A sociedade alemã está ficando
cada vez mais intolerante com visões divergentes, e o resultado pode ser um
pensamento homogêneo perigoso. Ao evitar opiniões incômodas, a democracia se
sabota, opina Christoph Hasselbach.
"Não concordo com o que o
senhor está dizendo, mas vou lutar até ao fim para que possa dizê-lo." Os
que tentaram interromper a aula de Bernd Lucke, fundador do partido populista
de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), na Universidade de Hamburgo, deveriam
ler com bastante atenção essa citação do filósofo iluminista francês Voltaire.
A frase descreve um dos
fundamentos da democracia: a liberdade de opinião. Atualmente ela está mais
ameaçada no país do que muitos pensam. Está certo: aquele que, aqui na Alemanha,
defende certas posições divergentes do mainstream não vai parar na
cadeia. Formalmente, a liberdade de opinião é garantida. Mas essa
pessoa de visão diferente está ameaçada de ser proscrita pela
sociedade, pelo menos pela parte dela que dita o tom.
O caso de Bernd Lucke é
especialmente extremo: não se trata sequer do tema de sua aula sobre economia,
que já foi interrompida duas vezes e só se realiza sob proteção policial. Não,
para os ativistas basta o fato de ele ter sido um dos pais da AfD. Isso, embora
já tenha há muito abandonado o partido, justamente por achar que tendia demais
para a direita. Se dependesse dos manifestantes, o homem nunca mais deveria
poder falar em público, não importa sobre que tema.
Recentemente o ex-ministro do
Interior Thomas de Maizière teve destino semelhante. A palestra do
democrata-cristão planejada na Universidade de Göttingen teve que ser
cancelada por causa de um bloqueio promovido por grupos de esquerda. Se nem as
instituições de ensino superior são mais um local de debate aberto, onde é que
nós estamos?
O leque de opiniões
aceitáveis se torna cada vez mais estreito. Uma grande parte da população
também tem essa sensação: em diversas enquetes, uma grande maioria dos
consultados afirma ser preciso tomar muito cuidado com o que se diz, em relação
a certos temas, pois senão há perigo de exclusão por colegas, amigos e
vizinhança. E qualquer ascensão profissional se torna impossível.
Em primeiro lugar, muitos
mencionam tudo o que tem a ver com migração. O assim chamado resgate marítimo
de refugiados no Mediterrâneo é um exemplo perfeito de como qualquer um que
expresse a menor dúvida a respeito é declarado um monstro radical.
E, no entanto, todos sabem que a
emergência marítima é provocada intencionalmente, e é parte de um bem
organizado tráfico humano entre a África e a Europa. Até mesmo o ministro do
Interior, Horst Seehofer, teve que fazer meia-volta no estreito corredor das
opiniões. Em se tratando de alguém com seu histórico de rebelde de direita dos
partidos conservadores cristãos alemães, isso quer dizer algo!
Diretrizes não escritas
igualmente rígidas valem para a temática do clima. Quem ressalva cautelosamente
que também devem ser considerados os aspectos sociais de um desvio radical de
nosso estilo de vida fica sob grave suspeita de negar quão dramática é a
situação.
E, então, quem se confesse
comedor de carne impenitente, consumidor de voos de longa distância ou dirige
um carro utilitário perde toda aceitação como figura pública. Por sua vez,
defensores radicais do clima como Roger Hallam, do Extinction Rebellion, ou a
capitã do Sea Watch 3, Carola Rackete, podem colocar fundamentalmente a
democracia em questão, enquanto forma de Estado, sem ser marginalizados.
As opiniões-tabu não constam de
nenhuma lista de interdições, mas todos as conhecem. E, por bons motivos, a
maioria se mantém atrás das fronteiras traçadas pelo espírito da época. É isso
que é fatal: colocamos algemas em nós mesmos.
Mas a democracia vive da briga,
da diversidade de opiniões. Se a banda é estreita demais, porque os divergentes
têm medo de se manifestar, a sociedade se torna letárgica. E acaba se privando
de um de seus mais importantes direitos fundamentais democráticos: a liberdade
de expressar também opiniões incômodas.
Christoph Hasselbach | Deutsche
Welle | opinião
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