domingo, 3 de junho de 2018

Nacionalistas voltam ao poder na Catalunha


Após sete meses de intervenção, novo governo toma posse e reafirma que vai continuar a buscar a independência da região.

Os nacionalistas recuperaram o controle do governo da Catalunha neste sábado (02/06) e imediatamente prometeram que vão buscar a independência da região, impondo um desafio ao novo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que também tomou posse no mesmo dia.

O novo gabinete catalão foi empossado após meses de tensão com o governo central, encerrando o mandato direto de sete meses do governo central na região, imposto pelo antecessor de Sánchez, o ex-premiê Mariano Rajoy, quando os separatistas declararam a independência.

Sánchez, um socialista que afirmou querer iniciar conversas com a Catalunha, mas que se opõe a qualquer referendo sobre a independência, foi empossado mais cedo no sábado, um dia após o Parlamento destituir o conservador Mariano Rajoy por um escândalo de corrupção.

A coincidência da tomada do poder pelos governos central e regional por minutos de diferença deve abrir um novo capítulo após meses dramáticos marcados por políticos catalães sendo presos ou fugindo para o exterior para evitar a prisão.

Ambos os lados disseram desejar negociar. Porém, os dois têm objetivos muito diferentes. Os socialistas de Sánchez, por exemplo, apoiaram a política intervencionista de Rajoy e também se opuseram à independência.

"Esse governo está comprometido em avançar em direção a um Estado independente em forma de uma república", disse o novo líder da Catalunha, Quim Torra, ao tomar posse neste sábado em uma cerimônia na qual os separatistas gritaram "liberdade! liberdade!".

Ele convidou Sánchez para um encontro com o objetivo de conversar sobre o futuro da Catalunha.

"Vamos conversar, vamos lidar com essa questão, vamos tomar riscos, você e nós. Precisamos sentar em volta da mesma mesa e negociar, governo com governo", disse ele.

Sánchez, que garantiu o apoio de uma aliança improvável de socialistas, extrema-esquerda e nacionalistas catalães e bascos para derrubar Rajoy, tem a menor maioria parlamentar desde o nascimento da democracia espanhola em 1975.

Seu Partido Socialista possui apenas 84 assentos no Parlamento de 350 membros, o que pode dificultar quaisquer medidas mais ousadas nas frentes econômica e política – incluindo a Catalunha.

Ele já afirmou que vai respeitar o orçamento de 2018 elaborado pelos conservadores de Rajoy.

O ex-premiê impôs um mandato direto de Madri sobre a Catalunha após os nacionalistas organizarem um referendo sobre a independência, considerado ilegal pela corte espanhola. Rajoy então organizou eleições na Catalunha em dezembro, na esperança de que opositores à independência vencessem, mas o tiro saiu pela culatra quando os eleitores deram maioria aos separatistas.

JPS/rt/efe | Deutsche Welle

Merkel afasta perdão de dívida a Itália. E defende Fundo Monetário Europeu


Chanceler alemã diz que a solidariedade na Zona Euro passa por ajudar os outros países a ajudarem-se a si mesmo, afastando qualquer perdão de dívida. Apoia a criação do Fundo Monetário Europeu.

A chanceler alemã afastou qualquer perdão de dívida a Itália, argumentando que o princípio da solidariedade entre os Estados membros da Zona Euro não deve passar pela transformação do bloco da moeda única numa união de partilha da dívida. Angela Merkel defendeu ainda a criação do Fundo Monetário Europeu, como propôs o Presidente francês.

“A solidariedade entre os parceiros do euro nunca deve levar a uma união da dívida, deve ser antes sobre ajudarmos os outros a ajudarem-se a si mesmo”, referiu Merkel numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung, citada pela agência Reuters, depois de questionada sobre os planos do Movimento 5 Estrela e da Liga Norte de pedir ao Banco Central Europeu (BCE) um perdão de dívida no valor de 250 mil milhões de euros.

“Irei abordar o novo Governo italiano de forma aberta e irei trabalhar com eles em vez de fazer especulações sobre as suas intenções”, disse ainda a governante alemã.

Na mesma entrevista, Merkel disse apoiar a ideia de transformar o fundo de resgate europeu no novo Fundo Monetário Europeu, com poderes para dar aos países membros em situação problemática linhas de crédito. O Presidente francês, Emmanuel Macron, já tinha defendido esta ideia, com o Fundo Monetário Europeu a funcionar como uma espécie de almofada para futuras crises na Zona Euro.

“Se toda a Zona Euro está em perigo, o Fundo Monetário Europeu deve ser capaz de assegurar crédito de longo prazo para ajudar os países. Esses empréstimos poderiam ser até 30 anos, com a condição de o país implementar haver reformas estruturais”, sublinhou.

“Além disso, posso imaginar a possibilidade de uma linha de crédito que seja de curto prazo, cinco anos por exemplo. Dessa forma seríamos capazes de colocar debaixo da nossa asa países que atravessem dificuldades devido a circunstâncias extraordinárias”, acrescentou.

ECO – Economia Online

HEIL! ALEXANDER HITLER GAULAND - ATUAL DEPUTADO NAZI DO PARLAMENTO ALEMÃO


É deputado no parlamento da Alemanha e minimiza o holocausto chamando-lhe “cocó de pássaro”, coisa pouca que assassinou pelo menos cerca 3 milhões de pessoas em campos de extermínio, sendo a maioria judeus.

