sexta-feira, 21 de junho de 2019

São Tomé e Príncipe | A Liberdade e a Justiça


Adelino Cardoso Cassandra* | Téla Nón | opinião

Uma grande parte do país anda surpreendida com aquilo que está a acontecer, momentaneamente, nos nossos tribunais e noutras instituições  que, aparentemente, reflete o clima de anarquia e balbúrdia institucional que se apoderou da nossa terra, nos últimos tempos, juntando-se a este fenómeno uma crise financeira e económica, com inicio de manifestação anterior, mas que ainda perdura e trará, inevitavelmente, num futuro próximo, consequências graves, de ponto de vista social e político, para as nossas comunidades.

A atual maioria governativa não se cansa de vociferar, na voz do senhor primeiro-ministro e de outros governantes, que foram os responsáveis pela restauração da liberdade no país mas, todavia, não são capazes de reconhecer o falhanço total da sua própria política, nestes parcos meses de governação, que contribuiu para a instalação do caos institucional que o país, momentaneamente, vive.


Se o MLSTP enche a boca e diz, agora, que foi o responsável pela restauração da liberdade no país, responsabilizando, politicamente, de forma reiterada, o anterior governo, por práticas autoritárias; compreende-se, todavia, mal, que seja o referido partido o responsável, logo de seguida, volvidos sensivelmente seis ou sete meses de governação, pela instalação do caos no sistema judiciário e noutras instituições do país.

Ou seja, se é verdade que o anterior governo nos tirou a liberdade; não é menos verdade, também, que o MLSTP, neste caso, tirou-nos o mínimo que ainda tínhamos na Justiça e organização institucional. Ou, dito de outra forma, ainda, se anteriormente não tínhamos a liberdade; agora não temos Justiça nenhuma.

O MLSTP conseguiu, em apenas seis ou sete meses de vigência governamental, transformar o nosso sistema judiciário num antro de defesa radical de interesse privados e político-partidários, contra tudo e contra todos.

Nenhum governo anterior conseguiu, em apenas seis ou sete meses de exercício governativo, em prol da defesa dos interesses da sua militância partidária, colocar em guerra pública sem quartel, num exercício que envergonha qualquer cidadão, um procurador da república contra uma diretora da polícia judiciária; um grupo de advogados contra a sua própria bastonária; alguns juízes do Tribunal Constitucional contra o seu próprio presidente; alguns juízes dos Tribunais Judiciais de primeira Instância contra outros; o procurador da república contra Juízes do Tribunal Constitucional; os inspetores da polícia judiciária contra a sua diretora, etc. E no meio de tudo isto, a própria Assembleia Nacional não quis deixar os seus créditos em mãos alheias e, também, aparece nesta guerra contra alguns juízes do Tribunal Constitucional e o próprio primeiro-ministro não se coibiu de acusar o senhor presidente da república como sendo o “chefe de um gangue” cujo objetivo é encobrir responsabilidades de dirigentes governativos anteriores que usaram indevidamente o erário público para aumentar a riqueza pessoal. É obra!

Esta gente é tão irresponsável que conseguiram, em apenas seis meses, sem qualquer vergonha ou juízo, rebentar quase totalmente com uma parte significativa das estruturas democráticas, com maior impacto no poder judicial, e já têm planos, aparentemente escondidos, para implementar uma “Justiça mais próxima da população”, típica de regimes autoritários, com os seus próprios juízes, procuradores da república, tribunais e, até, militantes de bairros ou de distritos como oficiais de justiça.

É para isto que foram para o poder e não fazem questão nenhuma em disfarçar o seu recalcamento, azedume ou desejo de desforra.

E é exatamente aí que, o Pinto da Costa, embora tenha acertado no diagnóstico, tendo em conta a sua declaração após a realização do recente Conselho de Estado, errou, todavia, na receita proposta para a resolução do problema.

Definitivamente, tendo em conta a amplitude dos interesses em presença, bem como a mediocridade, irresponsabilidade e incultura que grassa nos contextos partidários, incluído no seu próprio partido, seria uma ingenuidade propor, neste momento, o “diálogo e concertação” entre os atores políticos, para resolver os problemas que existem no país.

Eu compreendo a ideia e objetivos do Pinto da Costa mas tal proposta encerra ingenuidade porque se, no interior dos próprios partidos políticos, neste momento, as pessoas não se entendem e, até, andam às turras, por causa de lugares no governo central, nas embaixadas, nos órgãos de administração pública e de empresas estatais, etc., como é que se irão sentar numa mesa, com outros partidos políticos, para debater, de forma séria, os mecanismos para a resolução dos problemas do país?

Se o Jorge Bom Jesus, por exemplo, não tem força nem habilidade política para enfrentar, resistir e repelir os ataques que vêm do interior do seu próprio partido que o transformam numa espécie de múmia, perante predadores distintos, como é que ele estará em condições de mobilizar contributos, em associação dialogante com outros partidos políticos, sendo que alguns dos referidos contributos  poderão colocar em causa os interesses dos seus mais inflexíveis camaradas, para mudar a nossa realidade política, económica e social momentânea?

Se ele não tem autoridade, sequer, para remodelar o governo ou mexer no lugar de um Diretor de uma empresa estatal, como foi publicamente referenciado, recentemente, ele vai negociar o quê, com os líderes de outros partidos políticos, para mudar o rumo do país?

Se o governo que ele dirige é uma espécie de pequenos quintais, cada um dos quais com o seu próprio dono, que estão sob coordenação de interesses de grupo específicos, como sejam os lobbies de arroz do Japão, da cerveja, do petróleo, etc., e não dão cavaco a ninguém, como é que ele pode responder, com autoridade, pela coordenação do referido governo?

É óbvio que eu compreendo as sugestões do Pinto da Costa e, até, acho-as desejáveis mas, sejamos francos, isto não vai lá com esta receita, tendo em conta a realidade prevalecente no nosso sistema político-partidário.

E, até, tenho imensas dificuldades em compreender, como é que um partido, como o MLSTP, passa a vida a dizer-nos, às segundas, quartas e sextas-feiras, que quer combater a corrupção no país e, às terças e quintas-feiras, congemina planos para rebentar com a organização do nosso sistema Judiciário em prol da manutenção dos interesses da sua clientela partidária. Que corrupção é que o MLSTP quer combater?

Se o poder, em termos simplistas, pode ser entendido como um conjunto de meios que permitem alcançar determinados efeitos desejados, como é que o MLSTP quererá combater a corrupção no país, de acordo com as  palavras do senhor primeiro-ministro, reiteradamente expressas, simultaneamente esfrangalhando o sistema judiciário?

É este o dilema que o MLSTP tem de explicar, pelo menos às pessoas minimamente esclarecidas, porque a militância menos esclarecida e que age como rebanhos de carneiros não precisa, com certeza, desta explicação. Gostava de conhecer pelo menos um empresário estrangeiro lúcido que estaria disposto a investir o seu capital num país onde os governantes tratam a justiça desta forma.

Albert Camus já dizia que “a liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. A justiça absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites uma dentro da outra”.

Temo que o MLSTP se assumindo como o grande restaurador da liberdade no país esteja, no entanto, a preparar-se, empenhadamente, para nos tirar a Justiça. Só que a liberdade sem justiça pode significar, pura e simplesmente, um exercício de governação preocupado somente com a defesa dos interesses da sua clientela militante. Não há “diálogo e concertação” nenhuma que resolve este problema! O que é preciso é luta e revitalização da sociedade civil. Neste âmbito, o Pinto da Costa já tem toda a razão. A liberdade e a Justiça não se negoceia!!!

*Adelino Cardoso Cassandra

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