Martinho Júnior, Luanda
1- Como um grande camaleão, na
viragem de 2018 para 2019 o capitalismo globalizante assume “dramaticamente” a
reconversão para um novo formato geoestratégico com muitos conteúdos e
contornos ainda por definir, em função da perspectiva de suas tensões internas
e contradições internacionais, sem renunciar ao carácter bárbaro que lhe é
intrínseco na persistência da esteira feudal que nutre sua própria essência
expansionista e imperialista.
A administração republicana de
Donald Trump toca a rebate em relação à hegemonia unipolar nos termos em que
ela foi parida e estimulada pelo capitalismo financeiro transnacional,
reflectindo decisões que ao arrepiarem no caminho global do caos, do terrorismo
e da desagregação, impõem-se por via de medidas proteccionstas que mechem com a
profundidade das placas tectónicas socioculturais da complexa sociedade
estado-unidense, assim como em relação aos relacionamentos internacionais, num
momento em que a IIIª Guerra Mundial “de baixa intensidade” se dilui
num plasma de imprevisibilidade.
O presidente Trump iniciou um
processo de tensas transformações, ao colocar em primeiro lugar a necessidade
de se adoptarem nos Estados Unidos as práticas protecionistas agora já em
curso, sem as quais e segundo a sua interpretação, estariam destinados a
esvaírem-se nos desgastes implicados quer nas iniciativas do capitalismo
neoliberal transnacional que foi semeado desde o final do que tem sido
considerado de período da Guerra Fria, quer em função do carácter privado da
Reserva Federal que desde a 1ª metade do século XX começou a corresponder às
estratégias dominantes e hegemónicas da aristocracia financeira mundial.
O Presidente Donald Trump e a
máquina que o apoia, não pretendem ser mais reféns desse capitalismo financeiro
transnacional irresponsável perante a humanidade e também perante o próprio
eleitorado estado-unidense, mas refugia-se num ciclo conservador de difícil
compatibilidade com outras sensibilidades internas e externas, em especial em
relação ao espaço das Américas, onde os cânones da Doutrina Monroe ressurgem
envoltos nas roupagens contemporâneas de lesa-democracia.
A nível interno, o regresso a
casa das capacidades e do poder financeiro das transnacionais que ocuparam o
espaço da hegemonia unipolar e agora estão, forçosamente ou não, à procura de
reconversão nos próprios Estados Unidos, está a activar o vulcão sociocultural
e sociopolítico meio adormecido, herdado ao longo dum processo histórico
expansionista e sangrento, substancialmente desde a IIª Guerra Mundial (os
Estados Unidos, que se lembre sempre, foram os únicos a, até hoje, fazerem uso
de armas atómicas sobre as cidades, no caso de Hiroshima e Nagasaki, no Japão).
Desde a sua origem que os Estados
Unidos se vocacionaram nos processos de expansão, acabando por se tornar assim
num império hegemónico unipolar, arrogante, sangrento e despótico no dobrar do
século XX para o século XXI, mas agora os Estados Unidos começaram a ser
obrigados ao movimento inverso, no sentido do recuo e da regressão, algo a que
nunca se haviam antes habituado nos termos dos interesses da aristocracia
financeira mundial, assim como das suas oligarquias e elites vassalas
espalhadas pelo mundo e sobretudo pela Europa, América Latina e África...
2- O Partido Republicano
apresenta tensões internas resultantes dessa deriva “contra natura”, mas
as contradições sociopolíticas principais (entre a corrente que se propõe ao
proteccionismo e os vícios do capitalismo neoliberal globalizante) resultam da
confrontação com o criminoso papel servil que os Democratas desempenharam (e em
muitos aspectos continuam a desempenhar) ao serviço do capitalismo financeiro
transnacional, ele próprio corresponsável pelo contraditório crescimento
meteórico da emergência chinesa, (tida agora como estando a trilhar já o
caminho destinado à primeira potência económica global), como corresponsável
pela tendência em direcção à exaustão financeira do papel-moeda correspondente
ao petrodólar, esgotado nos labirintos de caos, de terrorismo e de desagregação
semeados a partir dos enlaces derivados com e a partir do 11 de Setembro de
2001, enlaces que tiveram antecedente na formulação do Tratado de Quincy a 14
de Fevereiro de 1945, no imediato seguimento do encontro entre os aliados
vencedores da IIª Guerra Mundial, em Ialta.
