domingo, 28 de julho de 2019

A TRANSVERSAL DE PAZ DA GRANDE REBELIÃO… -- Martinho Júnior


 Martinho Júnior, Luanda  

… En cuanto a mí, sé que la cárcel será dura como no la ha sido nunca para nadie, preñada de amenazas, de ruin y cobarde ensañamiento, pero no la temo, como no temo la furia del tirano miserable que arrancó la vida a setenta hermanos míos. Condenadme, no importa, La historia me absolverá.” –- Fidel de Castro Ruz em sua histórica advocacia.

01- Desde que o homem historicamente se conhece que a eclosão de desigualdades se tornou determinante duma dialética social libertária que se “levantava do chão” e se tornava antagónica, num manancial de energias que rompiam com os grilhões quaisquer que eles fossem, por mais fortes que eles pudessem ser, sobretudo quando as desigualdades foram alcançadas por via de bárbara opressão e dum acumular de injustiças humanas de toda a ordem…

O mercantilismo que levou as potências europeias a desencadear a escravatura e o colonialismo sobre os outros, instigou o sentido humano da libertação nos homens que foram o alvo dilecto dessa terrível opressão.

Nenhuma barreira psicológica, por mais opressiva que ela fosse, o podia impedir e daí impossível para o homem deixar de procurar alcançar a todo o transe libertário, a síntese decorrente da tese e da antítese de tal antagonismo abissal, extremo de barbárie ainda que sob rótulo de civilização!

A “transversalidade” rebelião respondeu, quantas vezes sob a forma mais sangrenta, ali onde as classes instrumentalizadas por sistemas promotores de opressão se radicalizaram nos seus propósitos, tornando-se fundamentalistas, repressivas e retrógradas.

Foi assim no Haiti, quando os escravos afrodescendentes derrotaram o sistema de exploração do colonialismo francês e os exércitos de Napoleão sob o comando de Toussaint Louverture…

Foi assim há 66 anos em Cuba, quando a 26 de Julho de 1953 o assalto ao quartel Moncada sob o comando de Fidel serviu de ignição à Revolução que dava os seus primeiros passos, tantas décadas depois da saga libertária de Marti…

Foi assim em 1961 em Angola quando se sucederam os episódios do 4 de Janeiro na Baixa do Cassange, do 4 de Fevereiro em Luanda e do 15 de Março por todo o norte de Angola, que levaram à luta de libertação nacional e à independência com Agostinho Neto…

Foi assim com a África do Sul, quando finalmente o “apartheid” desapareceu do mapa institucional com Nelson Mandela, ainda que permaneçam muitas das suas sequelas sociais…

Está a ser assim na Venezuela Bolivariana com Hugo Chavez e Nicolas Maduro, duzentos anos depois da independência da Pátria Grande, arrancada a ferros sob a égide lúcida e heroica de Simon Bolivar…


02- A legitimidade das rebeliões libertárias obrigava contudo aos seus heroicos protagonistas a juntar outras qualidades, outras capacidades para além do episódio do quebrar dos grilhões, pois derrotar as classes opressoras no terreno, de armas na mão e por via de longas e sacrificadas lutas, era importante, mas mais importante ainda era (e é) dar continuidade ao caminho a seguir, geração após geração, para que jamais as conquistas tão duramente alcançadas venham-se a perder, ou a perder sua própria clarividência e perspectiva!

À escala global, desde os expansionismos que se sucederam ao mercantilismo, desde a gestação dum império capitalista que passou à concentração da riqueza em cada vez menos mãos, a opressão ocorreu… foi historicamente assim desde o princípio do século XIX com todo o bárbaro cortejo de vassalos e de artifícios que levaram a tensões, conflitos e guerras, em alguns casos resultando em autênticos extermínios!

Quantas vezes, faltou à gesta libertária gerar a civilização capaz de coerência humana, capaz de semear geração após geração capacidades que mantendo a saga libertária acesa, tornasse possível, sob uma perseverante cultura de paz, derrotar a barbárie, por mais subtil que a barbárie se tornasse, conforme ocorre hoje quando o socialismo cubano enfrenta o império da hegemonia unipolar motivado pela revolução capitalista das novas tecnologias que tanto servem à aristocracia financeira mundial!