O que se pergunta é como é possível que um monstro daquele calibre seja eleito para o parlamento alemão, assim como outros de igual ideologia, que com garbo se manifestam cúmplices de assassinos em alta escala da humanidade passados 70 anos, sem uma palavra de arrependimento, de reprovação pelos crimes cometidos contra a humanidade. Quer se queira quer não aquele Alexandre e os Alexandres seus parceiros constituem um perigo latente para a humanidade. Cabe à própria Alemanha, ao povo alemão, maioritariamente democrático e humanista, resolver o destino desses tais revelados apoiantes de crimes contra a humanidade, ilegalizando as suas atividades, legislando nesse sentido. Porque são esses energúmenos que se aproveitam da democracia para arregimentar apoios por via do populismo. Intrujando povos. 

Cada vez mais a ideologia nazi cresce na Europa e no mundo. Temos agora o caso de Itália, em que indivíduos comprovadamente da direita radical, populistas, tomaram posse e são governo. Não sendo caso único na Europa. Isso é indicio do que o futuro nos reserva porque quando nos apercebermos já estão com poderes e força suficiente para não conseguirmos, por via da democracia, derrubá-los, como aconteceu com Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, que aproveitando-se do descontentamento dos povos instalaram ditaduras assassinas e transformaram a Europa num campo de batalha, aniquilando a democracia, as liberdades e os direitos inalienáveis dos cidadãos. Prendendo-os e assassinando-os se discordassem do rumo ditatorial e desumano das suas políticas. (PG)

Leia a seguir, da Deutsche Welle:

Líder populista de direita minimiza impacto do nazismo na história alemã

Para Alexander Gauland, da AfD, ditadura de Adolf Hitler foi “um cocô de pássaro” em mais de mil anos de história do país. Declaração causou indignação no meio político alemão.

O deputado e líder do AfD, Alexander Gauland em evento da juventude do partido. Declarações foram alvo de críticas de políticos de outras siglas.

O líder do partido populista de direita AfD, Alexander Gauland, minimizou neste sábado (02/06) o passado nazista da Alemanha apontando que Adolf Hitler e os nazistas não foram mais do que um "cocô de pássaro" na história alemã. 

"Hitler e os nacional-socialistas não foram mais do que um cocô de pássaro em mil anos de uma história alemã de sucesso", afirmou o político, que também lidera a bancada do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) no Bundestag (Parlamento alemão).

 "Reconhecemos a nossa responsabilidade por esses 12 anos”, disse ele, em referência à duração da ditadura nazista. "Mas nós temos uma história gloriosa, e ela, meus amigos, é bem mais longa que esses malditos 12 anos”, acrescentou.

As declarações foram feitas durante um encontro da juventude do partido em Seebach, no leste da Alemanha.

A fala de Gauland causou repercussão imediata no meio político alemão, tradicionalmente sensível em relação ao passado nazista do país. 

Annegret Kramp-Karrenbauer, a secretária-geral da União Democrata Cristã (CDU), o partido da chanceler Angela Merkel, condenou as declarações em entrevista ao jornal Die Welt. "Cinquenta milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, o Holocausto, a Guerra Total. Chamar isso "cocô de pássaro” é uma bofetada na cara das vítimas e uma relativização do que foi feito em nome da Alemanha”, disse. "É simplesmente chocante que isso possa ser dito por um líder um partido supostamente cívico.”

Já o deputado do Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) Marco Bushmann disse à cadeia de jornais do grupo Funke que "qualquer político que deliberadamente tenta minimizar a ditadura nazista e o Holocausto dá uma indicação de quão sinistra é sua visão para a Alemanha”.

Polêmicas

Esta não foi a primeira vez que Gauland, um antigo político de 77 anos da CDU que passou para a AfD, faz comentários controversos que causaram indignação no meio político. Em setembro, durante a campanha eleitoral, ele disse que os alemães deveriam ter orgulho dos soldados que lutaram nas duas guerras mundiais.

"Se os franceses, e com razão, têm orgulho de seus imperadores, e os britânicos, do (almirante) Nelson e Churchill, então nós temos o direito de ter orgulho do desempenho de nossos soldados nas duas guerras mundiais", disse.

Em 2016, ele também provocou indignação ao atacar o zagueiro da seleção alemã Jérôme Boateng, que é de origem africana. Ele declarou que "as pessoas o acham um bom jogador de futebol, mas não querem um Boateng como vizinho".

Outros políticos do partido também ganham destaque regularmente por causa de declarações na mesma linha. Em janeiro de 2017, Björn Höcke, deputado da AfD no parlamento estadual da Turíngia, chamou o memorial do Holocausto em Berlim de "monumento da vergonha.

Em março, o então presidente da AFD no estado da Saxônia-Anhalt, André Poggenburg, se referiu a imigrantes turcos como "pastores de camelos" e "vendedores de cominho". Ele renunciou ao cargo pouco depois.