Há analistas que alertam para o
risco duma convulsão interna nos Estados Unidos e em termos de relacionamentos internacionais,
os sinais vão evidenciando a insustentabilidade da manutenção das
geoestratégias erráticas das transnacionais da hegemonia unipolar no imenso
continente euroasiático, apesar das crispações em torno da Rússia e da China,
assim como nos oceanos e mares que lhes são próximos.
Nos subterrâneos dos
relacionamentos, há cada vez mais países que vão abandonando o petrodólar nos
seus negócios bilaterais e até multilaterais, deixando com isso de alimentar o
monstro, apesar das sanções a que se sujeitam.
Esses países adoptaram o
crescimento de suas reservas indexadas ao padrão ouro, que lhes permite também
a, em função de suas riquezas naturais, criar cripto-moedas a fim de melhor
salvaguardar a precária independência e soberania (como o caso da Venezuela socialista
e Bolivariana).
Abandonando o Tratado Trans
Pacífico, saindo militarmente da Síria, ou reduzindo o seu contingente militar
no Afeganistão, os Estados Unidos pela voz do Presidente Donald Trump renunciam
em ser “os polícias do mundo”, apesar de ainda manterem mais de 800 bases
espalhadas pelo planeta, apesar de suas naves de guerra sulcarem todos os
oceanos e mares, apesar das ameaças ao Irão, ou à Venezuela Socialista e
Bolivariana, apesar de continuarem a ser o maior vendedor de armas à escala
global.
As capacidades geoestratégicas
dos Estados Unidos na Eurásia estão todavia obsoletas e impotentes, face à
pujança por um lado do “Belt and Road” da iniciativa chinesa, ligando
Vladivostock a Londres, por outro face ao surgimento das armas hipersónicas
russas e da panóplia de meios militares aparentemente vetustos, a que se
adaptaram as mais avançadas tecnologias militares que se possam imaginar, do
lado da Rússia e, pouco a pouco, também da China.
A Rússia ludibriou a capacidade
de inteligência dos Estados Unidos e dos seus vassalos, ao reutilizar
equipamentos navais, aéreos e terrestres da segunda metade do seculos XX,
transformados em armas de vanguarda com as novas tecnologias desenvolvidas
pelos engenheiros de suas Academias forjadas a partir do imenso mérito
soviético.
Com inteligência e um “know
how” incomparável, a Rússia é desde logo eficiente nas economias que faz
ao vocacionar-se para o reaproveitamento de armas com aparência de obsoletas,
mas que agora garantem uma superioridade geoestratégica abissal.
O presidente Putin, apesar de
jogar em tantos tabuleiros à volta das imensas fronteiras terrestres e
marítimas da Rússia, com mestria e subtileza diplomática responde com nervos de
aço e contenção, tirando partido da superioridade tão dificilmente alcançada
desde os tempos de traição, desde Gorbatchov e Ieltsin.
Na Síria não houve apenas uma
vitória, houve a afirmação de sua capacidade dissuasora, sempre acima da
fasquia que as potências retrógradas foram apresentando “no terreno”, por
mais manipulados e contraditórios que se apresentassem os seus “jogos”,
mantendo sempre aberta a janela no caminho da paz.
Na Síria houve também a previsão
do assalto ao Mar Negro, cuja batalha se desenvolve à volta da tensão ucraniana
tornada neofascista e neonazi após o “colorido” golpe de estado da
praça Maidan.
Os vassalos dos Estados Unidos
com rótulo de aliados na NATO, estão confundidos apesar dos tambores de guerra
na Ucrânia, mais confundidos ainda quando uma das maiores forças armadas
europeias componentes, a da Turquia,“dança com os ursos”, eternos alvos de sua
propaganda irresponsável e agora apanhada em contra pé!
