terça-feira, 26 de novembro de 2019

O segredo do Governo: bloqueio à lei de combate à evasão fiscal das multinacionais


Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião

Em 2018 a Google faturou 4200 milhões de dólares na Austrália, onde pagou 27 milhões em impostos porque a maior parte das receitas foram registadas em Singapura e depois transferidas para as Bermudas. A Uber declarou lucros de 786 milhões que, depois de transferidos para a Holanda, pagaram 8,5 milhões em impostos.

Este ano, as autoridades francesas acusaram a Google de ter escapado ao pagamento de impostos no valor de 1600 milhões através da Irlanda. E muitos outros casos têm vindo a público envolvendo multinacionais como a Amazon ou a Apple.

Um estudo recente ("The Missing Profits of Nations") estima que 40% dos lucros das empresas multinacionais estejam a ser desviados para offshores. Só na União Europeia, a perda de receita fiscal é de 20%. Segundo outra estimativa do FMI, a perda de receita fiscal mundial associada à evasão das multinacionais é de 450 mil milhões de euros, mais do dobro do PIB português.

Esta gigantesca evasão fiscal é feita através daquilo que ficou conhecido por "erosão da base tributária e transferência de lucros". Na prática, o que está em causa é o aproveitamento de diferentes legislações para transferir lucros para territórios onde os impostos são menores ou mesmo nulos. Estes territórios podem ser offshores, como as ilhas Caimão ou as ilhas Virgens Britânicas, mas também países da UE, como a Irlanda, a Holanda ou o Luxemburgo.

A gravidade da situação motivou várias propostas da OCDE e da União Europeia que, não indo tão longe quanto necessário, representam avanços face ao desastre atual. Uma delas é o chamado Reporte por país: a obrigação das multinacionais publicarem informações básicas sobre o local onde realizam os seus lucros e pagam os seus impostos. A proposta para alargar e melhorar este regime chegou a ser transformada numa Diretiva Europeia, aprovada pela Comissão em 2016 e pelo Parlamento Europeu em 2017, não tendo avançado desde então.

Ficámos a saber que esta medida está a ser bloqueada no Conselho Europeu, onde se reúnem os governos nacionais. E que uma das forças de bloqueio, ao lado do Luxemburgo e Irlanda, é o Governo português, que está há anos para tomar posição. O mesmo Governo do PS que declarou no seu programa querer "bater-se por uma maior justiça fiscal à escala europeia, combatendo a erosão das bases tributáveis entre diferentes estados".

Tendo sido já confirmada por fontes oficiais, esta não-posição do Governo português é muito grave, tanto mais porque foi mantida em segredo. O papel do Parlamento agora é exigir explicações e obrigar a uma tomada de posição. É o que faremos a partir de hoje.

*Deputada do BE

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