Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Parte importante da explicação
para a degradação dos serviços públicos, que não existe apenas nas notícias e
no discurso da Oposição, encontra-se à distância de um click. Na base de dados
da Comissão Europeia (AMECO) estão disponíveis dados estatísticos que dão conta
da evolução da despesa pública real - sem juros da dívida - entre 1995 e 2018.
Aí, podemos constatar que a
despesa real (isto é, descontado o impacto da inflação) praticamente duplicou
entre 1995 e 2005, como é normal num país em que a economia cresce e precisa de
desenvolvimento. Entretanto aumentou cerca de 10% entre 2008 e 2010, período em
que a União Europeia e Portugal procuraram contrariar os efeitos da crise com
instrumentos orçamentais. Entre 2010 e 2015, com os PEC e o consolado PSD/CDS,
caiu 15%, para até hoje praticamente não recuperar.
Resumindo, o Estado com os
recursos públicos de que hoje dispõe, "compra" menos do que comprava
em 2005. Porquê? Em primeiro lugar, porque os juros da dívida pública - que
quase duplicou entre 2008 e 2015 - estão a absorver demasiados recursos. Em
segundo lugar, porque a política das "contas certas", tão gabada pelo
Governo, tem conduzido ao apertar dos cordões à bolsa muito para lá do que
seria necessário para manter a dívida pública controlada e, sobretudo, do que
seria preciso para recuperar a capacidade do Estado, profundamente delapidada
entre 2010 e 2015.
Estas são as "contas
certas" da Comissão Europeia e do Eurogrupo, não as que os portugueses
precisam para o país se desenvolver. Estas políticas têm um custo - o
subinvestimento - que está a manifestar-se em áreas sensíveis.
Analisando os discursos políticos
dos últimos tempos, Portugal parece ter-se posto de pernas para o ar. Um
Governo que se diz de Esquerda converteu-se àquelas "contas certas"
que afetam muito as nossas vidas, enquanto a Direita, aparentemente, virou
"despesista" e clama contra a degradação dos serviços públicos.
O que pretendem uns e outros para
o país? É fácil perceber o que a Direita quer: degradar a capacidade de
resposta dos serviços públicos em todas as áreas possíveis, para os substituir
por serviços privados pagos com recursos públicos. As recentes propostas de
Assunção Cristas para resolução dos tempos de espera nas consultas do SNS, com
atribuição de cheques que permitiriam aos utentes recorrer ao setor privado, é
reveladora desse objetivo. Se os portugueses se deixassem embalar nesta
conversa, estariam a impedir que o SNS fizesse o investimento de que precisa e
o resultado seria: primeiro uma saúde predominantemente privada e mais cara, a
que durante algum tempo os subsidiados pelo Estado poderiam aceder, e depois,
quando o Estado deixasse de ter capacidade para pagar subsídios, acederia
apenas quem pudesse pagar.
Já o Governo, prosseguindo
naquela subserviência, nega o que prometeu quanto a garantir o direito de todos
os portugueses à saúde, à educação, à proteção social, à justiça, à segurança
ou a melhores mobilidades. O Governo, quando sobrepõe aquelas "contas
certas" à recuperação dos serviços públicos, está a contribuir para a
realização do que a Direita verdadeiramente quer. É necessário travar a asfixia
do Estado e a degradação e exaustão dos serviços públicos.
* Investigador e professor
universitário
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