terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Moçambique | Caso Manuel Chang: Os pecados da PGR

Beatriz Buchili, Procuradora da República de Moçambique

Em Moçambique, a PGR só suspira em casos de muita aflição e muito extemporaneamente. E o caso do ex-ministro Manuel Chang só veio provar mais uma vez o quão moribunda está. O que a PGR poderia ter feito ao nível interno?

Só nove dias depois da detenção do cidadão moçambicano Manuel Chang na África do Sul é que a Procuradoria Geral da República, PGR, se pronunciou sobre o caso. O ex-ministro das Finanças e deputado foi detido no âmbito de um mandato de detenção emitido pelo Departamento de Justiça dos EUA.

O caso está relacionado com as dívidas ocultas nas mãos da justiça moçambicana há alguns anos sem que se conheçam avanços. Mas a PGR informou agora que prossegue com a instrução preparatória, tendo sido, até ao momento, constituídos 18 arguidos, entre servidores públicos e outros cidadãos, indiciados da prática de crimes de abuso de cargo ou função, abuso de confiança, peculato e branqueamento de capitais.

Reação extemporânea?

Não vem tarde o ponto de situação sobre o caso? O advogado Rodrigo Rocha comenta: "A nossa PGR tem o hábito de atuar bastante tarde relativamente àqueles casos que são considerados quentes na justiça moçambicana, e esta não é a excessão à regra."

E Rocha lembra que "mais uma vez atuaram tarde, dando essa justificação como o próprio conteúdo que foi transmitido, quase que dão a entender que não são favoráveis a estas demarches que são feitas pela justiça norte-americana, para que essas pessoas possam ser levadas a justiça moçambicana. Não só pecou pela demora como pecou quando deu a entender que não está muito satisfeita com esta posição."

Quebra do sigilo bancário?

No primeiro trimestre de 2017, a PGR teria solicitado a quebra do sigilo bancário para o caso de altos funcionários do Estado e/ou seus próximos.

São apontados cerca de 20 nomes, a citar: O ex-Presidente do país, Armando Emílio Guebuza  e seus filhos Mussumbuluko Guebuza e Ndambi Guebuza, Carlos Alberto Simango, Carlos Zacarias, Pestana, Edson Macuácua, Renato Matusse, Neuza Cristina, Marlene Magaia, ex-conselheiros de Armando Guebuza, Francisco Cigarro, embaixador de Moçambique em Abu Dhabi, Riduane Adamo, conselheiro diplomático, José Bernardo Maneia cônsul-geral de Moçambique no Dubai, Lisete Chang, falecida esposa de Manuel Chang, Ângela Buque, esposa de Gregório Leão, ex-diretor da SISE, Guilhermina Langa, sócia de Renato Matusse, conselheiro de Guebuza, Isidora Faztudo, ex-membro da Comissão Política da FRELIMO, falecida, Maria Eugénia Gamito, esposa de Henrique Gamito, alto quadro da EMATUM, Salvador Mula e Teófilo Nhangumele.


Manuel Chang, ex-ministro das Finanças e deputado da FRELIMO


Não houve quebra de sigilo bancário
Mas o advogado Rodrigo Rocha não acredita que tenha havido a quebra do sigilo bancário em Moçambique e justifica: "Até agora pelo que vi ainda não houve nenhuma violação de sigilo bancário, não houve ninguém que tivesse divulgado o que existe, pelo menos dentro das instituições regidas pela lei moçambicana, da qual posso comentar, mas sim uma quebra do segredo de justiça quando há divulgação dos nomes. E essa quebra pode prejudicar a investigação em vários momentos."

Embora a PGR tenha o caso das dívidas ocultas em mãos há algum tempo, não conseguiu ainda conduzir o processo a um desfecho. No comunicado apresentado nesta segunda-feira (07.01.), a PGR alega constrangimentos.

Por exemplo, diz que não obteve respostas as cartas rogatórias enviadas as autoridades norte-americanas e dos Emirados Árabes Unidos.