3- Até onde irá a retracção dos
Estados Unidos, quando agora as suas esquadras navais se tornaram ridículas
latas à mercê das enormes vantagens geoestratégicas russas, quando o carnaval de
suas iniciativas sangrentas, motivadas pelas mais insaciáveis transnacionais, é
posto a nu com a acumulação de derrotas, quando seu poder financeiro com base
no petrodólar fica impotente e inútil, quando as bolsas começam a tremer
esbatendo-se na orgia dos seus esgotados horizontes?
Até que ponto o investimento
anunciado às pressas no sentido de se criarem armas hipersónicas, vai colmatar
o deficit geoestratégico face à Rússia nos próximos dez anos?
Julgam que nos próximos dez anos
a Rússia que demonstrou tanta clarividência e pujança em relação ao seu
armamento, vai ficar estática, à espera que os Estados Unidos se recomponham?
Alguns candidatam-se ainda a
serem artífices de “bons ofícios” na miragem do império
anglo-saxónico, como a Grã-Bretanha que quer aumentar o número de suas
bases “além-mar” a começar nas Caraíbas, juntando-se aos arsenais da
ocasião que procuram cercar a Venezuela, Cuba e a Nicarágua.
Com a eclosão do exercício do
novo presidente Obrador no México, que contramedidas se poderão equacionar bem
na fronteira sul dos Estados Unidos?
Em época de retracção os Estados
Unidos pretendem veladamente que outros preencham papeis que antes a si se
reservava, o que aumenta a imprevisibilidade, os riscos e os movimentos
erráticos também propiciados pelo disseminado arsenal “informal” de
novas tecnologias.
O complexo enredo da guerra
psicológica confunde-se com o emprego de operações que vão desde as de falsa
bandeira com emprego de armas químicas, ou de drones, aos assassinatos
selectivos, provocando caos, terrorismo e desagregação, aumentando a
vulnerabilidade dos estados mais subdesenvolvidos da Terra.
O mundo bárbaro distende-se
evocando ainda a “civilização judaico-cristã ocidental” ancorada nos
fundamentalismos cristãos de ordem feudal, conforme às últimas eleições no
Brasil, ou em nacionalismos rampantes tisnados de neofascismo e neonazismo,
como na Ucrânia.
Entre os islâmicos, a Arábia
Saudita atiça a espiral fundamentalista sunita-wahabita dos irmãos muçulmanos,
conjugando veladamente esforços nesse sentido com os falcões de Israel.
África tem sido uma das diletas
vítimas dessa espiral, que aproveita os enredos contraditórios da dialética
entre as populações dos maiores desertos quentes do globo e as das ricas
regiões tropicais, para melhor disseminar caos, terrorismo e desagregação,
abrindo espaço ao neocolonialismo.
Chegou o ano de 2019 e muitas
surpresas estão por surgir a curto e médio prazos, com uma NATO obsoleta,
confundida e minada pelos nacionalismos alienados da Europa, com um comando
cada vez mais ciente que a hegemonia unipolar está em estado malparado, em vias
duma doença crónica irreversível.
Um mundo multipolar se vai
desenhando a partir das convulsões que compõem a IIIª Guerra Mundial não
declarada mas evidente, abrindo-se o caminho em terrenos quantas vezes
fumegantes às integrações e articulações ainda que sem vislumbre consolidado
duma paz duradoura, sem vislumbre da afirmação peremptória de civilização que a
humanidade e o planeta tanto precisam!
O pré-aviso sobre uma hecatombe
nuclear nunca foi tão sério como agora, no âmbito dessa IIIª Guerra Mundial que
fermenta em relativamente “baixa intensidade” e em distendida “geometria
variável” multiplicando os escombros, o vazio e as migrações forçadas… até
quando?
Martinho Júnior - Luanda, 1 de Janeiro de 2019.
Imagens – três quadros de
salvador Dali:
Metamorfose de Narciso;
O grande masturbador;
A face da guerra.
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