De facto, por mais heroico que fosse o gesto do rebentar das correntes, tem sido tremendamente difícil ao homem conduzir-se no labirinto capitalista opressor de forma que a libertação se tornasse numa cultura civilizacional exponencial e ao serviço de toda a humanidade, resistente às perversidades produzidas pela barbárie dominante, egoísta e, ainda que utilizando toda o tipo de subtilezas, subversões e processos de resposta à dimensão dum interminável bloqueio e dum disseminar de sanções asfixiantes e criminosos!…

03- Poucos podiam supor que naquele 26 de Julho de 1953, aqueles 165 rebeldes que atacaram os quarteis de Moncada e de Céspedes então bastiões da ditadura de Fulgêncio Batista, seriam a ignição duma revolução de dignidade, de perseverança, de coerência, de solidariedade e de internacionalismo que geração após geração chegasse com tanta vitalidade até aos nossos dias, vencendo tantos obstáculos que se lhe seriam semeados pelo bárbaro império que lhe ficava ali mesmo, físico-geograficamente a menos de 100 milhas a norte!...

Os rebeldes que perderam a batalha em Moncada e Cespedes, não eram meros intelectuais, ainda que com consciência dialética da história, mas revolucionários convictos que possibilitaram aos que se lhes sucederem, à medida que foram temperando as suas opções, se tornassem capazes de as tornar em sucessivas vocações socialistas e libertárias, colocando em evidência sintética o povo no lugar próprio a que uma autêntica democracia o deve colocar: conferindo-lhe participação, protagonismo, possibilitando que ele fosse e seja o autor duma verdadeira gesta de amor e solidariedade colectiva por toda a humanidade e no caminho dum imenso respeito pela Mãe Terra!

04- O 26 de Julho de 1953 continua hoje como um farol de luta que “transversalmente” se expandiu, atravessou fronteiras, atravessou oceanos e chega aos mais “obscuros rincões” da Terra como um dos fundamentos mais clarividentes da paz possível que é das mais legítimas aspirações de toda a humanidade.

Ali onde medra o obscurantismo, ali onde medra a doença, ali onde o medo espreita porta-a-porta, ali onde é semeado o caos, o terrorismo e a desagregação no mais avulso dos termos que correspondem à moderna barbárie, chega essa dimensão de vontade apta à dignidade, à solidariedade, ao internacionalismo e ao amor colectivo.

É assim a longa batalha de ideias cujas práticas sintetizam a civilização tão necessária e premente!

Está-se, vencida a escravatura, vencido o colonialismo, vencido o “apartheid”, vencidas tantas das suas sequelas, em tempo de luta pela educação e pela saúde por todo o sul dilacerado das misérias que foram sendo semeadas durante séculos desde que o mercantilismo se impôs nos seus termos e sucessivas derivas.

A luta em paz tornou-se ainda mais difícil para as mais frágeis nações, estados e povos da Terra!

O divisionismo, o obscurantismo, as alienações, as ilusões e uma incessante guerra psicológica movida cada vez por menos mãos que a todo o transe procuram ainda ser determinantes do destino da humanidade estão aí, polvilhando as contradições por dentro das sociedades, disseminando artificiosos problemas entre as nações, os estados e os povos e servindo sempre os propósitos egoístas das oligarquias que se revêem no lucro, para que se esqueça o essencial: a vida e a luta perseverante seguindo a lógica com sentido de vida!

O 26 de Julho legitimou a revolução com sentido de vida para que se legitime a emergência, o multilateralismo, o amor coerente e digno numa forma colectiva, a civilização face à barbárie e sobretudo se galvanize a energia disponível dos povos que ganham a consciência apta a dar continuidade à luta que em pleno século XXI dá sequência à revolta dos escravos no início do século XIX no Haiti!

O 26 de Julho é uma data memorial que se está a tornar num justo património da humanidade, que todos os povos devem cooptar como parte duma intrínseca cultura de inteligência global imprescindível à sua sobrevivência e ao respeito para com a Mãe Terra!

O 26 de Julho, para Angola, para a África Austral, para todo o continente-berço, é um repto permanente e transcendental por que continua a ser urgente realizar a prova de vida de todos nós ali onde continua a falhar a educação, a saúde e a habitação em benefício dos povos, ali onde continua a falhar a evidência premente de que hoje, em termos ambientais, já é tarde demais para se ganhar a consciência colectiva do que se deve fazer em termos de desenvolvimento sustentável a fim de garantir a felicidade e o futuro dos herdeiros que se nos seguirão!