Há matéria suficiente para uma ação interna, sim...

O advogado Rocha até compreende esses empecilhos, mas recorda que "ainda assim, por aquilo que são os indícios trazidos pelo relatório da auditoria, a nossa lei já tem matéria suficiente para que essas pessoas pudessem ser sancionadas em termos legais moçambicanos, independentemente de haver algum agravamento das eventuais condutas que tivessem cometido pelo facto de ter sido envolvido em outras jurisdições para além da justiça moçambicana."

Em meados de 2017 um relatório sobre as dívidas ocultas, avaliadas em cerca de dois mil milhões de dólares, foi entregue à PGR.

Foi o resultado de uma auditoria externa exigida pela comunidade internacional, e tem apoiado o Orçamento de Estado de Moçambique, e pela sociedade civil local. Desde então nenhum avanço sobre o caso foi dado a conhecer publicamente.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

Lixo em Luanda: Um dos problemas a resolver pelo novo governador


Há amontoados de lixo em várias zonas da capital angolana. Já caem as primeiras chuvas e os cidadãos estão preocupados com a falta de recolha de resíduos. Este é um dos desafios do novo governador, Sérgio Luther Rascova.

problema do lixo não é novo em Luanda, mas a esperança é que o novo governador, Sérgio Luther Rascova, o possa resolver de uma vez por todas.

Pedro Matubacana, morador do Cazenga, um dos municípios mais populosos de Luanda, está preocupado com a falta de recolha de lixo.

"O lixo aqui no município está uma calamidade, a ponto de não se conseguir perceber onde começa o lixo e onde começam as casas", afirma. "Não se consegue compreender como é que, num país com tanto recursos como o nosso, munícipes aqui dentro de Luanda vivem nestas condições!"

Numa ronda efetuada pela DW África em várias zonas da capital, constatámos amontoados de lixo em muitas ruas. Há locais onde nem há contentores.

Combate ao lixo é prioridade

Em dezembro, foi aprovado um novo modelo de recolha de lixo em Luanda. Ainda assim, a cidade continua suja.

Mas Sérgio Luther Rascova, empossado como governador na última sexta-feira (04.01), diz que o combate ao problema do lixo e da falta de valas de drenagem é uma das suas prioridades.

"A questão relacionada com a macrodrenagem é fundamental para atenuarmos os efeitos negativos das quedas pluviométricas que Luanda recebe. A questão relacionada com a limpeza ou saneamento básico também é crucial, sem nos esquecermos das infraestruturas rodoviárias", disse o governante de 38 anos. 

Outros problemas na província

O analista político Augusto Báfuabafua alerta, no entanto, que, além das questões já conhecidas do lixo e do saneamento básico, há outros problemas por resolver.

"Aqui em Luanda olha-se muito para a questão do lixo ou da mobilidade. Talvez sejam dois dos maiores problemas, mas nem de longe são os únicos", diz. "Parece que o nosso governador de Luanda tem um desconhecimento da profundidade dos problemas dessa nossa província de Luanda, porque o governador não é da cidade, é da província, ou seja vai muito mais além."

Segundo Báfuabafua, também é preciso assegurar a construção de habitações e a melhoria dos sistemas de abastecimento de água e de eletricidade.

Dar o benefício da dúvida

Antes da sua nomeação como governador, Sérgio Luther Rascova era 1º Secretário da Juventude do Movimento Popular de Libertação de Angola (JMPLA), deputado e membro do Conselho da República.

A sua indicação gerou um debate nas redes sociais por causa da sua idade e alegada falta de experiência governativa.

Para o analista Milonga Bernardo, estas reações negativas são um "falso problema". Aponta como exemplo o facto de o ex-Presidente José Eduardo dos Santos ter apenas 36 anos quando substituiu António Agostinho Neto na Presidência angolana, em 1979. 

"A competência nada tem a ver com a idade. Não estou aqui a atestar que seja competente ou não. Não o conhecemos do ponto de vista daquilo que tem a ver com as suas capacidades. Então, acho que é o momento de podermos apoiar todos o nosso governador", afirma Milonga Bernardo.

