quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Portugal | Camelo em pista de gelo


Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias | opinião

Segunda-feira, dia 18 de novembro de 2019, duas da tarde. Escrevo este texto numa esplanada de Carcavelos. Está sol, a sensação térmica supera os 20 graus, há turistas no areal a bronzear-se.

É o novo normal, as pessoas estranham é quando chove no outono. Leio nos jornais que dois terços do país estão em seca severa ou extrema e que existem aldeias onde a água só chega em camiões-cisterna. O deserto aproxima-se a passos largos e o clima em Portugal assemelha-se cada vez mais ao do Norte de África.

Repito informação de uma realidade que todos bem conhecemos para tentar perceber o que leva um governante a anunciar orgulhosamente que os impostos dos portugueses vão ajudar a pagar a construção de um pavilhão do gelo em Lisboa. Puseram o país a olhar (imaginar) como boi para esse palácio. Não é uma pista de gelo, como aquela que existe em Viseu, paga e explorada por privados, ou aquela que a própria Federação de Desportos de Inverno quer montar na Covilhã, orçamentada em 400 mil euros. É um pavilhão para a prática de desportos de inverno, para custar milhões de euros. É este o novo desígnio para o país, construir uma infraestrutura que permita aos turistas fazer patinagem no gelo ou "curling", depois de uma volta de camelo nas portas do deserto ao sul do Tejo. Com um bocadinho de imaginação, ainda conseguem fazer um circo no gelo e o camelo faz umas horas extras de patinagem, para gáudio dos turistas.


Neste país de contribuintes ordeiros, o secretário de Estado da Juventude e Desporto pode fazer este anúncio que ninguém se revolta. É mais uma obra para nascer em Lisboa com os impostos dos que são permanentemente ignorados pela capital. Tudo por um prato de lentilhas, muito na linha da política à portuguesa: o senhor João Paulo Rebelo fez este anúncio de milhões para uma federação desportiva que tinha acabado de o distinguir como "Personalidade do Ano". Coisa mais pacóvia é difícil de imaginar.

Este governante nasceu para a representação política em Viseu (vereador sem pelouro e deputado eleito), mas não se nota. É um, entre vários, daqueles que não se percebe porque se mantiveram no cargo. Fez uma lei sobre claques e violência no desporto e gosta muito de falar sobre o tema, mas a (in)competência do dito governante em prevenir a violência é factual: um adepto italiano do Sporting foi morto junto ao estádio da Luz e membros da claque do Sporting invadiram o centro de treinos agredindo vários jogadores. A quem serve este secretário de Estado?
*Jornalista

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