A todos os que preenchem essa prova de vida, a todos os que travam a batalha de paz justa pela civilização, a todos os que pisam a trilha dessa transversal grande rebelião humanística e respeitosa para com a Mãe Terra, tal como Fidel esclareceu intemporal no decorrer do seu próprio julgamento e comprovou durante toda a sua vida de notável e exemplar estadista, A HISTÓRIA OS ABSOLVERÁ!

Martinho Júnior - Luanda, 25 de Julho de 2019


RECORDO O QUE ESCREVI HÁ 10 ANOS E FOI PUBLICADO NO PÁGINA UM BLOGSPOT, A 5 DE JUNHO DE 2009:


Por MARTINHO JÚNIOR

Há uma chama sempre acesa na Revolução Cubana, uma chama a que Fidel sempre se reporta nas suas reflexões, a chama da liberdade… e como Cuba a mantém acesa!

Quando eu afirmo que Cuba é farol da humanidade, refiro-me também a essa chama e por isso vejo Cuba Revolucionária como pátria grande da humanidade, minha pátria também, entre outras coisas como factor e elemento de referência incontornável e só discutível onde e quando o que foi possível pode-se tornar melhor, (1).

Por isso não tem sido por acaso que, explorando a análise geo estratégica, não me furto enquanto africano, entre os vários quesitos de interesse, à observação e estudo dos movimentos militares das potências, das localizações das explorações de petróleo, gás e de minérios, das linhas que marcam os oleadutos e as rotas internacionais dos transportes marítimos, por que eles, por si ou no seu conjunto, são indicadores dos cenários preciosos de quanto o capitalismo, na sua doença extrema que é este imperialismo globalizado, não só se manifesta, mas como ele, na sua perdulária voracidade, esbanja energias quando as há que poupar, esbanja tempo, quando há tanta coisa inadiável, esbanja potenciais e recursos, quando eles se tornam escassos e ainda por cima hostiliza os bons exemplos, entre eles o que Cuba estoicamente nos dá, exemplos afinal que estão à mão e constituem um desafio capaz de “furar” até o mais feroz dos bloqueios.

Os Estados Unidos e os seus aliados possuem disseminados pelo Mundo mais de 1000 bases militares, possuem mais de 1000 navios espalhados por todos os oceanos e mares, possuem domínio aéreo incontestável para lá da estratosfera, dispositivos preparados para todo o tipo de combates, produção de notícias capaz de neutralizar as mentes dos seres humanos até aos mais recônditos locais da Terra, modelando-as de acordo com suas próprias conveniências e das oligarquias que servem, (2), (3)…

Com todo esse poder avassalador, nunca esboçaram solidariedade real para com outras nações e povos, ao nível da que Cuba Revolucionária cultivou ao longo dos últimos 50 anos difíceis, perigosos e heróicos, só por que ousou dar inteira prioridade ao homem acima de qualquer outro interesse, conveniências ou condicionalismos, mesmo que aparentemente jamais se vislumbre qualquer hipótese de “lucro”…

Vivi e senti isso mesmo aqui em Angola, quando foi necessário lutar contra colonialismo e “apartheid”, (4).

Vivo e sinto isso mesmo aqui em Angola, quando verifico o papel de alguns dos melhores filhos da Revolução Cubana na saúde e na educação dos angolanos, impedindo a mercenarização desses sectores de actividade humana e lançando alicerces que vão trazer mudanças incalculáveis a um povo que viveu cinco séculos de miséria e morte, (5).

A França de Sarkozy ainda agora se regozija orgulhosa com a inauguração da sua “nova base” militar de Abu Dhabi, junto ao estreito de Ormuz, engrossando o pelotão no momento em que retorna à NATO, uma base cinicamente rotulada de “Campo de Paz”, (6), (7)…

Outro aparentemente menos guerreiro e menos sanguinário como Clinton (aparentemente por que por exemplo basta recordar o papel da sua Administração no holocausto que eclodiu no Ruanda e na desestabilização do próprio Haiti), “redescobre” o Haiti para seus “compromissos filantrópicos”, (8) como se fosse possível passar uma esponja sobre a responsabilidade histórica dos Estados Unidos e de seus aliados quando pela via da lógica dominante capitalista tanto contribuíram para a desolação e o desamparo em que se encontra o povo haitiano e tantos outros povos das Caraíbas, da América, de África, do Terceiro Mundo, a maioria dos quais Não-Alinhados…

Numa das suas últimas reflexões Fidel realça com amplo conhecimento de causa que “nada pode ser improvisado no Haiti” e sublinha porquê:

“Os haitianos não foram os culpados de sua actual pobreza, mas as vítimas de um sistema imposto ao mundo. Não inventaram o colonialismo, o capitalismo, o imperialismo, o intercâmbio desigual, o neoliberalismo nem as formas de exploração e pilhagem imperantes no planeta durante os últimos 200 anos”.