"Existem muitos tais experientes, mas que que nada, ou quase nada, têm estado a trazer para a gestão do país. Eu sou daquelas pessoas que acham que é importante que se dê oportunidade aos jovens, e os jovens devem somente procurar responder com brio e procurar não desiludir."

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

O ultra-capitalismo controlará a longevidade?


Avanços médicos prometem ampliar em décadas a expectativa de vida humana. Mas – sinal dos tempos – pode ser apenas para um punhado de super-ricos. Quais as consequências econômicas e éticas?

Jessica Powel | Outras Palavras | Tradução: Felipe Calabrez

Você já deve ter lido sobre os bilionários da tecnologia que estão apoiando pesquisas ambiciosas sobre a longevidade. Entre eles estão Larry Ellison, que investiu centenas de milhões de dólares em pesquisa anti-envelhecimento; Larry Page, da Alphabet, que colocou um bilhão de dólares na Calico, uma misteriosa empresa de extensão de vida. E há o fundador do PayPal e o senhor das sombras de todos os propósitos, Peter Thiel, que está sugando o sangue do pescoço de… bem, espere, não está muito claro o que Peter Thiel está fazendo. Mas ele demonstrou interesse na parabiose, que envolve a obtenção de transfusões de sangue de jovens.

O interesse da indústria de tecnologia na imortalidade não é surpreendente: conquistar a morte seria o último santo graal a romper – e uma nova e fabulosa oportunidade de mercado. Embora neste caso o interesse provavelmente não seja apenas intelectual e capitalista. Acessar a eternidade (ou algo próximo disso) seria o ato mais extremo de auto-exaltação: prova eterna do gênio e superioridade de alguém.

É por isso que muitos dos esforços empregados na busca da vida eterna têm se concentrado compreensivelmente na ciência e nas personalidades por trás dela – o vasto financiamento proveniente de pessoas que construíram suas fortunas fazendo software e que parecem acreditar que o envelhecimento é um código que pode ser quebrado.

No entanto, pouco tem sido escrito sobre as consequências que poderiam surgir se esses bilionários – vamos chamá-los de Centenários — conseguissem empurrar a si mesmos, e seus amigos ricos, para o clube de três dígitos.

O contexto é: as estimativas atuais preveem que a expectativa de vida de alguém nascido em 2050 estará em torno dos 90 anos – um avanço pequeno, mas importante, devido ao progresso gradual na pesquisa e combate a doenças específicas. Mas os que buscam projetos de longevidade muito mais ambiciosos dizem que podemos ir bem além. Alguns cientistas duvidam que haja um limite absoluto para o corpo humano e outros afirmam que este limite pode se estender até os 1000 anos (neste caso, ao fim, chamaremos os Centenários de Milenários)…

Em países como os Estados Unidos, já existe uma diferença de vida de 20 anos entre diferentes grupos socioeconômicos, com uma idade média de 66 anos em algumas das comunidades mais pobres, em comparação com 87 em áreas mais ricas1. É possível imaginar que, até o final do século, o abismo entre as expectativas de vida possa aumentar ainda mais, já que os caríssimos avanços em biotecnologia, nanotecnologia, robótica e outros estão disponíveis apenas para os verdadeiramente ricos.

Sabemos há muito que a expectativa de vida não é apenas a combinação de bons genes e vida saudável, mas que riqueza e meio ambiente também desempenham papéis importantes. A diferença é que, no futuro, mais ainda do que o presente, uma vida mais longa pode ser algo que se pode adquirir imediatamente. E o que pode ser adquirido por uma pessoa é muitas vezes cobiçado por muitos; o que é cobiçado por muitos em geral se torna uma grande oportunidade de mercado.

Uma oportunidade de mercado, no setor de tecnologia, é frequentemente expressa como “democratização”. Assim como o Vale do Silício democratizou publicações, comunicações, informações e pagamentos, agora os Centenários de tecnologia estariam se preparando para ajudar a “democratizar a longevidade”.