Criado em 2013 inicialmente como um partido eurocético, a AfD se metamorfoseou em uma sigla de direita populista após a crise dos refugiados de 2015, passando a adotar uma retórica antimigratória. No ano passado, o partido conseguiu entrar pela primeira vez no Bundestag ao levar 12,6% dos votos nas eleições federais. Hoje é a principal força de oposição ao governo Merkel e conta com 94 deputados.

JPS/ots | Deutsche Welle | Imagem DW com fotomontagem PG

Conexão da Síria com Irão, Afeganistão e China


Uma pergunta crucial ocupa hoje os políticos no Irã, Iraque, Síria e Líbano: O governo Trump tem ou não tem plano estratégico para o Oriente Médio?

Pepe Escobar*

Poucos estão mais preparados para responder que Saadallah Zarei, reitor do Instituto de Estudos Estratégicos Andishe Sazan-e Noor em Teerã.

Zarei, extremamente discreto, homem de fala suave, que encontrei em Mashhad há alguns dias, além de um dos principais especialistas iranianos em análise estratégica, é um dos cérebros que opera ao lado do comandante da “Força Qods” do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, general Qasem Soleimani – considerado, na Av. Beltway em Washington, a mais completa besta-fera.

Também por isso, estrategistas norte-americanos bem fariam se prestassem alguma atenção a Zarei.

Os EUA “possuem 37 bases militares fixas e quase 70 bases móveis no Oriente Médio” – diz Zarei. – “Nós não observamos estratégias específicas e fixas”.

Diz de sua perplexidade com “o comportamento contraditório no relacionamento com a população xiita. O comportamento dos EUA em termos da população xiita do Bahrain e seus direitos, da população xiita zaidista no Iêmen e na Caxemira e também em termos da população xiita no Líbano – 35% da população total –, não é especificado e ninguém sabe o que os norte-americanos pensam dos xiitas, nem do modo como agem.”

Zarei também observa que “os EUA não têm política específica sobre as democracias da Turquia e Irã. Também não há qualquer estratégia específica sobre a democracia no Iraque e no Líbano. Os EUA falam sobre democracia como se fosse um valor norte-americano, e tentam generalizá-lo, mas aqui nessa região, vemos que os melhores amigos dos EUA são países que não incluem eleições nos respectivos sistemas políticos.”

Em resumo, segundo Zarei, a “estratégia dos EUA não é coerente no Oriente Médio. Acho que essa é a principal razão do fracasso das políticas dos EUA nessa parte do mundo.”

Entram os xiitas hazaras

Novo zoom-in, da macroanálise para a visão micro em campo. Comparem-se Zarei e Komeil, xiita hazara de 24 anos, original de Cabul. Komeil é um dos cerca de 14 mil soldados, todos afegãos hazaras que têm passaporte afegão, que constituem a brigada Liwa Fatemiyoun que combate na Síria. Encontramo-nos em Mashhad, onde Komeil está passando o Ramadan, antes de voltar às linhas de frente, mês que vem.

Um dos fundadores mais importantes da brigada Fatemiyoun, em 2013, foi Abu Ahmad, morto por um míssil de origem desconhecida, perto das colinas do Golan, em 2015. De início, tratava-se de uma organização religiosa criada para “defender os santuários xiitas na Síria” ou, como Komeil prefere reforçar, para “defender a humanidade, os pobres”.

Nenhum dos combatentes da brigada Fatemiyoun tem passaporte iraniano embora alguns, como Komeil, realmente vivam no leste do Irã; está em Mashhad desde 2011. Quase todos os combatentes são voluntários; Komeil acompanhou “amigos” quando se uniram à brigada. Recebeu treinamento militar na base aérea de Bagram, quando ainda estava no Exército Afegão.

Komeil conta que participou de combate direto contra grande sortimento de jihadistas salafistas – do Daech e da Frente al-Nusra até grupos menores que eram parte da ampla organização guarda-chuva conhecida como Exército Sírio Livre. Esteve nas linhas de frente ininterruptamente durante três anos, combatendo principalmente em “Sham e Zenaybi” perto de Damasco, e também esteve presente na libertação de Aleppo.

Descreveu os jihadistas do Daech em combate como “muito difíceis”. Diz que viu combatentes do Daech vestindo “roupas norte-americanas” e portando rifles fabricados nos EUA. Prisioneiros capturados comiam comida da Arábia Saudita e Qatar”. Ele, pessoalmente, capturou uma “mulher francesa que trabalhava com o Daech”, mas diz que não sabe o que houve com ela, só diz que “os comandantes tratam bem os nossos prisioneiros”.  Jura que “menos de 10%” dos jihadistas do Daech são sírios. – “São sauditas, uzbeques, tadjiques, paquistaneses, ingleses, franceses e alemães.”

Em contraste com a catarata de propaganda que inunda o Departamento de Estado em Washington, Komeil afirma e reafirma que não há comandantes do Corpo de Guardas Revolucionários do Irã ativos com a brigada Fatemiyoun, nem com o Hezbollah. Eles lutam “lado a lado” – e os iranianos são essencialmente conselheiros militares. Apresenta a brigada Fatemiyoun como organização completamente independente. Sendo assim, o treinamento militar deles viria principalmente da participação no Exército Afegão, não do CGRI.

