terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Portugal | A concorrência entre bancos é possível? – cartel na banca


Pedro Tadeu | TSF | opinião

Durante a nossa vida ensinaram-nos que um dos benefícios do capitalismo e do mercado livre é ele impulsionar a concorrência entre empresas e essa concorrência ser uma ferramenta de benefício dos consumidores.

Supostamente, a concorrência entre empresas leva cada uma delas a tentar servir melhor os clientes, seja em preço, seja em qualidade.

Também supostamente, quando não há concorrência, quando uma ou duas empresas monopolizam um determinado mercado, os preços dos produtos ou serviços que essas empresas vendem são inflacionados e a sua qualidade desce.

Isso acontece porque os donos dessas empresas em situação de monopólio ou de duopólio não sofrem qualquer pressão para diminuir a sua ambição por lucros cada vez maiores.

É para moderar essas situações que os Estados montam sistemas de fiscalização e de regulação.

Aquilo que a TSF revelou ao noticiar uma investigação da Autoridade da Concorrência é que 14 bancos em Portugal trocavam, por e-mail ou por telefone, através de departamentos de marketing, informações sobre as comissões que cada um desses bancos cobrava aos clientes do crédito à habitação.

Como todos os bancos sabiam, em tempo real, o que os outros bancos andavam a fazer, os preços dessas comissões acabavam por não ser estabelecidos em função da concorrência entre estes 14 bancos, o que em princípio beneficiaria os clientes.

Pelo contrário, o que aconteceu foi que os preços dessas comissões eram, pelo menos de forma tácita, estabelecidos por acordo entre os bancos, e daí falar-se num "cartel da banca" que, neste caso, terá acabado por funcionar, na relação com os clientes, como se fosse um grupo monopolista do mercado.


Uma parte dos bancos, como também a TSF noticiou, defende-se desta acusação dizendo que a informação que trocavam entre si era pública e estava facilmente acessível. Isto também é verdade.

Lembro-me, quando era, nos anos 90 do século passado, repórter no jornal da tarde "A Capital", de me terem encomendado um trabalho comparativo entre as taxas de juro praticadas pela banca no crédito à habitação da época. Para obter essa informação - que em princípio era pública mas que todos os bancos recusaram dar-me pela via oficial - não tive outro remédio senão ir a uma dúzia de agências bancárias fingir-me cliente.

Hoje já não é assim: de facto, em alguns casos, até podemos fazer simulações na internet sobre os empréstimos que pretendemos.

Temos, portanto, uma perversidade do sistema: em princípio é bom para o consumidor que toda a informação dos bancos sobre créditos esteja facilmente disponível, mas a verdade é que ela também serve para as administrações dos bancos terem uma prática que, no final, acaba por ser igual ao da cartelização deliberada.

E isto é simples de explicar: quando, antigamente, um banco baixava ou subia o preço de um crédito ou de uma comissão, os outros bancos só se apercebiam disso alguns dias depois e demoravam semanas a reagir.

Isto dava tempo para vários consumidores acederem à nova oportunidade e essa mudança no mercado levava alguns dos outros bancos a colocar uma oferta semelhante ou mais barata para não perderem clientes.

Agora as administrações dos bancos podem saber dessas mudanças de preços em menos de um minuto e podem reagir um segundo depois - isto é tão depressa que os consumidores não têm tempo para beneficiar das melhores ofertas, ninguém faz contratos novos e, por isso, os preços, na prática, acabam por ser definidos em conjunto por todos os bancos e não pela concorrência entre bancos.

O que quero dizer com isto é que a cartelização, no capitalismo dos nossos tempos, é praticamente inevitável, mesmo se não houver intenção criminosa, e vai muito para além da banca.

Todos nos apercebemos disso, por exemplo, nos preços dos combustíveis para automóveis, da energia elétrica ou nos contratos de telecomunicações - em muitas destas companhias as variações de preços são, na grande maioria das vezes, definidas por comportamentos globais da economia e não pela competição entre empresas que tentam conquistar clientes - no fundo todas reagem em uníssono e em conjunto ao comportamento dos consumidores.

Para haver concorrência a sério teria de haver segredo de negócio mas, na verdade, boa parte desse segredo relativamente às políticas de preços que cada empresa aplica, nos dias de hoje, não é possível manter.

A modernidade impulsionada pela informação massiva que circula no mundo à velocidade da luz está, portanto, seja por ação criminosa, seja involuntariamente, a falsear o mercado livre e a provocar uma coordenação com cariz monopolista entre as grandes empresas que, mesmo competindo, acabam por ser empurradas para um comportamento cartelizado que as afasta, cada vez mais, dos interesses dos consumidores.

Ao aperceber-me disto começo a achar que, simplesmente, a concorrência entre bancos, na sua relação com os pequenos clientes (com os grandes negócios a história é outra), é, na prática, impossível. O mesmo se passa com outros serviços massificados. A regulação e os polícias da concorrência não vão ser capazes de resolver isto.

Como não vejo solução para este problema parece, portanto, que nós, consumidores, estamos simplesmente tramados com o capitalismo do século XXI.

Leia em TSF:

Sem comentários:

Mais lidas da semana