Como quer que seja chamado — longevidade, extensão de vida, “melhor envelhecimento” — o campo provavelmente seguirá os passos da blockchain, realidade virtual e inteligência artificial, repleto de avanços legitimamente inspiradores, bem como de alegações ilusórias. Ainda mais do que hoje, provavelmente veremos substâncias bioativas e suplementos que prometem melhorar a vida em nossos alimentos e bebidas, além de gadgets e aplicativos que estimulam, lembram ou até mesmo exigem certas modificações no estilo de vida para manter o usuário saudável. Sob a promessa de vencer a morte, nossos corpos poderão ser medidos, monitorados e manipulados a cada momento, numa extensão muito mais impressionante do que um Fitbit primitivo dizendo quantos passos você dá durante o dia.

Aos poucos, viveremos todos um pouco mais — não de forma exponencial, mas gradual – com as migalhas das conquistas obtidas pelos Centenários. E você pode apostar: o mesmo setor que quer nos ajudar a decifrar a imortalidade terá muitos serviços suplementares para nos vender, enquanto nos dirigimos suavemente ao túmulo. É apenas o mais leve ato de futurismo imaginar o setor de tecnologia trazendo fármacos entregues por drone, cadeiras de rodas terrestres auto pilotadas e dentaduras que analisam a composição da saliva para alertar, a nós e a nossos médicos robôs, sobre qualquer mudança preocupante em nossa vida. Podemos esperar algum sinal desses serviços bem antes do meio deste século.

É claro, há muito se afirma que o envelhecimento da população exercerá enorme pressão sobrea infra-estrutura social. Basta pensar nas implicações para o meio ambiente, transporte, assistência médica e a quantidade de espaço alocado para reclamações longas na seção Cartas ao Editor do único jornal restante. Mas menos atenção tem sido dada à desigualdade de idade. Embora qualquer discussão sobre o futuro esteja fadada a ser especulativa, a desigualdade potencial de nossas datas de morte merece mais atenção.

Em primeiro lugar, a desigualdade de renda provavelmente piorará. Isso porque a morte tem sido um grande redistribuidor de riqueza. Sem a morte, para efetivar um pesado imposto sobre herança, os Centenários concentrarão uma fatia ainda maior do dinheiro do mundo. Você julga que a distribuição de riqueza é desigual hoje em dia? Pense sobre como seria quando os ricos morressem muito mais lentamente do que o resto da população e quando não houvesse imposto sobre o capital para impedi-los de acumular mais.

O poder é um corolário da riqueza. É derivado de quanto capital você controla e dos relacionamentos que você constrói com outras pessoas ricas. Em um futuro de grande desigualdade de renda, seria possível esperar uma concentração muito maior de poder nas mesmas mãos (antigas) de antes. Isso pode ser uma benção para o financiamento estatal de rampas de acesso para cadeiras de rodas, mas um mar de líderes ricos e de pele enrugada dificilmente representará a população total ou se alinhará com seus interesses. O que acontece quando um presidente norte-americano de 130 anos determina o orçamento de educação para os alunos que não se aposentam até um século depois?

Isso pode soar como o prelúdio de uma revolta do tipo “Os filhos do Comum contra os Centenários”, mas o aspecto insidioso da desigualdade de idade — como o daa maioria das desigualdades — é que nós a apoiamos tanto quanto a criticamos. Fazemos o possível para melhorar nossa posição pessoal, enquanto simultaneamente tentamos lutar porum princípio maior. E é muito possível que nos lamentemos sobre a desigualdade, porém sejamos impotentes para revertê-la, porque estaremos comprando todos os Kylie Kollagen Kits que pudermos ,e as pessoas com poder de enfrentar a situação serão as mesmas ameaçadas pela revolta.