Komeil disse que o famosíssimo comandante da Força Qods, general Qasem Soleimani visitou, sim, o grupo, “mas só uma vez”. Cada força é responsável pela própria área de operações : Fatimiyoun; Hezbollah; o Exército Árabe Sírio (EAS); os paquistaneses (“combatentes fortes”); o grupo al-Defae-Watan, que ele apresenta como equivalente do iraquiano Hashd al-Shaabi (movimento também conhecido como as “Unidades Populares de Mobilização”); e os Medariyoun também do Iraque.

O ‘crescente xiita’ revisitado

O governo Obama admitiu pelo menos que conselheiros militares iranianos, além da força aérea russa e combatentes do Hezbollah ajudaram o Exército Árabe Sírio a derrotar o Daech e outros grupos jihadistas salafistas na Síria.

Mas, para o governo Trump – em sincronia com Israel e Arábia Saudita – é tudo ou preto ou branco; todas as forças sob comando do Irã têm de sair da Síria (o que inclui a brigada Fatemiyoun). Não acontecerá. O virtual colapso total do que se define frouxamente na Av.Beltway como “rebeldes moderados” – al-Qaeda na Síria inclusive – gerou um vácuo de poder já devidamente ocupado por Damasco. E Damasco ainda precisa de todas aquelas forças para extinguir completamente o jihadismo-salafista.

O Irã exerce influência importante em todo um arco que vai do Afeganistão ao Iraque, Síria e Líbano. As Zarei analisou: “A República Islâmica do Irã tem uma estratégica específica na região. Temos determinados princípios, amigos e capacidades. Além disso, temos uma compreensão coerente de quem é nosso inimigo e sabemos onde devemos nos postar nos próximos 20 anos. Assim sendo, nos dedicamos a usar nossas capacidades cuidadosamente e administrar gradualmente o que nos cabe fazer.”

Nada teve ou tem a ver com algum ameaçador “crescente xiita”, como sugeria, em 2004, o rei Abdullah da Jordânia. Foi essencialmente um contragolpe iraniano em câmera lenta contra a não estratégia dos EUA em todo o Sudoeste da Ásia desde “Choque e Pavor” em 2003 – como Zarei identificou o processo.

A “Força Qods” – constituída durante a guerra Irã-Iraque nos anos 1980s – é a extensão extraterritorial do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica. Conversei com alguns veteranos de guerra em Karaj, onde eles se reúnem numa associação montada numa réplica de um bunker comíamos uma deliciosa sopa osh – um equivalente persa da pasta e fagioli da Toscana – depois das reuniões. O comandante Said Mohammad Yayavi disse que de modo algum será aceita a demanda do governo Trump, expressa pelo secretário de Estado Pompeo, de que o Irã desmobilize a Força Qods.

A Força Qods pode ser descrita como equivalente às Forças Especiais dos EUA e aos agentes especiais da CIA, tudo isso condensado num só grupo. Para Washington, seria “organização terrorista”. Mas na prática a Força Qods é tanto um braço da política de segurança nacional do Irã no Sudoeste da Ásia, quanto o Pentágono e a CIA para reforçar os interesses da segurança nacional dos EUA em todo o mundo.

E há uma continuidade notável. No “bunker” em Karaj conversei com Mohammad Nejad, coronel aposentado da Força Aérea do Irã, que em meados dos seus 20 anos participou de batalhas da guerra Irã-Iraque combatendo em Bushher. Há dois anos voltou à Síria por dois meses, servindo como conselheiro militar.

Todos os olhos postos na Organização de Cooperação de Xangai

A estratégia incoerente dos EUA no Oriente Médio a que Zarei referiu-se aplica-se igualmente ao Afeganistão. Outra das demandas do governo Trump é que Teerã pare de apoiar os Talibã.

Em campo, a realidade é infinitamente mais nuançada. A guerra sem fim dos EUA no Afeganistão gerou milhões de refugiados; muitos deles vivem no Irã. Em paralelo, Washington implantou uma rede permanente de bases militares afegãs – que Teerã identifica como grave ameaça, onde agentes inimigos clandestinos podem encontrar apoio dentro do Irã.

O que está acontecendo nessas circunstâncias é que Teerã, com meios mínimos – e de comum acordo com serviços de inteligência do Paquistão e da Rússia – realmente apoia pequenos grupos a oeste do Afeganistão, em torno de Herat, inclusive alguns que mantêm laços distantes com os Talibã.

Mas é movimento que se enquadra bem numa estratégia mais ampla da Organização de Cooperação de Xangai. Membros da OCX – Rússia, China e Paquistão, e o Irã, como membro pleno em breve; para nem falar do Afeganistão, membro futuro, todos esses países desejam uma solução asiática, comandada pela OCX, para a tragédia afegã. E qualquer solução eficaz tem de garantir lugar para os Talibã no governo em Cabul.

Compare-se agora esse projeto com o já confessado complô do governo Trump para provocar uma mudança de regime em Teerã. Arábia Saudita já está alistada. Riad, via um think tank supostamente apoiado pelo príncipe coroado Mohammad bin Salman, codinome “MBS”, está financiando uma cadeia de escolas religiosas (madrassas) antixiitas no Baloquistão no Paquistão, região que faz fronteira com a província Sistão-Boloquistão no Irã.

