domingo, 26 de abril de 2020

Angola | O que muda com a nova figura do "agente encoberto"


Nova lei permite que agentes policiais façam investigações ocultando a identidade na investigação de crimes como corrupção ou segurança do Estado. Ativistas angolanos temem efeitos negativos no exercício da cidadania.

A Lei das Ações Encobertas para Fins de Prevenção e Investigação Criminal entrou em vigor em Angola na segunda-feira (20.04), após publicação no Diário da República. O documento permite que os agentes policiais façam investigações ocultando a sua identidade e missão na investigação de crimes como branqueamento de capitais, segurança do Estado ou corrupção.

No entanto, a organização não-governamental angolana Omunga diz que leis não faltam para combater os crimes de branqueamento de capitais e contra a segurança do Estado em Angola. João Malavindele, coordenador da ONG com sede em Benguela, não esconde a sua preocupação em relação à entrada em vigor desta lei.

"Na medida em que a mesma atenta contra os direitos e as garantias fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola. Em Angola o que não falta são leis que regulam esta matéria, temos o Código Penal e a própria lei de branqueamento de capitais a estes dois tipos de crime", afirma Malavindele.


Luta contra a corrupção

Para o ativista cívico angolano Nuno Álvaro Dala, estas leis não só vêm reforçar a "cruzada contra a corrupção" levada a cabo pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, e pelo Presidente João Lourenço, mas também vidência a ação dos serviços de inteligência.

"Representa a legalização de uma série de práticas que já faziam parte do modo de operar das instituições policiais e, naturalmente, como é evidente dos serviços de inteligência. A infiltração do agente com o objetivo de investigarem uma série de questões à luz do interesse público ou nem tanto não constitui novidade para ninguém”, afirma o ativista.

Nuno Álvaro Dala lembra a atuação de alguns agentes policiais e dos serviços de inteligência, que alegadamente se filtravam em manifestações de rua, e questiona os interesses. "Não estamos em presença dos mais perigosos ímpetos e agentes que nos mais diversos níveis poderão, a coberto da lei, cometer atrocidades e cumprir agendas que vão além daquilo que é, de facto, o interesse nacional?”, indagou o ativista.

Em relação aos agentes encobertos, João Malavindele considera que a nova lei poderá ter efeitos negativos no exercício da cidadania. "Vai atrapalhar as atividades dos ativistas, embora as organizações como a Omunga não tenham nada para esconder. Sempre primamos pela transparência em todas as nossas ações”, afirma o coordenador da ONG.

Por isso, João Malavindele, deixa uma sugestão ao Estado angolano para melhorar os trabalhos. "Acho que neste momento o Executivo deve preocupar-se em trabalhar na previsão destes crimes com criação de campanhas nos meios de comunicação, de maneira a desencorajar estas práticas”, completa o coordenador da ONG.

O jurista angolano Carlos Viegas entende que o agente "infiltrado” deve apenas cumprir a lei no exercício da sua função. "Ele tem uma protecção legal, pelo que se vai manter no âmbito desta missão, sendo certo que vai ter que respeitar determinados preceitos que são inerentes à atividade que vai desenvolver", afirma o especialista.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

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