Thierry Meyssan*
Nada trava o Pentágono. Quando o
projecto de colocação militar em torno da China, evocado por Hillary Clinton em
2011, havia sido oficialmente abandonado, a OTAN acaba de o oficializar pela
Cimeira de Londres. O processo foi lançado e deverá começar pela adesão da
Austrália em 2026.
A imprensa internacional apenas
reteve da Cimeira (Cúpula-br) do 70º aniversário da OTAN, em Londres, a
vozearia que a precedeu e os sarcasmos que a ritmaram. O que era importante
estava, é claro, noutro lado [1].
Aquando da sua criação, a função
da Aliança Atlântica foi resumida pelo seu Secretário-geral, Lord Hastings
Lionel Ismay como a de «Manter a União Soviética no exterior, os Americanos no
interior e os Alemães fora de jogo» (keep the Soviet Union out, the Americans
in, and the Germans down) [2]. Tendo este
objectivo desaparecido com a queda da «pátria do comunismo», houve um esforço para
apresentar a Federação da Rússia como a sua continuação. Depois aceitou-se a
ideia de autorizar a Alemanha a dispor da sua própria política. Por fim,
encarou-se estender a Aliança para o Pacífico a fim de «barrar» a China; o que
acaba de ser confirmado.
Os insultos actuais dão uma má
imagem da Aliança, mas eles correspondem ao retorno da secular rivalidade
franco-alemã. A França entende tornar-se uma enorme potência, ao mesmo tempo
graças à sua bomba atómica como graças ao Estado supranacional europeu, enquanto
a Alemanha não pode pensar voltar a ser uma potência militar sem a proteção
nuclear da OTAN [3].
A novidade, é a possível abertura
da frente chinesa. Isso suporia transformar a Aliança Atlântica em «Aliança
atlântico-pacífico». Segundo os estudos do Pentágono, conviria, desde logo,
fazer aderir a Austrália, a Índia e o Japão de maneira a cercar a China tal
como fizeram com a Rússia. Este processo, que deverá levar uma década, acaba de
começar com a Cimeira de Londres.
Desde já, o US PaCom, quer dizer,
o Comando dos Estados Unidos para o Pacífico, foi renomeado pelo Secretário de
Defesa, Jim Mattis, como US IndoPaCom [4].
Depois o novo Secretário de
Defesa, Mark Esper, o Secretário de Estado, Mike Pompeo, e o Secretário-geral
da Aliança, Jens Stoltenberg, foram discretamente a Sidney, no início de Agosto
passado, para sondar os dirigentes australianos, os quais se sentiram muito
lisonjeados embora também assustados com a perspectiva de ter que abrigar
mísseis nucleares [5].
Contactos foram identicamente feitos com a Índia e o Japão, mas foram muito
menos frutuosos. Além disso, os Estados Unidos reviram a sua política em
relação à Coreia do Sul, à Indonésia, ao Mianmar, às Filipinas, à Tailândia e
ao Vietname (Vietnã-br) para aproximar seus respectivos exércitos. Estes
Estados estão acostumados a trabalhar com o pessoal do Pentágono, mas nem por
isso uns com os outros.
Pequim tinha percebido desde 2014
que a vontade dos EUA em deixar o Tratado sobre as Forças Nucleares de Alcance
Intermédio traduzia menos uma perspectiva anti-russa e mais uma ameaça para si.
É agora claro que haverá uma colocação de mísseis nucleares dos EUA a toda a
volta da China e que a OTAN se seguirá.
Para os Chineses, é um regresso
ao passado, quando no fim do século XIX os Estados Unidos elaboraram a sua
«doutrina da Porta aberta». Tratava-se de instaurar um pacto entre os impérios
coloniais a fim de que estabelecessem uma forma de livre concorrência comercial
entre si, e explorassem regiões subdesenvolvidas, em vez de se guerrearem para
se apropriarem de um território. Dada a sua superioridade industrial,
Washington estava segura em prevalecer. Para prosseguir esta agressão,
desenvolveu um discurso calmante. Apoiou a «integridade territorial e a
soberania» de países onde desejava fazer negócios. Favoreceu o fortalecimento
de governos locais na medida em que só esses podiam garantir a aplicação de
tratados desiguais. Desta maneira, controlavam-se os povos a si próprios em seu
benefício. O carácter mentiroso das declarações de princípio dos EUA foi
verificada durante as agressões japonesas contra a China: Washington apoiou
todas as demandas japonesas e deixou despedaçar a China Oriental.