O plano saudita é pelo menos interromper o surgimento do porto de Chabahar, que é precisamente a porta de entrada da Nova Rota da Seda indiana para o Afeganistão e Ásia Central, sem passar pelo Paquistão.

A Índia, país dos BRICS, como Rússia e China, não aprovará, para dizer o mínimo, o projeto saudita; e a Índia também já é novo membro da Organização de Cooperação de Xangai, e absolutamente contrária a quaisquer modalidades de jihadismo salafista.

Para acrescentar mais confusão a essa mistura complexíssima, o advogado-geral do Paquistão, Ashtar Ausaf Ali, em visita ao Irã, recebeu um aviso de que o Daech “está de mudança” para a fronteira Afeganistão-Paquistão. Ainda não se sabe com clareza quem está promovendo a mudança. O que é certo é que o ISIS-Khorasan, ou ISIS-K – vale dizer, o braço afegão do Daech – está realmente combatendo contra os Talibã.

Coincidentemente, a força aérea dos EUA está também lutando contra os Talibã, na operação chamada “Sentinela da Liberdade”. Matéria detalhada informou que “o número de armas dos EUA entregues em apoio da operação Sentinela da Liberdade aumentou para 562 em abril – o total mensal mais alto, até agora, de 2018; e o segundo mais alto total mensal desde outubro de 2011.”

Assim se aprende que quem está sendo bombardeado são os Talibã, não algum ISIS-K.

Não surpreende que as nações da Organização de Cooperação de Xangai estejam em alerta vermelho. O verdadeiro, real, grande mistério que permanece ainda por desvendar pela inteligência paquistanesa é: em que ponto da fronteira porosa entre Afeganistão e Paquistão estão sendo despejados (e escondidos) os mais de 4 mil bem armados jihadistas do ISIS-K?

Quem reconstruirá a Síria?

E assim chegamos ao último elo de interconexão de toda a região: a China.

O ministro de Relações Exteriores da China Wang Yi e seu colega sírio Walid Muallem mantêm relacionamento muito próximo. O presidente Xi Jinping é firme apoiador do processo de paz de Astana que reúne Rússia, Irã e Turquia. A China anunciou em novembro passado que instalará forças especiais chinesas na Síria contra todos os ramos de jihadismo salafista; o objetivo dos chineses é “neutralizar” 5 mil combatentes uigures que têm atuado no papel de “rebeldes moderados”, porque os chineses temem que gerem violência se retornarem a Xinjiang.

Mas acima de tudo, a China se envolverá profundamente na reconstrução da Síria: cidades, vilas, rodovias, ferrovias, pontes, escolas, hospitais, todas as redes de conectividade. A Síria será reconstruída por China, Rússia (energia, infraestrutura) e Irã (as redes de energia), não pelos EUA ou petromonarquias do Golfo. As sanções de EUA e União Europeia ainda estão vigentes, proibindo operações comerciais em EUA-dólares e em euros.

Coincide quem um encontro em Pequim, semana passada, dos presidentes do conselho de segurança da OCX. Yang Jiechi, peso pesado do Politburo, diretor da Comissão de Assuntos de Política Exterior do Comitê Central do Partido Comunista da China, conversou longamente com Nikolai Patrushev, top especialista russo em questões de segurança.

A 18ª Reunião de Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai acontecerá dia 9 de junho em Qingdao. O presidente Vladimir Putin da Rússia comparecerá. Índia e Paquistão lá estarão. O presidente Hassan Rouhani do Irã lá estará, representando o Irã, que é membro observador, e se reunirá a três com Putin e Xi.

Para aquela mesa em Qingdao, afinal, dentro de dez dias, convergirão todas as conexões Síria-Afeganistão.

*Pepe Escobar, Asia Times in The Vineyard of the Saker | em Oriente Mídia | Traduzido por Vila Vudu

Portugal | Demasiadas sombras


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

António Costa, no discurso de encerramento do Congresso do Partido Socialista (PS) e na qualidade de seu secretário-geral (SG), apresentou indicadores positivos resultantes da ação do Governo a que preside e da maioria parlamentar que o suporta, e identificou bem alguns desafios que se colocam à sociedade portuguesa no seu processo de desenvolvimento. Contudo, faltou-lhe solidez, por exemplo, no que se refere aos condicionalismos ao investimento (problema da dívida), aos desequilíbrios entre os cenários imaginários associados às novas tecnologias e a falta de respostas ao presente contínuo das empresas, dos serviços públicos e privados e das pessoas, no plano do emprego, das condições de trabalho e da preparação das novas gerações. António Costa primeiro-ministro (PM) não pode ignorar os compromissos do António Costa SG, nem as insuficiências e contradições deste. A semana que se seguiu mostrou-nos que estamos em tempo de jogos perigosos e de proliferação de sombras, nos planos interno e internacional.

Foram importantes, a tomada de consciência do grave problema demográfico com que o país se depara, bem como a afirmação da necessidade de se melhorar a qualidade de emprego e de se criarem condições para conciliar a vida profissional e familiar. Estes objetivos, num contexto em que se conseguiu alguma descredibilização das "vantagens" da pobreza forçada, da precariedade e da emigração da juventude, deviam ser assumidos na sua plenitude. Entretanto, de imediato foi criado um cenário da sua desvalorização através de medidas anunciadas no "Acordo de Concertação Social" que o Governo, as confederações patronais e a UGT celebraram.

