terça-feira, 16 de julho de 2019

Portugal | A ocasião faz o ladrão, o segredo protege-o


Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Em Portugal, como em tantos outros países, o segredo bancário tem sido a alma dos piores negócios. A cultura do segredo, elevado a um princípio em si mesmo, em vez de se restringir ao seu verdadeiro propósito (a salvaguarda da privacidade pessoal), é companheira da corrupção e do crime económico. Permite todos os abusos e negociatas, abriga quem quer fugir ao Fisco, protege quem se quer esconder e, como temos visto tantas vezes, ergue-se como uma parede intransponível contra o escrutínio democrático.

Foi esta cultura que privou o país do instrumento mais eficaz no combate à grande fraude fiscal, que é o acesso a dados bancários; que inscreveu na lei das amnistias fiscais a garantia de que nenhum crime ou infração serão reportados às autoridades competentes; que impediu o Parlamento de aceder a dados essenciais. Em suma, a cultura do segredo criou no sistema a ideia de que a negligência não tem consequências, de que o crime não é punido e de que tudo é possível. Tudo business as usual, numa economia em que não se sabe onde está a fronteira entre o negócio e a falcatrua.

É por isto que o Bloco sempre defendeu que o sigilo - como direito à privacidade - é um princípio que deve ser sempre ponderado em relação a outros, como a transparência e a justiça, para permitir duas coisas. A primeira, é dotar as autoridades fiscais e judiciais de dados que, sendo sigilosos, são cruciais no combate ao crime. A segunda, é possibilitar o escrutínio público de operações que não têm porque ser segredo.

Foram precisos muitos escândalos financeiros para que se começasse a dar passos na direção certa, e o Bloco bateu-se por todos eles, desde o início. A nova lei do sigilo bancário dá mais dados à Autoridade Tributária para evitar a grande fraude; as comissões de inquérito parlamentares têm mais poderes para aceder a informações bancárias; e o Banco de Portugal será obrigado a divulgar um relatório que, sendo ainda insuficiente, terá informações importantes sobre os grandes devedores da Banca.

Foi graças a estas mudanças que o país ficou a conhecer os créditos ruinosos da Caixa. E é, provavelmente, só porque tudo isto veio a público que o cerco a Berardo vai finalmente apertar. Mas não nos enganemos, porque nem Berardo nem a Caixa são casos únicos. Temos muito trabalho a fazer para acertar as contas com o passado desta economia de casino. E temos o dever de criar instrumentos que estabeleçam outros padrões de exigência para futuro. Tentámos fazê-lo quando propusemos novas regras para a divulgação das maiores exposições em incumprimentos. Não foi aceite, mas não desistimos.

* Deputada do BE

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