Alberto Castro*, Londres
Em nome da igualdade, liberdade e
fraternidade, os revolucionários franceses cortaram a cabeça do rei Luiz XVI e
da rainha Maria Antonieta. Em nome da revolução, Robespierre, o defensor do
povo, o chamado incorruptível, mandou para a guilhotina os seus opositores
girondinos e também os seus companheiros de luta jacobinos. Em nome da justiça
e da revolução Robespierre foi ele mesmo guilhotinado pelos adversários por
ter-se tornado cruel, ditador. Sangue e terror mancharam os nobres ideais da
Revolução Francesa.
Em nome da libertação do jugo
colonial começou de forma mais brutal a luta pela independência de Angola
quando em março de 1961 a UPA matou e mutilou, muitos à catanada, centenas de
colonos brancos e também negros nas fazendas de café na região dos Dembos,
Negage, Úcua e Nambuangongo.
Em nome da luta contra o
imperialismo norte-americano e seus lacaios no continente milhares de angolanos
perderam as suas vidas outros tantos ficaram mutilados e milhares fugiram da
guerra. O mesmo aconteceu em sentido inverso em nome da luta contra o comunismo
o mesmo aconteceu em Angola. Em nome da luta contra o fraccionismo centenas
foram mortos sumariamente e outros tantos implacavelmente perseguidos e
desaparecidos sem deixar rastros. A pretexto de alegadas conspirações políticas
e práticas de feitiçaria no "reino'' da Jamba famílias inteiras foram
dizimadas, pessoas perseguidas e torturadas até à morte, mulheres e crianças
queimadas vivas.
A ambição política e o
revanchismo sempre marcaram os principais atores nos processos pré e pós
independência em Angola. E o slogan "a luta continua" parece fazer
também jus a uma história de continuidade de erros trágicos que lideranças
políticas angolanas teimam em repetir. Do inicial entusiasmo com o necessário
combate à corrupção somos tomados por uma inquietude com a repetição trágica da
história quando vemos que a ambição política e o revanchismo parecem claramente
guiar e manchar o imprescindível combate à corrupção que, na minha modesta
opinião se faz acima de tudo com boa governação e criação de mecanismos de
fiscalização da transparência na gestão da coisa pública, passando também por
uma oposição capaz, uma sociedade civil atuante e uma imprensa vigilante.
É frágil o argumento de que
outros nomes não não são tornados públicos porque cumpriram ou têm estado a
cumprir com as suas obrigações de repatriamento e/ou devolução voluntária dos
ilícitos adquiridos gozando do "benevolente" estado de graças dado
pelo governo do MPLA de João Lourenço e que agora se está na fase coercitiva do
processo de repatriamento de capitais. O mecanismo legal habilidosamente criado
para suportar esse argumento permite claramente que se jogue em causa própria e
se divida corruptos e ladrões entre mauzinhos e bonzinhos, ficando estes mais
protegidos da ira popular.
O flagelado povo angolano merece
saber o nome, endereço e a riqueza de todos o que o pilharam, como se tornou
público com o património de Isabel dos Santos, que até ser julgada e condenada,
é legalmente tão inocente quanto outros. E isso não é fazer a defesa da senhora
que de repente passou a ser a única mázinha de todo um processo de saque do
país promovido pelo MPLA, não apenas por José Eduardo dos Santos, com a
famigerada política de acumulação primitiva de capital incentivada e acobertada
pela hipocrisia capitalista ocidental.
Não bastam também declarações
eufóricas a declamar os milhões que foram recuperados. É preciso saber a quem
pertenciam, como, onde e em que condições foram recuperados, se juros foram
atualizados e o destino que terá cada centavo recuperado. Para isso urge a
criação de um Portal de Transparência e de livre acesso a informação onde o bem
de todos os membros do executivo, a começar pelo chefe, do legislativo e do
judiciário sejam de conhecimento público. Aliás, este teria sido o primeiro
passo a ser dado para credibilizar o que, por enquanto para mim, não passa uma
suposta saga de combate à corrupção com muito ruído para desviar os olhares
para os difíceis problemas que afetam o país.
Em nome do combate à corrupção
condenou-se por convicção e factos indeterminados um ex-presidente brasileiro,
destruiram-se empresas com tecnologia de ponta e implantação global na área da
construção civil, desapareceram centenas de empresas que delas dependiam nas
mais diversas áreas, milhares dentro e fora do Brasil caíram no desemprego e um
estudo recente aponta que os impactos diretos e indiretos da Operação Lava Jato
na economia brasileira rondam os R$ 142,6 bilhões. E, não menos trágico,
abriu-se caminho para um neonazista como Jair Bolsonaro.
Para já a principal vítima desse
combate é o país que vê o seu nome nas páginas e telas de noticiário do mundo
inteiro pelas piores razões, toda a sua classe empresarial colocada sob
suspeita nos negócios que tem, ou que faz, com o estrangeiro mesmo que de forma
lícita. O combate à corrupção deve ser apoiado e incentivado desde que feito
com justiça para todos, sem qualquer margem de dúvida para percepção de
justiçamento. Caso contrário arrisca-se a que o país volte a trilhar uma vez
mais os caminhos trágicos da sua já dolorosa história feita de feridas ainda
por cicatrizar.
*Colunista e correspondente
internacional
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