Travar a emigração e permitir o regresso de milhares de jovens que estão no estrangeiro e aqui fazem falta exige mudanças profundas, que causarão inquietação e perdas a patrões que espremem sem limites o fator trabalho; não se coadunam com as recomendações crónicas das instituições europeias; impõem bem mais que umas pequenas migalhas para os trabalhadores. E o combate à precariedade e a dinamização da contratação coletiva reclamam mais poder real para os trabalhadores e as suas organizações coletivas, nas empresas e serviços. No "Acordo" constatamos, por agora, a sua representação duvidosa, o aplauso da Direita e o tecer de condicionalismos à maioria parlamentar que sustenta o Governo. E vamo-nos interrogando sobre o que haverá de verdadeiro entre um certo "jogo de sombras" que veio a público e as implicações concretas de cada medida adotada.

A convergência dos nossos salários com os dos europeus não se alcança com acordos de encanar a perna à rã, tanto mais que tal objetivo está fora da agenda da União Europeia (UE).

Da "Europa" vêm hoje muitas sombras com impactos fortes em Portugal: as turbulências em Espanha e Itália; o euro encalhado e as pretensas reformas abandonadas; a guerra comercial à "Europa" declarada por Trump, com objetivos que incluem ataque ao setor automóvel alemão; avanços da extrema-direita em vários países; aplicação de políticas neoliberais que destroçam direitos laborais e sociais.

Os ideólogos liberais sempre pensaram o processo de integração europeia como uma libertação dos capitais e das mercadorias (e menos das pessoas) de todos os entraves e fronteiras. O comissário europeu Gunther Oettinger disse, a propósito da situação política em Itália, que "Os mercados ensinarão os italianos a votar bem". É um comentário desastroso mas revelador dos perigosos rumos trilhados pela UE. A rejeição da soberania "dos mercados" por parte dos eleitores tende a ser cada vez mais um facto, no quadro de uma UE bloqueada e de políticas nacionais que não respondem aos justos anseios das pessoas. Estes bloqueios alimentam o crescimento de forças de extrema-direita. Preparemo-nos contra todas estas sombras.

Em Portugal precisamos de seguir objetivos que o secretário-geral do PS enunciou. Governar por essa via é trabalhoso e difícil, mas foi assim que os portugueses respiraram melhor nos últimos três anos. Faça-se debate político sério, designadamente sobre o conteúdo e objetivos estratégicos do "Acordo de Concertação Social", se não queremos que tudo isto acabe num sufoco.

*Investigador e professor universitário

Justiça brasileira arresta 200 milhões ao GES


Foram arrestados bens do Grupo Espírito Santo no Brasil no valor superior a 200 milhões de euros, na sequência de um pedido do Ministério Público português ao Brasil.

A Justiça brasileira arrestou o património do Grupo Espírito Santo (GES) no Brasil, incluindo bens móveis, imóveis e valores mobiliários de 28 empresas do grupo. O arresto preventivo foi feito a pedido do Ministério Público português. O valor do património arrestado será superior a 200 milhões de euros.

O Correio da Manhã (acesso pago), que avança com a notícia, cita um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa onde se adianta que o património dessas entidades foi arrestado em outubro de 2016, depois de uma carta rogatória expedida pelo Ministério Público português, no âmbito da investigação ao GES.

Entre as 28 empresas do grupo identificadas pelo acórdão datado de julho de 2017 estão a Rioforte, Property Brasil, Luzboa, Companhia Agrícola Botucatu e Companhia Brasileira de Agropecuária Cobrape. Ainda assim, não são identificados os bens que foram arrestados.

A PROPÓSITO DE UM TEXTO INFAME - Ilda Figueiredo


Desenganem-se aqueles que anseiam silenciar o Conselho Português para a Paz e Cooperação.

Ilda Figueiredo* | Público | opinião

Na edição do PÚBLICO de 24 de Maio foi publicado um texto que procura denegrir o Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC) e a sua intervenção contra a guerra e em defesa dos princípios plasmados na Carta das Nações Unidas e na Constituição da República Portuguesa, como a paz, a solução pacífica dos conflitos internacionais, o desarmamento e a não ingerência nos assuntos internos dos Estados.

Regendo-se por estes princípios, o CPPC pauta a sua intervenção pelo fim do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos; pelo fim da corrida aos armamentos e pelo desarmamento geral, simultâneo e controlado, nomeadamente, pela abolição das armas nucleares e de outras armas de destruição massiva; pela dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, que contribua para a criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz, a justiça e a cooperação nas relações entre os povos, com vista à emancipação e ao progresso da Humanidade.

Durante os seus cerca de 45 anos de existência, o CPPC orgulha-se de ter contado nos seus órgãos sociais com personalidades como o Marechal Francisco da Costa Gomes, Álvaro Rana, António Arnault, Aquilino Ribeiro Machado, Bernardo Santareno, Carlos Candal, Fernando Lopes Graça, Fernando Piteira Santos, Gualter Basílio, José Cardoso Pires, José Gomes Ferreira, Kalidas Barreto, Maria Lamas, Óscar Lopes, Papiniano Carlos, Mário Ruivo, Rui Grácio, Rui Luís Gomes ou Silas Cerqueira – entre muitos outros democratas que se dedicaram e continuam a dedicar à defesa da causa da paz e da cooperação. Orgulha-se, também, de ter sido reconhecido pela Organização das Nações Unidas como “Mensageiro da Paz”.