De todos os bilionários que nos governaram ao longo da história recente, são os bilionários da tecnologia, em particular, que não professam nada além de boas intenções quando falam sobre os problemas que eles próprios criaram. Pode-se imaginar os Centenários da tecnologia — conhecidos por seus fortes valores e declarações de missão — fazendo declarações grandiosas sobre o quão profundamente entristecidos estão com a disparidade de idade. Eles podem fazer promessas para combatê-la; eles vão encomendar pesquisas para explorar suas causas. Talvez eles até doem desodorante de célula-tronco ou o Neural Lace de Elon Musk em cidades de baixa renda.

De fato, podemos imaginar que um período marcado por grande desigualdade de idade, riqueza e poder também será marcado por grandes ações na filantropia, permitindo que os Centenários da tecnologia apresentem-se como forças do Bem. É claro que grande parte de suas doações pode estar concentrada em aliviar as pressões que seus próprios negócios de saúde e extensão de vida criaram. As comunidades de aposentados e os centros de cuidados paliativos poderiam proliferar em número, com o nome do doador do Centenário estampado na entrada, servindo como um lembrete constante de sua generosidade. Lembre-se de tudo isso em seus momentos finais, enquanto eles te levam para o Ambulance Airtube de Travis Kalanick [o fundador do Uber] e você vê sua cidade – agora conhecida como Zucker Berg — zunindo adiante, a cara enrugada de homens brancos e enrugados olhando para baixo com benevolência. Lembre-se de que foi você quem comprou os suplementos e os tratamentos; foi você quem devorou imagens dos rostos de plástico dos Centenários e corpos alegres de 120 anos de idade, pulando em um campo de golfe.

Foi você quem quis viver para sempre. Os Centanários estavam lá para tornar tudo isso possível. Tudo o que aconteceu depois estava fora do controle deles. Um “efeito colateral”, se quiser, da imortalidade.

1Sem falar no Brasil: o Mapa da Desigualdade revela que num único município (São Paulo), a diferença de expectativa de vida chega a 23,7 anos – quando se compara, por exemplo, os elegantes Jardins com o singelo Jardim Ângela [Nota da Tradução].

Na imagem: Vitalik Buterin, bilionário fundador do Ethereum e estimulador da pesquisa de longeividade ampliada, retratado em paródia de imagem do Deus cristão, com uma Lamborghini em mãos

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Washington está insolvente


Os EUA não conseguirão mais ser o polícia global

Doug Bandow [*]

A batalha anual do orçamento está no auge e Washington continua a exibir a sua disfuncionalidade. Esta irresponsabilidade fiscal afeta mais que os programas internos. Nos próximos anos, é provável que determine a política externa e militar dos EUA. 

O governo dos EUA não tem dever mais importante que defender a nação. No entanto, providenciar a "defesa comum", como a Constituição diz, é extremamente fácil. A América tem vastos oceanos a leste e oeste e pacíficos vizinhos no norte e no sul

Hoje, apenas a Rússia, com um arsenal de mísseis nucleares de ponta, poderia lançar um ataque sério à América. No entanto, Moscovo não tem incentivo para fazê-lo, já que o resultado seria uma retaliação devastadora. As forças armadas da China está a expandir-se, mas tendo como objetivo evitar que Washington domine a República Popular da China tanto no seu território como na sua vizinhança.

Existem demasiados terroristas, mas resultam principalmente de políticas dos EUA mal estruturadas que criam inimigos e tornam os conflitos de outras povos conflitos dos próprios EUA. Além disso, embora tais ataques sejam atrozes, eles não representam uma ameaça existencial. Nem as forças convencionais e os arsenais nucleares da América oferecem a melhor resposta; a promiscuidade de fazer a guerra em todo o mundo tem mais probabilidade de acelerar do que diminuir o terrorismo. A melhor opção militarmente seria fazer menos, especialmente no Médio Oriente.

