Adelino Cardoso Cassandra* | Téla
Nón | opinião
Uma grande parte do país anda
surpreendida com aquilo que está a acontecer, momentaneamente, nos nossos
tribunais e noutras instituições que, aparentemente, reflete o clima de
anarquia e balbúrdia institucional que se apoderou da nossa terra, nos últimos tempos,
juntando-se a este fenómeno uma crise financeira e económica, com inicio de
manifestação anterior, mas que ainda perdura e trará, inevitavelmente, num
futuro próximo, consequências graves, de ponto de vista social e político, para
as nossas comunidades.
A atual maioria governativa não
se cansa de vociferar, na voz do senhor primeiro-ministro e de outros
governantes, que foram os responsáveis pela restauração da liberdade no país
mas, todavia, não são capazes de reconhecer o falhanço total da sua própria
política, nestes parcos meses de governação, que contribuiu para a instalação
do caos institucional que o país, momentaneamente, vive.
Se o MLSTP enche a boca e diz,
agora, que foi o responsável pela restauração da liberdade no país,
responsabilizando, politicamente, de forma reiterada, o anterior governo, por
práticas autoritárias; compreende-se, todavia, mal, que seja o referido partido
o responsável, logo de seguida, volvidos sensivelmente seis ou sete meses de
governação, pela instalação do caos no sistema judiciário e noutras
instituições do país.
Ou seja, se é verdade que o
anterior governo nos tirou a liberdade; não é menos verdade, também, que o
MLSTP, neste caso, tirou-nos o mínimo que ainda tínhamos na Justiça e
organização institucional. Ou, dito de outra forma, ainda, se anteriormente não
tínhamos a liberdade; agora não temos Justiça nenhuma.
O MLSTP conseguiu, em apenas seis
ou sete meses de vigência governamental, transformar o nosso sistema judiciário
num antro de defesa radical de interesse privados e político-partidários,
contra tudo e contra todos.
Nenhum governo anterior
conseguiu, em apenas seis ou sete meses de exercício governativo, em prol da
defesa dos interesses da sua militância partidária, colocar em guerra pública
sem quartel, num exercício que envergonha qualquer cidadão, um procurador da
república contra uma diretora da polícia judiciária; um grupo de advogados
contra a sua própria bastonária; alguns juízes do Tribunal Constitucional
contra o seu próprio presidente; alguns juízes dos Tribunais Judiciais de
primeira Instância contra outros; o procurador da república contra Juízes do
Tribunal Constitucional; os inspetores da polícia judiciária contra a sua
diretora, etc. E no meio de tudo isto, a própria Assembleia Nacional não quis
deixar os seus créditos em mãos alheias e, também, aparece nesta guerra contra
alguns juízes do Tribunal Constitucional e o próprio primeiro-ministro não se
coibiu de acusar o senhor presidente da república como sendo o “chefe de um
gangue” cujo objetivo é encobrir responsabilidades de dirigentes governativos
anteriores que usaram indevidamente o erário público para aumentar a riqueza
pessoal. É obra!
Esta gente é tão irresponsável
que conseguiram, em apenas seis meses, sem qualquer vergonha ou juízo, rebentar
quase totalmente com uma parte significativa das estruturas democráticas, com
maior impacto no poder judicial, e já têm planos, aparentemente escondidos,
para implementar uma “Justiça mais próxima da população”, típica de regimes
autoritários, com os seus próprios juízes, procuradores da república, tribunais
e, até, militantes de bairros ou de distritos como oficiais de justiça.
É para isto que foram para o
poder e não fazem questão nenhuma em disfarçar o seu recalcamento, azedume ou
desejo de desforra.
E é exatamente aí que, o Pinto da
Costa, embora tenha acertado no diagnóstico, tendo em conta a sua declaração
após a realização do recente Conselho de Estado, errou, todavia, na receita
proposta para a resolução do problema.