Percebe a Revolução Cubana essa razão que alimenta sua própria vitalidade e resistência, por que a sua longevidade em prol da saúde e educação do povo haitiano começou já há dez anos, nas horas devastadoras das passagens dos furacões George e Mitch que também atingiram Cuba.

Percebe a Revolução Cubana nos 533 jovens haitianos que se formaram em Medicina Geral Integral com a contribuição de Cuba.

Percebe a Revolução cubana com s 413 profissionais cubanos de saúde que estão neste momento presentes no Haiti, respondendo ao esforço de resgatar para a vida milhões de seres humanos desse “deserdado” país, espalhados por 127 das 137 comunas do universo administrativo haitiano, (9).

Percebem muito naturalmente os destinatários desse esforço, quando os Índices de Mortalidade vão descendo e se registam melhorias nos Índices de Desenvolvimento Humano, inclusive num país como o Haiti, o pior classificado das Caraíbas inclusive em matéria de Saúde Materna e Neo Natal, (10)…

Será possível comparar-se esse tipo de números, os números que ilustram o sentido da vida, com os números que evidenciam a guerra, a pobreza avassaladora provocada por uma ampla tirania de características feudais, os números com o sentido da morte?

A notável reflexão de Fidel sobre o Haiti termina com uma única conclusão possível em nome da humanidade:

“Nada pode ser improvisado no Haiti e nada será fruto do espírito filantrópico de instituição alguma.

Ao projecto da Escola Latino-Americana de Medicina, mais tarde se acrescentou o novo programa de formação em Cuba de médicos procedentes da Venezuela, da Bolívia, do Caribe, e de outros países do Terceiro Mundo, à medida que seus programas de saúde o precisavam com urgência. Hoje, mais de 24 mil jovens do Terceiro Mundo estudam medicina em nossa Pátria.

Ajudando outros, desenvolvemo-nos também nesse setor, e constituímos uma força importante. Isso, e não o roubo de cérebros, é o que praticamos! Será que os países ricos e superdesenvolvidos do G-7 podem afirmar a mesma coisa?

Outros imitarão o nosso exemplo! Ninguém duvide disso!”

Que contraste avassalador perante tanta desolação e que esperança renascida para os deserdados da Terra!

Notas: 
- (1) – ABN – Nunca nos dejaremos arrastar por la vanidad ni por la ambition – http://www.abn.info.ve/noticia.php?articulo=163710&lee=16
- (2) – Página Um – Missão de permanência e patrulha no Golfo da Guiné – http://pagina-um.blogspot.com/2009/04/missao-de-permanencia-e-patrulha-no.html
- (3) - A doutrina Bush e a rapina do petróleo – http://www.unicamp.br/nee/A%20doutrina%20Bush.htm
- (4) – Página Um – série Cuito Cuanavale – vinte anos depois – I – http://pagina-um.blogspot.com/2008/01/cuito-cuanavale-vinte-anos-depois-i.html
- (5) – Página Um – Um 4 de Fevereiro diferente – http://pagina-um.blogspot.com/2009/02/um-4-de-fevereiro-diferente.html ; Página Um – Angola – Cuba – “Opereação Carlota II” hoje – http://pagina-um.blogspot.com/2009/02/angola-cuba-operacao-carlota-ii-hoje.html
- (6) – Ennahar on line – A french military base in Abu Dhabi – http://www.ennaharonline.com/en/international/1277.html
- (7) – Council on Foreign Relations – French Military strategy and NATO reintegration – http://www.cfr.org/publication/16619/
- (9) – Gramna – Reflexões de Fidel – Nada pode ser improvisado no Haiti – http://www.granma.cu/portugues/2009/mayo/lun25/Reflexoes-24maio.html
- (10) – UNICEF – Situação Mundial da infância 2009 – http://www.unicef.org/brazil/sowc9pt/index.htm .

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