Por quê, então, Washington está a gastar 717 mil milhões de dólares no ano fiscal de 2019 para manter vastos exércitos, esquadras marítimas e aéreas em todo o mundo? De qualquer forma, não para defesa, da América. Trata-se de proteger aliados, afirmar influência, refazer sociedades fracassadas, ditar comportamentos, promover os seus valores e muito mais. Tudo isso pode ter algum valor, embora raramente tanto quanto afirmado. E nenhum tem muito a ver com a proteção do território, das pessoas, do sistema constitucional e da prosperidade dos Estados Unidos.

Infelizmente, atacar é muito mais caro que intimidar. A maior parte dos gastos do Pentágono é para projetar o poder dos EUA e é por isso que os Estados Unidos têm um orçamento militar enorme, igual ao das próximas dúzias de nações juntas. Nenhum deles, ou qualquer combinação deles, poderia derrotar a América. Em vez disso, Washington quer ter a capacidade de orientá-los. O chamado orçamento de "defesa" é o preço da política externa agressiva dos EUA. Fazer o papel de polícia global – não é barato.

Embora os americanos devam estar preparados para pagar qualquer preço necessário para a sua defesa, não se trata de refazer o mundo. Mandar americanos para lutar e morrer por tarefas de importância periférica sempre foi uma tolice. Mesmo que no passado os Estados Unidos se sentissem ricos o suficiente para desperdiçar os seus recursos financeiros em tais atividades, esses dias terminaram. Washington está efetivamente em bancarrota, com enormes responsabilidades financeiras sem suporte orçamental. O seu futuro fiscal irá piorar quando os Baby Boomers continuarem a reformar-se.

No ano passado, o Partido Republicano, outrora o autoproclamado guardião do Tesouro, usou o controle de ambas as Câmaras do Capitólio para aumentar simultaneamente os gastos federais e reduzir os impostos. O resultado foi um défice de 779 mil milhões de dólares, um aumento de 114 mil milhões em relação ao ano anterior. A última vez que o Tio Sam gerou tanta tinta vermelha foi em 2012, tentando recuperar-se da crise financeira.

Infelizmente, os números só vão subir. O Congressional Budget Office calculou que a proposta de orçamento do presidente para 2019 aumentará o défice para quase 1 milhão de milhões de dólares – sem outra crise financeira. E os números continuarão a subir, para 1,527 milhões de milhões em 2028, quase o dobro do ano passado. Haverá 12,4 milhões de milhões extra de défice durante a próxima década.

Esse aumento da dívida seria acompanhado pelo aumento das taxas de juro, que já começaram a sua ascensão inexorável à medida que a Reserva Federal começa a rever a sua política expansionista radical que remonta à crise financeira. O CBO calculou que o "juro líquido", que disfarça os custos federais ao subtrair os juros pagos ao Tio Sam, subirá de 315 mil milhões de dólares no ano passado para 819 mil milhões em 2028.

Isso praticamente dobraria a parte do PIB dedicada aos juros de 1,6% para 3,1% do PIB. Nesse nível, os juros seriam o terceiro maior programa de Washington, menor apenas que a Previdência Social e o Medicare. Em duas décadas, os pagamentos de juros corresponderiam à Previdência Social, atualmente o programa federal mais caro, consumindo então 6,3% do PIB, o mais elevado de todos os tempos.

Infelizmente, os números provavelmente serão piores. O orçamento do presidente aponta objetivos ao Congressional Budget Office de gastos internos discricionários, assim como têm feito a maioria dos presidentes, com poucos resultados, já que o Congresso não está preparado para fechar as suas instalações de Washington, demitir funcionários e eliminar subvenções politicamente populares. Mais importante, essa área não é onde está o dinheiro, respondendo por apenas 15% dos gastos. Levar essas despesas a zero ainda deixaria um défice.

Washington poderia adiar e esperar por notícias económicas melhores do que as esperadas: maior produtividade, menores taxas de juros e crescimento económico mais rápido, que aliviariam as pressões fiscais sobre Washington. No entanto, o inverso também é possível. Na verdade, a guerra comercial do presidente aumenta as hipóteses de mudanças negativas e escapar a uma recessão durante a próxima década exigirá mais que um pouco de sorte. Para combater os adversários políticos poderia aumentar os gastos para "estimular" a economia, adicionados a um défice que já se espera exceder um milhão de milhões (trillion) de dólares anualmente.

