas não é aqui”.
Ali, em Belém, Rio quis falar de outras coisas: reafirmou a
disponibilidade para acordos de regime - assunto de que terá muito a falar
hoje com António Costa. O Público avança que o Governo está disposto a
trabalhar para consensos, mas só se forem
"a quatro", incluindo PCP e BE - o que será
meio-caminho andado para que não haja consenso.
Sobre o mantra dos pactos de
regime, Rui Rio está alinhado com o Presidente da República. Como
nota a Ângela Silva, Rio e Marcelo andam há anos de
candeias às avessas, mas agora estão no mesmo comprimento de onda na
defesa de entendimentos estruturais e de uma atenção redobrada às pessoas.
O novo líder laranja também explicou que ainda não é hora de apresentar
propostas concretas.
“Depressa
e bem, não há quem", alegou. E Jerónimo de Sousa deixou de ser o único
líder partidário a falar por ditados populares.
Sobre a impopularidade de Elina Fraga nas hostes do PSD,
este
texto ajuda a perceber as razões. “Este é o momento para se
perceber a mensagem saída do congresso e de Rui Rio e não para se perder tempo
com questões laterais”, disse Elina Fraga ontem à tarde ao Expresso, pondo água
na fervura. Mas, contrariando as suas palavras, logo fez declarações à
Lusa sobre a investigação que a envolve. E garantiu
que não se demitirá "nunca".
O regresso à ribalta de Elina Fraga reavivou o interesse pelo passado da
ex-bastonária. E
ficou a saber-se que o Ministério Público está a
investigar o período em que a nova dirigente do PSD dirigia a Ordem dos
Advogados.
Havendo barulho, quem não tardou
em entrar na dança foi Marinho e Pinto, o "inventor" de Elina na
Ordem dos Advogados.
Veio falar em "vinganças privadas",
"satisfação de rancores e de frustrações", "rede
clientelar" e "regabofe". Há coisas que não mudam.
E nada como ouvir um advogado que é militante destacado do PSD para aferir o
enorme mal-estar que esta escolha provocou entre os sociais-democratas. José
Eduardo Martins não pôde falar no congresso do PSD, não foi escolhido para
nenhum órgão dirigente do partido, mas entrou na Comissão Política, o podcast
de política do Expresso.
Para falar do PSD, do congresso e de “Elina Marlene
Fraga”. Sim, nesta história há uma Marlene e não sabíamos.
Por
falar em José Eduardo Martins: uma das coisas que o ex-governante e
ex-deputado gostaria de ter feito no congresso do PSD era o anúncio da sua
disponibilidade para ser candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa
nas próximas autárquicas. Ou seja, Martins é o primeiro social-democrata a
corresponder ao desafio de Rui Rio para que o PSD prepare com tempo as eleições
locais de 2021.
Antes de deixar o PSD, duas referências breves. Primeiro, para a
análise de José Miguel Júdice. O título é eloquente: “O
congresso de uma morte anunciada, a de Rui Rio”. Por fim, para o novo
slogan de Rui Rio, que surgiu no último dia do congresso: "Primeiro
Portugal". Se parece o "America first" de Trump, é porque é
mesmo parecido. Perante isto,
há quem se questione se falta ali uma vírgula.
OUTRAS NOTÍCIAS
O Sporting venceu ontem o Tondela, num
jogo com um final dramático (mas nem por isso
surpreendente) que fez a Lídia Paralta Gomes lembrar-se de uma música dos Pulp, "This
is hardcore". A equipa de Jesus marcou o golo da vitória aos 90'+9'. Num
momento em que o futebol português está a ferro e fogo, a arbitragem de
João Capela talvez tenha feito mais para inflamar os ânimos do que qualquer
disparate incendiário dito intencionalmente por dirigentes de clubes ou
comentadores pagos.
O que eles dizem, especial "hardcore":
"O golo é legal.
Limpinho", Jorge Jesus, treinador do Sporting.
"Mesmos os sportinguistas
sentem-se envergonhados com esta vitória alcançada por poderes
extraterrestres", José Sá, treinador adjunto do Tondela.
Boas notícias: Portugal está entre os 20 países com
menos mortes de recém-nascidos. Temos é poucos recém-nascidos.
Houve bronca na primeira semifinal do festival da canção. Segundo a versão
oficial da RTP, "no decurso do processo de auditoria interna, que
ocorreu após a emissão do programa em direto, foi detetado que a votação final
divulgada estava incorreta". Mas o diretor de programas da mesma RTP,
Daniel Deusdado, diz algo diferente ao DN: "Percebi o erro [durante a
emissão], mas não havia tempo de recontar tudo." O
erro só foi corrigido ontem. Como agora o festival é de
compositores, e não de intérpretes, sai Mallu Magalhães e entra Jorge
Palma.
"O governante mais consensualmente amado desde sempre em democracia",
disse Marcelo Rebelo de Sousa sobre António Guterres, o homem que em 2001
abandonou o Governo com medo de se afundar num pântano de amor. Foi
num doutoramento "honoris causa".
O Fisco está a trabalhar bem. Pelo menos, no que toca a dar notícias aos
jornais. Esta terça-feira, duas notícias sobre a Autoridade Tributária
fazem a manchete de dois diários. O
Público conta que a máquina fiscal vai apertar o
controlo sobre 758 (ou 760...) contribuintes ricos; o
Diário de Notícias escreve que quem ainda entrega
a declaração de IRS em papel vai receber uma senha para passar a fazê-lo online.
O secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix,
diz que é "prematura" a discussão sobre
uma nova injeção de capital (de dinheiro público, ou seja, nosso) no Novo Banco.
É o que se costuma dizer quando ainda não se pode dizer que vêm aí mais más
notícias. O Negócios
noticia prejuízos do NB entre 1,6 e 1,8 mil milhões de
euros e acrescenta que o "Fundo de Resolução tem autorização para injetar
850 milhões este ano".
Parece que na Assembleia da República vai acabar a licença para os
deputados faltarem à vontade aos trabalhos parlamentares. De acordo com o DN,
há uma proposta para que a mera invocação de "força maior" deixe de
ser aceite como justificação para as faltas dos deputados. Jorge Lacão,
autor da proposta, alega que "força maior" é justificação que
"nada justifica".
O espanhol Luis de Guindos conseguiu o
apoio do Eurogrupo para substituir Vítor Constâncio na
vice-presidência do Banco Central Europeu. "Currículo" e
"prestígio" não lhe faltam, incluíndo passagem pelo falido Lehman
Brothers.
Lembra-se? Sim,
esse.
Por falar em "prestígio":
esta história de uma portuguesíssima
empresa-fantasma que recebeu o aplauso da Forbes é uma delícia.
Perdidos e achados: três armas roubadas há um ano na sede da PSP
foram ontem recuperadas - desta vez, as armas roubadas
não foram devolvidas com juros; um homem que fugiu há um ano da prisão de
Caxias celebrou a efeméride publicando uma fotografia na sua conta de Facebook -
vê-se que se sente livre, parece que está em Israel.
Depois de mais um massacre numa escola norte-americana (sim, é propositado o
tom banal), aumenta a pressão para um maior controlo sobre a posse e uso
de armas nos EUA. No Congresso há
movimentações bipartidárias para aprovar legislação mais
restritiva e Donald Trump sinalizou que poderá sair do estado de
negação em que vive em relação a este assunto. Mas
não são de esperar grandes mudanças. De acordo com o
Washington Post, a equipa de Trump vê neste caso uma
oportunidade para desviar as atenções dos escândalos que assombram a Casa
Branca, a começar pela investigação ao conluio com a
Rússia.
Paula Rego integra uma
nova exposição na Tate Britain, que abre portas na semana
que vem. A propósito disso, o Guardian publicou
este autoretrato da pintora.
O QUE ANDO A LER
Muito pouco para além de
imprensa. Mas como não faço parte de qualquer agremiação que tenha lançado
uma fatwa sobre a comunicação social, exerço a liberdade de ler todos os
jornais e revistas que me apeteça.
Destaco duas leituras recentes. Na edição de sábado passado, o Expresso
publicou uma entrevista a Michael Wolff, autor de um livro sobre o qual já aqui
escrevi, “Fogo e Fúria”, o retrato impiedoso da Casa Branca de Trump. Vale a
pena ler (o livro e a
entrevista do Nelson Marques).
O New York Times publicou há um mês uma
grande reportagemque eu tinha em lista de espera e só li há
poucos dias. “1 son, 4 overdoses, 6 hours” é a história de Patrick
Griffin, 34 anos, o filho do título, que sofreu as quatro overdoses do título,
durante as seis horas de que fala o título. Mas é muito mais do que o relato de
meia-dúzia de horas no inferno. É uma peça admirável, e admiravelmente
humana, sobre um grau de sofrimento difícil de imaginar: a história de uma
família do New Hampshire cuja existência foi dominada e destruída pelo consumo
de droga do filho mais velho, numa montanha-russa de overdoses, tratamentos,
sobressaltos permanentes e morte iminente.
“Mesmo nos momentos mais alegres, quando Patrick estava limpo, todos -
incluindo ele - pareciam estar a preparar-se para o momento inevitável em que
ele voltaria para as drogas”, escreve a jornalista Katharine Q. Seelye, que
acompanhou a vida da família Griffin ao longo do último ano.
As quatro overdoses do título são
uma pequena parte de uma “carreira” que, segundo contas vagas do protagonista
da reportagem, já irá em mais de trinta. E está longe, muito longe, de ser um
caso raro. Para se perceber o pano de fundo desta reportagem: a morte por
abuso de drogas já é a principal causa de morte dos norte-americanos com menos
de 50 anos. A excepcionalidade da história de Patrick é o facto de, ao fim de
tantas experiências limite, ainda não ter morrido.
Patrick, a irmã mais nova, Betsy, que conseguiu deixar a heroína mas vive na
perigosa proximidade do irmão, a mãe, Sandy, com a persistente culpa de quem
sente que falhou sem saber onde nem quando, e sem ter ideia de como fazer
melhor, o pai, Dennis, um alcoólico em recuperação, ficaram-me na memória muito
depois de ter acabado de ler esta reportagem. Na verdade, os Griffin
ficaram-me na memória ainda antes de a começar a ler: bastou ver o abraço dela,
o rosto dele, e o fantasma do pai na fotografia de Todd Heisler com que abre a
reportagem.
Fico por aqui. Boa terça-feira.