Ricardo Paes Mamede | Diário de
Notícias | opinião
Segundo um relatório recente da OCDE, a proporção de trabalhadores
sindicalizados em Portugal caiu de 60,8% em 1978 para 15,3% em 2016. É a
segunda maior queda entre os países analisados. Há quem veja nestes dados um
sinal de crise profunda do sindicalismo português, de que os sindicatos e os
seus dirigentes seriam os primeiros responsáveis. São conclusões apressadas.
Há três dados que importa juntar
àqueles para tornar este debate útil. Primeiro, em 1978 a taxa de
sindicalização em Portugal era quase o dobro da média da OCDE (60,8% versus 34%),
sendo de longe a mais elevada do sul da Europa e só tendo paralelo nos países
escandinavos. Segundo, mais de metade da queda registada desde 1978 aconteceu
na década de 1980, tendo-se registado uma estabilização do rácio na primeira
década do século, seguida de uma nova descida a partir de 2012. Por fim, apesar
da queda, a taxa de sindicalização em Portugal mantêm-se próxima da média da
OCDE (15,3% versus 16,3% em 2016), só tendo passado a ser inferior a partir de
2014.
Em conjunto, os dados
apresentados mostram que os problemas do sindicalismo não são recentes, nem são
um exclusivo português. Sugerem também que as dinâmicas sindicais em Portugal
na última década resultam de factores que ultrapassam o âmbito estrito dos sindicatos.
Há várias tendências
internacionais que ajudam a explicar a queda nas taxas de sindicalização nas
economias mais avançadas: a desindustrialização, o crescimento das formas
atípicas de trabalho, a desregulamentação das relações laborais, ou a pressão
concorrencial de países com níveis reduzidos de salários e protecção dos
trabalhadores. Todos estes e outros factores dificultam a capacidade de
organização e de mobilização dos sindicatos, ao mesmo tempo que reduzem o seu
poder negocial.
Os factores referidos permitem
explicar as tendências observadas sem necessidade de recorrer a argumentos mais
costumeiros, como o individualismo reinante na sociedade contemporânea ou a
falta de capacidade das estruturas sindicais para responder aos novos tempos. Não
é que estes problemas sejam falsos - eles existem e colocam desafios acrescidos
ao sindicalismo. Mas convém lembrar que a capacidade de intervenção dos
sindicatos não existe no vácuo.
A última década em Portugal - e
noutros países do Sul da UE - ficou marcada por um aumento drástico do
desemprego, por uma maior precarização dos vínculos contratuais e pela perda de
eficácia da negociação colectiva, em resultado das alterações à lei laboral de
2012 (em particular, o princípio da caducidade dos contractos colectivos de
trabalho). Todos estes factores retiraram ainda mais poder de intervenção aos
sindicatos e reduziram a sua capacidade para fazer a diferença na vida das
pessoas.
Os defensores da desregulação do
trabalho olham para os sindicatos de forma desconfiada, vendo-os como fonte de
ineficiência (por quererem impor salários desalinhados com os níveis de
produtividade) e até de iniquidade (caso o aumento de salários nos sectores com
maior densidade sindical se reflicta em maiores desigualdades intersectoriais e
em desemprego persistente).
Esta visão, que foi maioritária
entre economistas durante muito tempo, tem vindo a ser questionada por três
motivos relacionados. Primeiro pelo reconhecimento crescente de que em muitos mercados de
trabalho os empregadores detêm um poder negocial que empurra os salários para
níveis injustificadamente baixos. Segundo, porque a acção dos sindicatos tem um
impacto relevante no combate às desigualdades de rendimentos por diversas vias,
como vários estudos têm vindo a confirmar. Por fim, porque é hoje cada vez mais claro que a desigualdade de rendimentos
tem um efeito prejudicial no crescimento económico.
Não surpreende, por isso, que o
reforço da contratação colectiva e/ou do poder dos sindicatos seja hoje uma
preocupação no seio de várias organizações internacionais - não apenas na Organização Internacional de Trabalho, mas também no FMI e na OCDE.
Há, com certeza, desafios
internos que se colocam à acção dos sindicatos e aos quais os seus dirigentes
têm de conseguir responder: a dificuldade de atracção de novos membros, a fraca
participação dos membros actuais, a organização dos trabalhadores precários,
entre outros. Em muitos casos isto pode ter de passar por mudanças como o
reforço da democracia interna, da transparência e prestação de contas, da
presença nos locais de trabalho, da independência face aos partidos ou do
recurso a novas formas de comunicação.
Não menos importante é a
necessidade de reforçar a atenção e importância que os partidos atribuem ao
movimento sindical em Portugal. As dificuldades do sindicalismo não são um
problema exclusivo dos sindicatos. A resposta a essas dificuldades também não.
*Economista e Professor no ISCTE
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