Claro que o Congresso poderia cortar nos gastos internos. Para alcançar qualquer coisa que se aproxime de um orçamento responsável, é necessário abordar os quatro grandes pilares dos gastos internos que juntamente com os gastos militares representam 85% do orçamento: juros, que não podem ser reduzidos sem repudiar a dívida; Segurança Social, o tradicional "terceiro trilho" da política dos EUA; Medicare, o igualmente popular programa de assistência médica mais antiga; e Medicaid, a promessa permanentemente subfinanciada de serviços médicos para os pobres. As pressões sobre a despesa são inexoráveis aumentando automaticamente à medida que a população envelhece – quanto maior for a percentagem envelhecida população e quanto mais as pessoas viverem em média mais tempo – então a Previdência Social e o Medicare farão subir o orçamento.

Provavelmente o Congresso agirá como é habitual e ambos gastarão mais e receberão menos do que sob a lei atual. Se assim for, o "Cenário Fiscal Alternativo Alargado" prevê que o endividamento em percentagem do PIB aumentará de 78% no ano passado para 105% em 2028, 148% em 2038 e surpreendentes 210% em 2048. Até mesmo o melhor cenário do CBO em "Extended Baseline", que simplesmente não considera a lei existente, incluindo o fim das reduções de impostos, prevê 152 por cento do PIB em 2048. Maior que na Grécia no início da sua crise orçamental, que gerou dificuldades económicas, deslocamento social e rutura política. Em média na América no último meio século foi de apenas 41%; somente durante a Segunda Guerra Mundial e nas suas consequências imediatas a dívida federal ultrapassou 70%, chegando a 106% em 1946.

Com maiores défices e dívidas, as taxas de juro provavelmente seriam mais altas e o crescimento do PIB menor. Quando a espiral começar, será difícil parar. Primeiro, alertou o CBO, "o aumento das taxas de juro e o aumento do endividamento federal elevam substancialmente os custos líquidos com juros". Os custos líquidos com juros subiram 20% só no ano passado. Não é surpresa, observou a agência, "quanto mais altos forem os custos de juros do governo, mais difícil será atingir qualquer meta específica de redução do défice." De fato, o CBO observou: "O aumento dos juros aumentaria os défices e a dívida e o aumento da dívida custos com juros". Estes seriam então "um dos principais contribuintes para essa lacuna crescente "entre gastos e receita nos próximos anos.

Em segundo lugar, observou o CBO: "Grandes défices orçamentais federais a longo prazo reduziriam o investimento, resultando em rendimento nacional mais baixo e taxas de juros mais altas do que seriam de outra forma. Se o governo pedisse mais dinheiro emprestado, uma quantidade maior de poupanças domésticas e de negócios seria usada para comprar títulos do Tesouro, excluindo assim o investimento privado. Tanto o governo como os credores privados enfrentariam taxas de juros mais altas competindo pelas poupanças. "Isso reduziria a poupança e o investimento privado, inclusive em bens de capital. O que, por sua vez, reduziria a produtividade e o crescimento dos salários reais e, portanto, a produção económica.

A crise pode não parar por aqui, no entanto. Tais circunstâncias, concluiu o CBO, aumentariam "a hipótese de uma crise fiscal". A espiral em direção ao desastre poderia ser rápida: "Taxas de juro mais altas aumentariam as preocupações com o pagamento, o que continuaria a elevar ainda mais as taxas de juro. Mesmo na ausência de uma crise total, esses riscos levariam a custos de empréstimos para o governo e o setor privado mais elevados". O aumento das taxas do títulos do Tesouro reduziria o seu valor, prejudicando a estabilidade das instituições financeiras. As compras em grande escala da Reserva Federal poderiam acelerar a inflação e/ou a depreciação do dólar.

Tal situação "seria, em última instância, insustentável", observou a CBO cortesmente. Imagine-se uma crise ao estilo de 2008, mas com o peso da dívida duas vezes maior.