Hoje como ontem, o CPPC promove uma intervenção em que têm lugar todos aqueles e aquelas que – independentemente das suas convicções políticas, ideológicas ou religiosas – consideram ser premente a defesa da paz e rejeição da guerra com as suas hediondas consequências.

Nas suas actividades – quantas vezes em parceria com diversificadas entidades, como escolas, autarquias, sindicatos, associações –, o CPPC procura contribuir para a educação para a paz, para a promoção de uma cultura de paz, para o fim da militarização das relações internacionais, da ingerência e das guerras de agressão contra Estados e povos.

Nos Concertos pela Paz, que tem realizado com apoio de diversos municípios, participaram diversos artistas, associações culturais e escolas artísticas que, através da arte, celebram os valores da paz, da amizade e da solidariedade. Concertos onde centenas de participantes têm expressado a muitas vozes: “Sim à Paz! Não à guerra!”

A abrangente intervenção do CPPC não é do agrado daqueles que instigam ao desrespeito do direito internacional, à ingerência, à agressão e à guerra, e que são, no mínimo, indiferentes ao seu imenso rol de morte, sofrimento e destruição. Como no tempo da ditadura fascista em Portugal, em que o movimento pela paz era perseguido, alguns continuam a ansiar “riscar do mapa” o CPPC e que, não conseguindo fazê-lo, caluniam a sua acção e apelam à sua ostracização.

Desenganem-se aqueles que anseiam silenciar o CPPC. O CPPC tem uma longa história pelo fim do fascismo e do colonialismo; em defesa da liberdade e da democracia; pelo fim do regime do apartheid; pela soberania e independência de Timor Leste; pelo respeito dos direitos do povo palestiniano, há décadas por cumprir; pelo direito de cada povo a decidir o seu caminho, liberto de ingerências, como na Venezuela; pela solução negociada do conflito na Península da Coreia e a sua reunificação pacífica – uma intervenção em prol de justas causas e legítimas aspirações, em que está longe de estar só.

Vivemos um tempo de grandes incertezas e sérias ameaças, de que Trump e a política da sua Administração são figura principal. Um tempo em que aos homens e mulheres defensores da Paz está colocada a premente necessidade de expressar a rejeição da guerra e afirmar a exigência da Paz – é tendo presente este objectivo essencial para a salvaguarda do futuro da Humanidade que o CPPC continuará a intervir.

*Presidente da Direcção Nacional do Conselho Português para a Paz e Cooperação

Fascismo avança na UE| Matarella nomeia direita radical para governar Itália


3 de Junho

Na Itália, o governo dos demagogos e xenófobos está pronto para prestar juramento 

O Presidente da República, Sergio Mattarella, deu finalmente luz verde ontem à noite para a nomeação de um governo sem precedentes, apoiado pelos demagogos do Movimento 5-estrelas (M5S) e os xenófobos da Liga (antiga Liga do Norte, extrema direita). Giuseppe Conte, futuro presidente do Conselho e seus ministros, devem fazer um juramento às 16h da sexta-feira. (L' Humanité, França)

EUA autorizam venda da Monsanto à Bayer


O governo dos EUA autorizou a venda, com a condição da Bayer se desfazer da área agrícola. A Comissão Europeia já tinha autorizado a operação, que 'terá controle total sobre a nossa cadeia de valor alimentar'
  
A compra da Monsanto pela empresa química e farmacêutica alemã Bayer foi anunciada em 2016 e a operação está atualmente estimada em 66 mil milhões de dólares (57 mil milhões de euros), o que representa quase um terço do PIB anual de Portugal.

A Monsanto é uma multinacional norte-americana e a maior produtora mundial de sementes, destacando-se pela produção de produtos agrícolas geneticamente modificados.

"Controle total sobre a nossa cadeia de valor alimentar”

Em março passado, a Comissão Europeia deu luz verde à fusão, tendo o GUE/NGL criticado a decisão, salientando que o negócio cria “uma situação de oligopólio onde três multinacionais irão controlar dois terços da produção global de pesticidas e agroquímicos”. 

A eurodeputada Katerina Konecná, do GUE/NGL, acusou então a comissão europeia de “dar luz verde aos OGMs [organismos geneticamente modificados] e pesticidas na nossa comida” e sublinhou que “este oligopólio terá controlo total sobre a nossa cadeia de valor alimentar e vai criar dependência na agricultura e asfixiar a inovação no setor químico”.

Nesta terça-feira, 29 de maio, foi conhecido que o governo norte-americano autorizou a operação, apesar de impor algumas medidas, ficando a faltar a aprovação da Justiça dos EUA.

Em comunicado, o presidente da Bayer, Werner Bauman, declarou que a sua empresa está a caminho de se tornar “uma empresa líder da economia agrícola”.

Bayer vende negócio agrícola à BASF

Na autorização, o governo dos EUA exigiu a venda do negócio agrícola da Bayer, com o montante de nove mil milhões de dólares, o que foi considerado pelo Departamento de Justiça o maior acordo “antimonopólio” de desinvestimento feito nos EUA.

