Pedro Tadeu | TSF | opinião
As perguntas na minha cabeça não
param.
Será que, depois da COVID-19,
vamos aceitar pacificamente as reduções de salários e de rendimentos que muitos
nós recebem agora?
Será que, depois da COVID-19,
vamos continuar a trabalhar num pequeno computador, em casa, na mesa da sala de
jantar?
Será que, depois da COVID-19,
vamos ser obrigados a endividarmo-nos excessivamente e deixar a nossa qualidade
de vida dependente da bondade de um juro e da dimensão de uma comissão bancária?
Será que, depois da COVID-19,
vamos aceitar a degradação da Segurança Social, das reformas, do subsídio de
desemprego, tal como aconteceu na última crise?
Será que, depois da COVID-19,
vamos deixar de ter professores, por uma dúzia deles ensinar quase toda a
população escolar através da internet ou da televisão?
Será que, depois da COVID-19,
vamos admitir o controlo de doenças pelos dados detetados nos nossos telemóveis
e a conclusão do processo de eliminação total da vida privada iniciado há 30
anos?
Será que, depois da COVID-19,
depois de termos discutido o que mais valia na balança - se o prato da vida
humana, se o prato da economia - não vamos pesar a diferença entre o prato da
vida no planeta terra com o prato da recuperação económica?
Será que, depois da COVID-19, nos
vamos conformar com o preço previsível da vacina para a doença: 150 dólares a
unidade, um negócio anual de milhares de milhão que, provavelmente, quase um
terço da humanidade não pode pagar do seu bolso, nem vive em países que o possam
ou queiram pagar?
Será que, depois da COVID-19 o
isolamento, o nacionalismo de regresso aos países, a demagogia dos líderes, o
medo do estranho, a xenofobia efervescente criará condições para disputas
políticas belicistas que nos conduzam ao conflito militar global?
Ou será que os donos da
globalização conseguem reagir e caminharemos para um governo mundial onde dois
ou três países subjugam os outros pelo comando financeiro e a ameaça militar?
Será que a paz, depois do
COVID-19, deixou de ser um objetivo humano?
Está a começar o tempo da
descompressão, do começo lento de um processo de saída da clausura coletiva
onde nos enfiámos para fugir ao vírus da doença COVID-19.
Aos poucos sinto a alegria e a
ansiedade do prisioneiro que vai voltar a ser livre e isso alegra-me, mas, como
julgo acontecer com milhões de portugueses, também tenho medo, e as perguntas
receosas sucedem-se.
Tenho medo, em primeiro lugar, de
uma segunda vaga global de contágio do novo coronavírus.
Este medo foi-me ensinado pela
História das pestes e das epidemias no mundo, que me mostra haver quase sempre
uma segunda ou terceira vagas destas doenças.
A pneumónica (ou gripe espanhola,
como ficou conhecida), a pandemia de há 100 anos, teve três vagas e chacinou
pelo menos 17 milhões de pessoas (há quem pense que foram 50 milhões ou, até,
100 milhões).
A maior parte destas mortes
aconteceu na segunda vaga, que começou em agosto depois de uma primeira,
relativamente pouco mortal, ter deflagrado em março de 1918 num campo militar
no Kansas, nos Estados Unidos da América.
A pressa de voltar a reanimar a
economia, misturada com as necessidades impostas pelo esforço final da Primeira
Guerra Mundial, levou muitos países a subestimarem a mortalidade da segunda
vaga da pneumónica e isso agravou a mortalidade da doença.
Tenho medo que a euforia do
regresso à normalidade leve a sociedade do século XXI a cometer o mesmo erro de
há 100 anos e que no final do verão estejamos a ver morrer muito mais gente do
que agora.
Tenho medo, em segundo lugar, dos
nossos líderes. Tenho medo da incompetência, da ignorância, da arrogância, do
autoritarismo, da cupidez e da estupidez dos líderes de países, dos
governadores de bancos, dos administradores de grandes conglomerados empresariais,
dos gestores de gigantescas quantias de capital, dos comandantes do negócio da
guerra e dos capitães da indústria farmacêutica, das relativamente poucas
pessoas, enfim, que têm nas mãos o futuro de todos nós, seja nos governos, seja
nas empresas.
Com a economia tão fragilizada
pela paragem de atividade neste início do ano, a ambição de recuperar depressa
vai ser gritada por milhões de trabalhadores e de pequenos empresários, que
enfrentam o desemprego, a perda de rendimentos e a pobreza.
Essa exigência, esse grito
legítimo de "salvem a economia", facilita o caminho para a
manipulação das massas e para o regresso da ganância, do abuso dos mais
poderosos sobre os mais frágeis, da aceitação compungida da degradação das
condições de vida em troca de um mínimo de recursos de sobrevivência e aumento
de riqueza e poder para os senhores do costume.
É isso, também, o que a História
dos séculos XX e XXI nos ensinam: que aqueles que, no início de uma crise ou de
uma depressão, acusamos de serem culpados pela miséria e exploração, são
normalmente os mesmos que fazem a gestão da recomposição da sociedade em função
dos seus próprios interesses de curto e médio prazo, secundarizando os
interesses mais perenes de toda a sociedade.
Todos os receios do mundo pós
COVID-19 que eu tenho são, afinal, receios do velho mundo, defeitos que
herdámos e que, ao contrário do que possa parecer, podem agravar-se. Por isso,
tal como antes, temos de nos manter atentos, vigilantes e exigentes face a
todos os poderosos deste planeta.
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