Foi precisamente esta experiência
de se ter batido contra todos os Impérios coloniais coligados contra si — e
incluída a Rússia czarista — que levou o Presidente Xi Jinping a aproximar-se
do seu homólogo russo, Vladimir Putin, já que o seu país sofreu de seguida o
mesmo tipo de agressão : no seu íntimo os dois Estados sabem que terão que os
enfrentar mais dia menos dia. No entanto, o Pentágono apostou que quando a
ameaça chegar Moscovo não apoiará Pequim; uma avaliação de risco anterior aos
mísseis hipersónicos russos.
A China não prevê esta guerra nos
mesmos termos que a OTAN: ela pensa deslocar o campo de batalha para a esfera
informática e destruir as armas da Aliança do Atlântico Norte Ampliada com
ciberataques antes que esta as utilize.
Em Outubro de 2011, a Secretária
de Estado Hillary Clinton lançava, na Foreign Policy, o seu apelo à
«viragem para a Ásia» (pivot to Asia) : os Estados Unidos deviam deixar a
Europa e o Médio-Oriente Alargado para se deslocar para o Extremo-Oriente [6].
O Conselheiro de Segurança Nacional, Tom Donilon, explicitava este plano, em
Março de 2013, perante a Asia Society [7].
Ele envolvia, nomeadamente, um dispositivo diplomático e financeiro, o projecto
de Acordo de Parceria do Transpacífico. No entanto, muito rapidamente o
Pentágono rectificou o tiro: não se trataria de abandonar uma parte do mundo
por outra, mas de se estender de uma para a outra. Era a noção de
«reequilíbrio» (rebalance), única compatível com a continuação da «guerra sem
fim» (war without end) no Médio-Oriente Alargado. Não conseguindo convencer, o
Pentágono colocou abruptamente fim ao debate sublinhando que era impossível, de
um ponto de vista orçamental, manter três frentes ao mesmo tempo [8].
Em seguida, o Pentágono adquiriu uma grande quantidade de armas que tem vindo a
armazenar no Pacífico.
Desde a sua chegada à Casa
Branca, o Presidente Donald Trump tentou parar esta miragem retirando os
Estados Unidos do Acordo de Parceria do Transpacífico. Mas nada conseguiu. O
Pentágono prosseguiu inexoravelmente o seu rumo e acaba de impor a sua visão
após nove anos de inútil palavreado.
Enquanto que do ponto de vista
francês, a OTAN está em estado de «morte cerebral», o Pentágono começou a sua
mutação para uma organização global. Todos os Países-Membros assinaram, sem
reflectir, a Declaração de Londres que estipula:
«Estamos conscientes que a influência crescente e as políticas internacionais da China significam, simultaneamente, oportunidades e desafios, aos quais devemos responder conjuntamente, como Aliança» [9].
O processo está lançado.
Thierry Meyssan* |
Voltaire.net.org | Tradução Alva
*Intelectual francês,
presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas
análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana
e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras: L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores,
2008).
Imagem: O Secretário-geral da
OTAN, Jens Stoltenberg, pronunciou-se, a 7 de Agosto de 2019, perante o Lowy
Institute de Sydney. Lá ele afirmou que a OTAN não que quer instalar-se no
Pacífico ... mas que a China aí ameaça os Aliados.
Notas:
[1]
“Cimeira NATO,
reforça-se o partido da guerra”, Manlio Dinucci, Tradução Maria Luísa de
Vasconcellos, Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire, 8 de
Dezembro de 2019.
[2] Whitehall,
Peter Hennessy, The Free Press, 1989.
[3]
“Seis projectos
contraditórios de ordem mundial”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede
Voltaire, 19 de Novembro de 2019.
[4]
“O US PaCom torna-se
US IndoPaCom”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Junho de 2018.
[5]
“Australia-US
Ministerial Consultations (AUSMIN) 2019”, Voltaire Network, 4 August
2019.
[6]
“America’s
Pacific Century”, Hillary Clinton, Foreign Policy, October 11, 2011.
[7]
“The United States and
the Asia-Pacific in 2013”, by Tom Donilon, Voltaire Network, 11 March
2013.
[8]
“DoD
Official: Asia Pivot ‘Can’t Happen’ Due to Budget Pressures”, Defense
News, March 4, 2014.
[9]
« Déclaration de
Londres », Réseau Voltaire, 4 décembre 2019.
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