Definitivamente, tendo em conta a
amplitude dos interesses em presença, bem como a mediocridade,
irresponsabilidade e incultura que grassa nos contextos partidários, incluído
no seu próprio partido, seria uma ingenuidade propor, neste momento, o “diálogo
e concertação” entre os atores políticos, para resolver os problemas que
existem no país.
Eu compreendo a ideia e objetivos
do Pinto da Costa mas tal proposta encerra ingenuidade porque se, no interior
dos próprios partidos políticos, neste momento, as pessoas não se entendem e,
até, andam às turras, por causa de lugares no governo central, nas embaixadas,
nos órgãos de administração pública e de empresas estatais, etc., como é que se
irão sentar numa mesa, com outros partidos políticos, para debater, de forma
séria, os mecanismos para a resolução dos problemas do país?
Se o Jorge Bom Jesus, por
exemplo, não tem força nem habilidade política para enfrentar, resistir e
repelir os ataques que vêm do interior do seu próprio partido que o transformam
numa espécie de múmia, perante predadores distintos, como é que ele estará em
condições de mobilizar contributos, em associação dialogante com outros
partidos políticos, sendo que alguns dos referidos contributos poderão
colocar em causa os interesses dos seus mais inflexíveis camaradas, para mudar
a nossa realidade política, económica e social momentânea?
Se ele não tem autoridade,
sequer, para remodelar o governo ou mexer no lugar de um Diretor de uma empresa
estatal, como foi publicamente referenciado, recentemente, ele vai negociar o
quê, com os líderes de outros partidos políticos, para mudar o rumo do país?
Se o governo que ele dirige é uma
espécie de pequenos quintais, cada um dos quais com o seu próprio dono, que
estão sob coordenação de interesses de grupo específicos, como sejam os lobbies
de arroz do Japão, da cerveja, do petróleo, etc., e não dão cavaco a ninguém,
como é que ele pode responder, com autoridade, pela coordenação do referido
governo?
É óbvio que eu compreendo as
sugestões do Pinto da Costa e, até, acho-as desejáveis mas, sejamos francos,
isto não vai lá com esta receita, tendo em conta a realidade prevalecente no
nosso sistema político-partidário.
E, até, tenho imensas
dificuldades em compreender, como é que um partido, como o MLSTP, passa a vida
a dizer-nos, às segundas, quartas e sextas-feiras, que quer combater a
corrupção no país e, às terças e quintas-feiras, congemina planos para rebentar
com a organização do nosso sistema Judiciário em prol da manutenção dos
interesses da sua clientela partidária. Que corrupção é que o MLSTP quer
combater?
Se o poder, em termos simplistas,
pode ser entendido como um conjunto de meios que permitem alcançar determinados
efeitos desejados, como é que o MLSTP quererá combater a corrupção no país, de
acordo com as palavras do senhor primeiro-ministro, reiteradamente
expressas, simultaneamente esfrangalhando o sistema judiciário?
É este o dilema que o MLSTP tem
de explicar, pelo menos às pessoas minimamente esclarecidas, porque a
militância menos esclarecida e que age como rebanhos de carneiros não precisa,
com certeza, desta explicação. Gostava de conhecer pelo menos um empresário
estrangeiro lúcido que estaria disposto a investir o seu capital num país onde
os governantes tratam a justiça desta forma.
Albert Camus já dizia que “a
liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. A justiça absoluta nega a
liberdade. Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites
uma dentro da outra”.
Temo que o MLSTP se assumindo
como o grande restaurador da liberdade no país esteja, no entanto, a
preparar-se, empenhadamente, para nos tirar a Justiça. Só que a liberdade sem
justiça pode significar, pura e simplesmente, um exercício de governação
preocupado somente com a defesa dos interesses da sua clientela militante. Não
há “diálogo e concertação” nenhuma que resolve este problema! O que é preciso é
luta e revitalização da sociedade civil. Neste âmbito, o Pinto da Costa já tem
toda a razão. A liberdade e a Justiça não se negoceia!!!
*Adelino Cardoso Cassandra
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