Joana Mortágua* | jornal i | opinião
Com as sondagens para as
europeias a correrem mal e a sentir a maioria absoluta cada vez mais distante,
o Governo resolveu montar uma farsa. Indiferente à consequência de atiçar o
país contra os professores da Escola Pública com base em manipulações.
No final de 2015, quando se
formou a geringonça, corriam apostas sobre o seu fim. As divergências políticas
entre a esquerda e o PS eram tantas que teria sido chamado de louco quem
apostasse numa legislatura completa.
Mas, percorrido um caminho
impensável, é a 4 meses de eleições que tudo se precipita. O primeiro-ministro
resolveu anunciar que se demite se o Parlamento aprovar a proposta de
recuperação do tempo de serviço dos professores como já fez para as carreiras
gerais da função pública. Passado o dramatismo do momento, percebemos o
artificialismo da jogada.
Com as sondagens para as
europeias a correrem mal e a sentir a maioria absoluta cada vez mais distante,
o Governo resolveu montar uma farsa. Indiferente à consequência de atiçar o
país contra os professores da Escola Pública com base em manipulações.
Com o passar dos dias a verdade
vem à tona. Como é evidente, a governabilidade nunca esteve ameaçada. A
história demonstra que já houve razões muito maiores para crises políticas que
nunca chegaram a acontecer. Como a vez em que o PS se juntou ao PSD para passar
ao país um fatura de mais de 2 mil milhões de euros pelo buraco do Banif. Ou
quando o Bloco conseguiu uma maioria para impedir que o PS rasgasse os acordos
e descesse a TSU patronal a troco do aumento do salário mínimo.
Mas a verdade passou por torturas
na roda viva de ministros que ecoaram a ficção em todas as televisões. E valeu
de tudo: afirmar que os professores pediam retroativos, dizer que se pedia tudo
de uma vez, que estava em causa a sustentabilidade do país, inventar
inconstitucionalidades. Tudo mentira polvilhada com um chorrilho de números que
a cada comunicado do Ministério das Finanças só crescia em milhões e perdia em
credibilidade.
O que o Parlamento aprovou foi a
recuperação de 2 anos 9 meses e 18 dias já previstos pelo Governo em 2019 e a
negociação futura do restante tempo de serviço, sem retroativos. O Governo
chegou a dizer que o custo final, incluindo o descongelamento e as restantes
carreiras especiais, chegaria aos 1100 milhões. Ontem a UTAO esclareceu: o
valor líquido seria sempre inferior a 400 milhões. O Governo mudou a fórmula
para manipular o resultado, porventura contas feitas com a calculadora do
Eurogrupo.
O desfecho desta história só pode
ser a indignação do país perante três trágicas conclusões.
A primeira é que o PS não hesitou
em manipular o país e espalhar o ressentimento social em relação aos
professores em nome de um taticismo eleitoral.
A segunda é que o ministro das
Finanças ou não sabe fazer contas ou quis enganar o país.
A terceira é que a direita
recuou, e mesmo quando ficou demonstrada a farsa dos números, PSD e CDS cederam
perante a chantagem do Governo e deixaram os professores pendurados. Ao
contrário do que disse Rui Rio, a declaração de voto do PSD na especialidade
foi clara sobre o que foi aprovado: “Garantimos que são contabilizados em 2019
os 2 anos 9 meses e 18 dias. Em relação ao restante tempo ficou consagrado o
que consideramos correto, a negociação entre as partes. Infelizmente os
critérios de sustentabilidade e saúde financeira foram chumbados, de qualquer
forma a nossa votação permitirá que o Governo vá para a negociação com todos os
graus de liberdade”.
Fugiu a boca para a verdade ao
presidente do PSD quando afirmou que há professores a mais. O sonho da direita
seria sair deste recuo com legitimidade parlamentar para a revisão da carreira
docente, e impedir agora uma futura negociação da recuperação integral do tempo
de serviço. O passo seguinte seria indexar o salário mínimo ao pacto de estabilidade
e crescimento.
A direita ainda pode
arrepender-se e juntar-se ao Bloco para aprovar a proposta votada em
especialidade. Mas PSD e CDS não contam com o Bloco de Esquerda para trazer a
troika pela porta do cavalo.
Uma última nota para aquele que
prometeu defender radicalmente os professores mas ficou calado perante esta
campanha de enganos promovida pelo PS. Tiago Brandão Rodrigues desapareceu na
névoa. E não me parece que valha a pena esperar pelo seu regresso.
*Deputada do Bloco de Esquerda
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