Mariana Mortágua |
Jornal de Notícias | opinião
Em Portugal, como em tantos
outros países, o segredo bancário tem sido a alma dos piores negócios. A
cultura do segredo, elevado a um princípio em si mesmo, em vez de se restringir
ao seu verdadeiro propósito (a salvaguarda da privacidade pessoal), é companheira
da corrupção e do crime económico. Permite todos os abusos e negociatas, abriga
quem quer fugir ao Fisco, protege quem se quer esconder e, como temos visto
tantas vezes, ergue-se como uma parede intransponível contra o escrutínio
democrático.
Foi esta cultura que privou o
país do instrumento mais eficaz no combate à grande fraude fiscal, que é o
acesso a dados bancários; que inscreveu na lei das amnistias fiscais a garantia
de que nenhum crime ou infração serão reportados às autoridades competentes;
que impediu o Parlamento de aceder a dados essenciais. Em suma, a cultura do
segredo criou no sistema a ideia de que a negligência não tem consequências, de
que o crime não é punido e de que tudo é possível. Tudo business as usual, numa
economia em que não se sabe onde está a fronteira entre o negócio e a falcatrua.
É por isto que o Bloco sempre
defendeu que o sigilo - como direito à privacidade - é um princípio que deve
ser sempre ponderado em relação a outros, como a transparência e a justiça,
para permitir duas coisas. A primeira, é dotar as autoridades fiscais e
judiciais de dados que, sendo sigilosos, são cruciais no combate ao crime. A
segunda, é possibilitar o escrutínio público de operações que não têm porque
ser segredo.
Foram precisos muitos escândalos
financeiros para que se começasse a dar passos na direção certa, e o Bloco
bateu-se por todos eles, desde o início. A nova lei do sigilo bancário dá mais
dados à Autoridade Tributária para evitar a grande fraude; as comissões de
inquérito parlamentares têm mais poderes para aceder a informações bancárias; e
o Banco de Portugal será obrigado a divulgar um relatório que, sendo ainda
insuficiente, terá informações importantes sobre os grandes devedores da Banca.
Foi graças a estas mudanças que o
país ficou a conhecer os créditos ruinosos da Caixa. E é, provavelmente, só
porque tudo isto veio a público que o cerco a Berardo vai finalmente apertar.
Mas não nos enganemos, porque nem Berardo nem a Caixa são casos únicos. Temos
muito trabalho a fazer para acertar as contas com o passado desta economia de
casino. E temos o dever de criar instrumentos que estabeleçam outros padrões de
exigência para futuro. Tentámos fazê-lo quando propusemos novas regras para a
divulgação das maiores exposições em incumprimentos. Não foi aceite, mas não
desistimos.
* Deputada do BE
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