Pedro Tadeu | TSF | opinião
Durante a nossa vida
ensinaram-nos que um dos benefícios do capitalismo e do mercado livre é ele
impulsionar a concorrência entre empresas e essa concorrência ser uma
ferramenta de benefício dos consumidores.
Supostamente, a concorrência
entre empresas leva cada uma delas a tentar servir melhor os clientes, seja em
preço, seja em qualidade.
Também supostamente, quando não
há concorrência, quando uma ou duas empresas monopolizam um determinado
mercado, os preços dos produtos ou serviços que essas empresas vendem são
inflacionados e a sua qualidade desce.
Isso acontece porque os donos
dessas empresas em situação de monopólio ou de duopólio não sofrem qualquer
pressão para diminuir a sua ambição por lucros cada vez maiores.
É para moderar essas situações
que os Estados montam sistemas de fiscalização e de regulação.
Aquilo que a TSF revelou ao noticiar uma investigação
da Autoridade da Concorrência é que 14 bancos em Portugal trocavam, por e-mail
ou por telefone, através de departamentos de marketing, informações sobre as
comissões que cada um desses bancos cobrava aos clientes do crédito à habitação.
Como todos os bancos sabiam, em
tempo real, o que os outros bancos andavam a fazer, os preços dessas comissões
acabavam por não ser estabelecidos em função da concorrência entre estes 14
bancos, o que em princípio beneficiaria os clientes.
Pelo contrário, o que aconteceu
foi que os preços dessas comissões eram, pelo menos de forma tácita,
estabelecidos por acordo entre os bancos, e daí falar-se num "cartel da
banca" que, neste caso, terá acabado por funcionar, na relação com os
clientes, como se fosse um grupo monopolista do mercado.
Uma parte dos bancos, como também
a TSF noticiou, defende-se desta acusação dizendo que a informação que
trocavam entre si era pública e estava facilmente acessível. Isto também é
verdade.
Lembro-me, quando era, nos anos
90 do século passado, repórter no jornal da tarde "A Capital", de me
terem encomendado um trabalho comparativo entre as taxas de juro praticadas
pela banca no crédito à habitação da época. Para obter essa informação - que em
princípio era pública mas que todos os bancos recusaram dar-me pela via oficial
- não tive outro remédio senão ir a uma dúzia de agências bancárias fingir-me
cliente.
Hoje já não é assim: de facto, em
alguns casos, até podemos fazer simulações na internet sobre os empréstimos que
pretendemos.
Temos, portanto, uma perversidade
do sistema: em princípio é bom para o consumidor que toda a informação dos
bancos sobre créditos esteja facilmente disponível, mas a verdade é que ela
também serve para as administrações dos bancos terem uma prática que, no final,
acaba por ser igual ao da cartelização deliberada.
E isto é simples de explicar:
quando, antigamente, um banco baixava ou subia o preço de um crédito ou de uma
comissão, os outros bancos só se apercebiam disso alguns dias depois e demoravam
semanas a reagir.
Isto dava tempo para vários
consumidores acederem à nova oportunidade e essa mudança no mercado levava
alguns dos outros bancos a colocar uma oferta semelhante ou mais barata para
não perderem clientes.
Agora as administrações dos
bancos podem saber dessas mudanças de preços em menos de um minuto e podem
reagir um segundo depois - isto é tão depressa que os consumidores não têm
tempo para beneficiar das melhores ofertas, ninguém faz contratos novos e, por
isso, os preços, na prática, acabam por ser definidos em conjunto por todos os
bancos e não pela concorrência entre bancos.
O que quero dizer com isto é que
a cartelização, no capitalismo dos nossos tempos, é praticamente inevitável,
mesmo se não houver intenção criminosa, e vai muito para além da banca.
Todos nos apercebemos disso, por
exemplo, nos preços dos combustíveis para automóveis, da energia elétrica ou
nos contratos de telecomunicações - em muitas destas companhias as variações de
preços são, na grande maioria das vezes, definidas por comportamentos globais
da economia e não pela competição entre empresas que tentam conquistar clientes
- no fundo todas reagem em uníssono e em conjunto ao comportamento dos
consumidores.
Para haver concorrência a sério
teria de haver segredo de negócio mas, na verdade, boa parte desse segredo
relativamente às políticas de preços que cada empresa aplica, nos dias de hoje,
não é possível manter.
A modernidade impulsionada pela informação
massiva que circula no mundo à velocidade da luz está, portanto, seja por ação
criminosa, seja involuntariamente, a falsear o mercado livre e a provocar uma
coordenação com cariz monopolista entre as grandes empresas que, mesmo
competindo, acabam por ser empurradas para um comportamento cartelizado que as
afasta, cada vez mais, dos interesses dos consumidores.
Ao aperceber-me disto começo a
achar que, simplesmente, a concorrência entre bancos, na sua relação com os
pequenos clientes (com os grandes negócios a história é outra), é, na prática,
impossível. O mesmo se passa com outros serviços massificados. A regulação e os
polícias da concorrência não vão ser capazes de resolver isto.
Como não vejo solução para este
problema parece, portanto, que nós, consumidores, estamos simplesmente
tramados com o capitalismo do século XXI.
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