Milhares de pessoas – entre elas,
pré-adolescentes – tentam parar, há oito dias, um dos centros do capitalismo
global. O movimento ensina algo sobre a potência de um novo ambientalismo e de
certas táticas de luta
Antonio Martins | Outras Palavras
“Nosso futuro foi entregue, para
que um pequeno número de pessoas possa acumular quantidades inimagináveis de
dinheiro (…) Agora, as pessoas estão aos poucos se tornando mais conscientes,
mas as emissões [de CO²] continuam a crescer. Não podemos nos contentar com
pouco. No essencial, nada mudou (…) Não se trata apenas de gente jovem cansada
de políticos. É uma crise existencial. É algo que afetará o futuro de nossa
civilização”. Não foram palavras de um político de esquerda, nem de um filósofo
ecossocialista. Entre domingo (21/4) e segunda-feira (22), a garota sueca Greta
Thunberg, que tem 16 anos e é portadora de uma forma incomum de
autismo, polarizou as atenções em Londres – ofuscando, inclusive, o debate
interminável sobre o Brexit. As frases acima são de suas falas num debate
e num discurso ao Parlamento.
Greta, porém, não foi estrela
solo. Desde 15 de abril, multidões articuladas pelo movimento Extinction
Rebellion promovem, num dos centros globais do capitalismo, uma sequência
de ocupações de espaços públicos, protestos, bloqueios de vias e performances
contra o sistema que promove o aquecimento global e a devastação da biosfera.
Mais de mil pessoas foram presas no período e o movimento prossegue, adotando
formas particulares de resistência não-violenta. Depois da emergência da
Esquerda Democrática nos EUA, das Sextas-feiras pelo futuro e do Green New
Deal, surge um novo sinal da potência rebelde que a luta em defesa do
planeta pode, em determinadas condições, assumir.
Ponte de Waterloo. Praça do
Parlamento. Oxford Circus. Museu de História Natural. Nos últimos oito dias,
todos estes locais-símbolos de Londres foram tomados por milhares de ativistas
para denunciar a continuidade das políticas que, em nome dos lucros, ameaçam o
futuro coletivo. O movimento é multigeracional, mas há nítida predominância de
jovens e adolescentes – inclusive na faixa dos 12 aos 16. A Extinction
Rebellion mobilizou-os em torno de três propostas simples. Talvez revelem
alguma ingenuidade, mas seu sentido de indignação antissistêmica é claro. São
elas: a) que os governos “falem a verdade” sobre a emergência ecológica,
revertam políticas que a alimentam e ajam em conjunto com a mídia para
“informar os cidadãos”; b) que a emissões líquidas de gases do efeito-estufa
sejam reduzidas a zero, até 2025; c) que assembleias de cidadãos possam
acompanhar o andamento deste processo de transformações.
O elevado número de prisões
deve-se, também, às táticas irreverentes da Extintion Rebellion. O
movimento parece sugerir que é preciso resgatar a vida cotidiana de seu curso
atual, alienado e funesto. Foi inaugurado, em 15/4, pela aparição de um barco
cor-de-rosa em Oxford
Circus , talvez o cruzamento mais tradicional de Londres.
Chamaram-no Berta Cáceres, em homenagem à ativista socioambiental e feminista
hondurenha assassinada em 2016, sob golpe de Estado. A ele acorrentaram-se, ou
se colaram, centenas de ativistas.
O mesmo método foi usado em todos
os demais pontos cruciais da cidade, sempre por centenas ou milhares de
pessoas. Formavam-se barricadas
humanas, que interrompiam o tráfego e só podiam ser desfeitas com enormes
operações policiais e prisões em
massa. Num desses atos de repressão, na Ponte de Waterloo, foi preso, com centenas
de outros, Etienne Stott, medalhiste de ouro nos Jogos Olímpicos de 2012. A disposição dos
ativistas perturbou a polícia. Ontem (22/4), o prefeito Sadiq Khan queixava-se
de que os protestos haviam causado “enorme peso aos negócios e às forças de segurança”,
obrigando a mobilização de mais de 9 mil policiais. Ainda assim, os ativistas
não recuavam. Num relato revelador, o médico aposentado Bing Jones narrou ao The
Guardian sua sensação ao ser encarcerado. “Quando tiram seu relógio, cinto
e cordões dos sapatos e trancam a porta, você não tem nada para olhar, exceto
um vaso sanitário de aço. Você se identifica com os despossuídos. É salutar.
Mas a emergência climática é tão real e intensa que é um privilégio sentir-se
fazendo algo”.
O Rebellion Extinction expressa
tendências políticas recentes. É difícil situá-lo nos antigos mapas da
esquerda. Surgiu em maio de 2018, impulsionado por um grupo político-cultural
conhecido como RisingUp!
[“Levantando-se!], que se diz comprometido com a desobediência civil. Usa como
símbolo um “X” fechado acima e abaixo, sugerindo ampulheta e, portanto,
emergência.
omeçou a realizar ações em outubro. Entre
elas, as primeiras interrupções de vias, um manifesto de intelectuais afirmando
o “direito moral de ultrapassar a inação dos governos, e de nos rebelar para
defender a própria vida”) e a divulgação de vídeos de alerta sobre a destruição
do planeta, produzidos por Noam Chomsky, pela atriz Emma Thompson e pela
própria garota Greta Thunberg. Aponta, entre suas influências, as feministas
sufragistas, o Occupy, Gandhi e Martin Luther King. Baseia-se em dez
princípios, que mesclam noções autonomistas e ecossocialistas. Propõe
organizar-se em pequenos grupos, numa estrutura que
enfatiza a decentralização – mas parece
complexa e com poucas concessões ao assembleísmo.
Terá vida longa? Manterá o
entusiasmo inicial, alimentado pelo êxito da estreia espetacular? Terá potência
transformadora, mesmo preferindo, em suas palavras, “pressionar os políticos” a
substituí-los (ou ao atual sistema de poder)? Como dialogará com a política
institucional britânica, hoje mergulhada no atoleiro do Brexit, e onde há
a clara emergência de uma alternativa à esquerda, expressa pelo trabalhismo
rebelde de Jeremy Corbyn?
Não há, ainda, respostas para
estas perguntas. Mas é muito animador perceber que continuam a surgir – em meio
ao hipercapitalismo e aos riscos de Estado
de exceção permanente – movimentos que propõem sair da crise
civilizatória pelo caminho oposto. Que apontam para a distribuição de riquezas,
de uma nova relação entre o ser humano e o planeta, da colaboração e dos
Comuns. E a talvez a diversidade entre estas saídas deva ser vista como uma
trunfo, não como um estorvo.
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