Claro, que o Congresso poderia aumentar as taxas dos impostos, mas isto não é mais popular do que os cortes na despesa. Além disso, o crescente défice é principalmente resultado do aumento do que é gasto. Na próxima década, o CBO estima que as despesas subirão mais rapidamente que as receitas, 2,2 milhões de milhões, em comparação com 1,9 milhões de milhões. A disparidade cresce ainda mais nos anos futuros, já que "as receitas crescem mais rápido que a economia, mas mais lentamente do que as despesas", segundo a CBO. Sob a chamada "Extended Baseline", a receita média será de 19,8% do PIB enquanto a despesa será de 29% do PIB até 2048. Nos últimos cinquenta anos, esses números foram em média de 17% e 20%, respetivamente.

Neste cenário, o que acontecerá ao Pentágono que gasta tanto tempo e dinheiro, e tantas vidas americanas, protegendo outras nações, a maior parte das quais são populosas e prósperas?

Os cortes são inevitáveis. O lugar óbvio para começar são as operações no exterior, financiadas com suplementos às dotações orçamentais de base. As verbas OCO (Overseas Contingency Operations) atingiram o pico em 2007 e 2008, com 28 por cento dos gastos do Pentágono. De 2001 a 2018, a média foi de cerca de 20%. Esses fundos, na sua maioria, são usados em guerras por nossa opção, engenharia social e outros empreendimentos duvidosos, sem muito a ver com a "defesa comum" dos EUA (esta prática cria outro problema, obscurecendo as despesas militares e os seus propósitos. Tal como CBO explicou, o uso de OCO cria uma imagem imprecisa quanto a gastos futuros com a defesa na ausência de conflitos militares.")

No entanto, reduções muito mais sérias são necessárias. O orçamento base subscreve um sistema de garantias, alianças e implementações que não são sustentáveis - e que não seriam do interesse da América, mesmo que fossem sustentáveis. O ponto de partida, no entanto, é rever a política externa, dado que cortar gastos sem a tarefa de reduzir os riscos criaria um desequilíbrio perigoso, forçando Washington a abandonar compromissos assumidos ou mantê-los sem a força necessária. Em vez disso, a administração deve abandonar alianças obsoletas, ajustando a sua estrutura de forças em conformidade. Isso requer um debate sério sobre o papel dos Estados Unidos no mundo e inevitáveis compromissos entre aventureirismo militar, programas sociais internos e rendimentos privados.

O Tio Sam é como o esbanjador congénito que continua comprando bebidas no bar mais próximo. Enquanto puder ficar a dever ou tiver dinheiro no cartão de crédito ele continuará indo em direção ao desastre inevitável. Quanto mais tempo Washington esperar para alterar o seu caminho, maiores e mais perturbadoras serão as mudanças que terão de haver. A aprovação de cortes futuros agora, mesmo com os efeitos mais tarde, proporcionaria maior segurança e menores taxas de juros no longo prazo. Além disso, as pessoas poderiam começar a se adaptar – internamente a cortes nos rendimentos e no exterior a mudanças nos encargos.

Para estabilizar as finanças de Washington, todos os programas precisam ser abordados. No entanto, os gastos militares merecem uma revisão especialmente minuciosa. América Primeiro, como o presidente proclama, não deveria significar ignorar as necessidades e os direitos dos outros. Mas deveria reconhecer que o mais alto dever do governo dos EUA é para com o seu próprio povo. Os EUA em primeiro lugar também significam que a guerra, considerando os seus custos sem igual – vidas perdidas, riscos assumidos, dinheiro desperdiçado – é um último recurso empreendido apenas para os mais sérios e até vitais propósitos. 

[*] Do Instituto Cato, ex-assistente especial do presidente Ronald Reagan, autor de "Foreign Follies: America's New Global Empire". 

O original encontra-se em Center for the National Interest e em www.informationclearinghouse.info/50857.htm . Tradução de VC. 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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