Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião
Em 2018 a Google faturou 4200
milhões de dólares na Austrália, onde pagou 27 milhões em impostos porque a
maior parte das receitas foram registadas em Singapura e depois transferidas
para as Bermudas. A Uber declarou lucros de 786 milhões que, depois de transferidos
para a Holanda, pagaram 8,5 milhões em impostos.
Este ano, as autoridades
francesas acusaram a Google de ter escapado ao pagamento de impostos no valor
de 1600 milhões através da Irlanda. E muitos outros casos têm vindo a público
envolvendo multinacionais como a Amazon ou a Apple.
Um estudo recente ("The
Missing Profits of Nations") estima que 40% dos lucros das empresas
multinacionais estejam a ser desviados para offshores. Só na União Europeia, a
perda de receita fiscal é de 20%. Segundo outra estimativa do FMI, a perda de
receita fiscal mundial associada à evasão das multinacionais é de 450 mil
milhões de euros, mais do dobro do PIB português.
Esta gigantesca evasão fiscal é
feita através daquilo que ficou conhecido por "erosão da base tributária e
transferência de lucros". Na prática, o que está em causa é o
aproveitamento de diferentes legislações para transferir lucros para
territórios onde os impostos são menores ou mesmo nulos. Estes territórios
podem ser offshores, como as ilhas Caimão ou as ilhas Virgens Britânicas, mas
também países da UE, como a Irlanda, a Holanda ou o Luxemburgo.
A gravidade da situação motivou
várias propostas da OCDE e da União Europeia que, não indo tão longe quanto
necessário, representam avanços face ao desastre atual. Uma delas é o chamado
Reporte por país: a obrigação das multinacionais publicarem informações básicas
sobre o local onde realizam os seus lucros e pagam os seus impostos. A proposta
para alargar e melhorar este regime chegou a ser transformada numa Diretiva
Europeia, aprovada pela Comissão em 2016 e pelo Parlamento Europeu em 2017, não
tendo avançado desde então.
Ficámos a saber que esta medida
está a ser bloqueada no Conselho Europeu, onde se reúnem os governos nacionais.
E que uma das forças de bloqueio, ao lado do Luxemburgo e Irlanda, é o Governo
português, que está há anos para tomar posição. O mesmo Governo do PS que
declarou no seu programa querer "bater-se por uma maior justiça fiscal à
escala europeia, combatendo a erosão das bases tributáveis entre diferentes
estados".
Tendo sido já confirmada por
fontes oficiais, esta não-posição do Governo português é muito grave, tanto
mais porque foi mantida em segredo. O papel do Parlamento agora é exigir
explicações e obrigar a uma tomada de posição. É o que faremos a partir de hoje.
*Deputada do BE
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