Por sua vez, a Bayer anunciou que vai vender o seu negócio agrícola à empresa química alemã BASF, por nove mil milhões de dólares, envolvendo venda dos negócios de algodão, canola, soja e sementes de hortaliças, bem como o de herbicidas Bayer Liberty, que concorrem diretamente com os pesticidas Roundup, da Monsanto. Segundo a Bayer, esta venda “vai resolver todas as preocupações de concorrência horizontal e vertical”.

O governo norte-americano exigiu também que a Bayer se desfaça da propriedade intelectual e dos projetos de investigação e desenvolvimento, assim como o negócio de agricultura digital.

Em Carta Maior | Publicado originalmente na Esquerda.Net.

Como superar a República Rodoviarista do Brasil


Caminhão e automóvel são pivôs de um modelo de “desenvolvimento” que traz consigo o latifúndio, e especulação imobiliária e as cidades segregredas. Quais os caminhos para virar a página?

Roberto Andrés | Outras Palavras

Uma greve de caminhoneiros não seria capaz de parar o Brasil na década de 1950. Pessoas continuariam se deslocando pelas cidades; o abastecimento de produtos seria mantido; milhões de animais não estariam sendo sacrificados; não estaria faltando insumos em hospitais, escolas, postos de saúde, etc.

Há legitimidade em se opor à escalada dos preços dos combustíveis, mas o impacto descomunal da greve coloca em questão nossa extrema dependência de estradas, asfalto, pneus e derivados de petróleo. Vale lembrar que nem sempre foi assim: nos tornamos uma república rodoviarista ao longo do século 20, a despeito da ampla malha ferroviária e do imenso potencial hidroviário que o país já teve.

Em artigo na revista Piseagrama, Fernanda Regaldo reconta a triste história de desmonte da Rede Ferroviária Federal, que já foi a maior empresa pública do país, à frente da Petrobrás. Nos anos 1950, os trens intermunicipais no Brasil transportavam cerca de cem milhões de passageiros por ano – e hoje não chegam a transportar 2 milhões em suas poucas linhas.

A história passa pela construção desenfreada de estradas, tornada pauta nacional por Juscelino Kubitschek e levada a cabo nos anos de chumbo, junto ao abandono paulatino das ferrovias. “No afã privatizante do governo FHC, o sistema ferroviário do país foi completamente desmembrado e concedido à iniciativa privada, quase sem condicionantes de interesse público”, relembra a autora.

Nas mãos de poucas empresas ligadas à mineração, nossa malha ferroviária restante ficou restrita à exportação de minério, grãos e biocombustíveis. E a maior parte do transporte de cargas e passageiros que estrutura a dinâmica interna do Brasil foi para as rodovias.

Esse modelo onera a logística do país, gera grande impacto ambiental e milhares de mortes. Estima-se que caminhões gastam cerca de dez vezes mais diesel do que trens para transportar a mesma carga; e que mais de 10 mil pessoas morrem por ano no Brasil em acidentes envolvendo caminhões.

As cidades seguiram na mesma toada. Um estudo de Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transporte Público, a ANTP, compara São Paulo em 1950 com Belo Horizonte em 2010: com 60 anos de distância, as duas cidades tinham a mesma população (cerca de 2,4 milhões) e a mesma área territorial. No entanto, São Paulo tinha 70 mil veículos em 1950 e, Belo Horizonte, 1,4 milhão em 2010.

O mesmo número de pessoas vive e se desloca na mesma extensão territorial com 20 vezes menos carros. Como isso é possível? A diferença é que São Paulo tinha, em 1950, mais de 600 quilômetros de trilhos de bondes. Bondes que tinham tarifas populares, andavam com gente saindo pelas janelas, não poluíam o ar e geravam pouquíssimos acidentes.

Com o espraiamento das cidades, que, como bem lembra Raquel Rolnik, sempre serviu a proprietários que têm seus terrenos valorizados, a dependência petrolífera se acentuou cada vez mais. Além disso, a produção de alimentos foi se distanciando dos polos de consumo, passando a ser feita em grandes monoculturas, altamente dependentes do diesel (assim como de agrotóxicos).

Tudo isso criou um país que, quando funciona a pleno vapor, gera poluição, doenças, mortes, mal estar. Não deixa de ser sintomático que a paralisação tenha como efeito colateral, além das perdas produtivas, melhorias em muitos aspectos da vida cotidiana.

Durante a greve dos caminhoneiros, as cidades estiveram desobstruídas e silenciosas, com vias livres para bicicletas e pedestres. Em BH, o número de ciclistas praticamente dobrou e a poluição do ar em São Paulo reduziu pela metade depois de uma semana sem gasolina. Se esse padrão fosse mantido, milhares de mortes geradas por problemas respiratórios seriam evitadas.

Revela-se a fragilidade das escolhas que nos legaram uma economia ineficaz, poluente e violenta. A revisão desse caminho é para ontem: agroecologia, agricultura urbana, trens, metrôs, bondes, energia eólica e solar, acesso à terra, reciclagem e compostagem de lixo, entre outros, conformam a agenda urgente vislumbrada na fissura aberta por esses dias de paralisação.

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