Representantes de comunidades
indígenas de todo o Brasil afirmaram que Bolsonaro foi ofensivo, racista e que
os indígenas não querem exploração. Jovem levada na comitiva só tem o apoio de
sua própria família, disseram
Lideranças indígenas reconhecidas
por toda a comunidade indígena do Brasil repudiaram o discurso do presidente
Jair Bolsonaro, na Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira (24),
na qual adotou o teor de exploração e desenvolvimento da Amazónia e das
reservas indígenas: “ofensivo”, “racista” e “paranóico”, descreveram os
líderes.
Os autores desta reação são os
líderes da Associação do Território Indígena do Xingu (Atix), da Federação das
Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), da Associação Floresta Protegida
(AFP) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A primeira destas,
inclusive, não reconhece Ysani Kalapalo, a jovem indígena que integrou a
comitiva de Bolsonaro na ONU e que teria escrito a carta lida pelo mandatário.
Kapalo integra uma comunidade do
Xingu, e não somente as lideranças da própria região Norte do país não a
reconhecem como representante dos povos indígenas, como todas lideranças
espalhadas pelo Brasil, que mantêm o respeito ao cacique Raoni Metaktire. Os
líderes ouvidos pela BBC Brasil relataram outra realidade, muito distante da
narrada por Bolsonaro no palco da ONU ontem.
Eles afirmaram, por exemplo, que
o mandatário brasileiro usou dados que destoam das informações oficiais. Ele
citou, por exemplo, 225 povos indígenas e 70 tribos isoladas. Mas segundo o
IBGE e a Funai, há 305 povos indígenas no Brasil e o registo de 107 povos
isolados.
A revolta maior entre as
lideranças indígenas foi a crítica a Raoni, líder do povo caiapó, reconhecido
por sua atuação e luta em defesa dos povos indígenas no Brasil e no mundo,
chegando a ser indicado pelas comunidades brasileiras e ativistas ambientais
como sugestão ao Nobel da Paz. Bolsonaro, em seu discurso, disse que “acabou o
monopólio de Raoni” e que ele teria sido usado “como peça de manobra por
governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses
na Amazónia”.
Para a presidente da Associação
Terra Indígena do Xingu (Atix), Yanukula Kaiabi Suiá, Bolsonaro ofendeu não
somente Raoni, como todos os povos indígenas. “Ofende o reconhecimento e o
trabalho que Raoni vem fazendo durante mais de 40 anos na defesa de direitos
dos indígenas”, disse. A Atix representa 16 povos do território indígena do
Xingu, incluindo a etnia kalapalo, levada por Bolsonaro na comitiva, e que não
a reconhecem como representante.
“O governo brasileiro ofende as
lideranças indígenas do Xingu e do Brasil ao dar destaque a uma indígena que
vem atuando constantemente em redes sociais com objetivo único de ofender e
desmoralizar as lideranças e o movimento indígena do Brasil”, já havia escrito
em carta a Atix, após o anúncio de que Ysani seria levada à ONU.
Ainda, dos mais de 300 povos
indígenas brasileiros, somente um, o Grupo Indígenas Agricultores defende
Bolsonaro e suas políticas de Estado. A carta lida, inclusive, não foi de
Ysani, mas por “supostos líderes de comunidades favoráveis a mudanças na
legislação sobre terras indígenas e a abertura dos territórios para a
exploração económica em larga escala”, revelou a BBC.
De acordo com o representante da
Associação Floresta Protegida (AFP), na bacia do Xingu, O-é Kayapó, Ysani só
tem o apoio de sua própria família. “Ysani tem um pensamento muito ao contrário
da maioria do povo que vive nas aldeias. Por ela ter crescido na cidade, acabou
confundindo ou se perdendo entre as duas culturas branca e indígena”, disse à
reportagem.
A menção de Bolsonaro aos homens
das cavernas também foi mal vista entre os indígenas. Para a Coordenadora da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, com a
comparação, o presidente brasileiro foi “racista e revela seu desrespeito
quanto aos diferentes modos de vida dos povos indígenas”.
“É Bolsonaro quem ainda parece
viver nas cavernas”, retrucou Marivelton Baré, presidente da Federação das
Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). “Ele diz que nós queremos
ingressar na sociedade, mas a gente já faz parte da sociedade, mas sem esquecer
nossa cultura e sem buscar uma integração total. Nós lutamos pelo nosso modo de
ser”, disse.
Na foto: O-é Kayapó é líder na
Associação Floresta Protegida (AFP), no Pará, disse que indígena levada por
Bolsonaro à ONU 'só tem o apoio da própria família' entre comunidades do Xingu
- Foto: BBC/Arquivo
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