Anselmo Crespo | TSF | opinião
Do latim austeritas.
Qualidade ou característica do que é austero. Rigor, severidade. O dicionário
podia ajudar a resolver de vez uma discussão enviesada sobre um futuro que já
está presente na vida de quase todos por estes dias. Direta ou indiretamente,
não há português que, neste momento, não esteja a sentir os efeitos de uma austeridade
que foi imposta pela pandemia. O que não significa que não haja uma discussão
política profunda a fazer.
A força com que os Estados
puxaram o travão de mão da economia teve o efeito de um choque em cadeia: a
paragem de algumas empresas provocou o encerramento de outras e,
consequentemente, atirou milhões de trabalhadores borda fora: uns para o
lay-off - no melhor cenário -; outros para o desemprego; outros ainda para a
pobreza, que é o grau zero num mundo civilizado.
Mas o choque não acaba aqui. No
fim da linha, o enorme aumento da despesa que tudo isto representa para o
Estado só pode encontrar resposta no endividamento público. E as dívidas, por
definição, têm de ser pagas. Se o Estado somos nós, quem é que acham que vai
receber a fatura?
Ultrapassada - e justificada -
esta fase de emergência em que os Governos tiveram de se comportar como
bombeiros apanhados no meio das chamas e se viram obrigados a despejar dinheiro
para a economia, o salve-se quem puder vai ter de acabar. A forma artificial
como muitas empresas estão a funcionar não só não é sustentável como representa
um fardo demasiado pesado e injusto para toda a gente, a começar pelos
trabalhadores que estão a financiar os seus próprios postos de trabalho, uns
através do lay-off - o Estado somos nós -, outros através do corte de salários.
É agora que vamos ver se há
adultos na sala. Se quem está aos comandos nesta Europa em definhamento - muito
antes da pandemia - está à altura do desafio. É agora que a política é
absolutamente determinante para desenhar uma estratégia e para acabar com a ditadura
dos mercados, das agências de rating e de uma economia fictícia assente em
dívida. É agora a oportunidade para acabar com a manipulação de dois ou três
grandes players do setor financeiro, que são a maior central de
empregos de ex-governantes. É agora que os vários Estados-membros têm de dizer
se querem estar dentro ou estar fora.
Não é exagero dizer que é a
sobrevivência da União Europeia que está em causa. Não é exagero imaginar que,
depois de uma crise de saúde pública, a Europa corre o risco de mergulhar numa
profunda recessão económica e social, que a faça retroceder civilizacionalmente.
Não é exagero pensar que cada brecha que ficar aberta depois desta pandemia
será imediatamente aproveitada pelo extremo-oportunismo dos populistas que
estão a ganhar terreno em Itália, em França, em Espanha, na Alemanha, na
Holanda e também em Portugal.
É também por tudo isto que
Portugal precisa de uma nova estratégia. Política, económica e social. Que
dependerá sempre da estratégia europeia, mas que não se esgota aí. Se esta
crise não servir para começarmos do zero e delinearmos um plano de médio/longo
prazo, que não assente apenas no turismo, nos serviços e no consumo interno,
então esta vai ser uma oportunidade perdida. Se esta crise não servir para os
partidos políticos perceberem que o Estado nunca será sustentável se continuar
a alimentar-se de dívida e de impostos, então nada de bom sairá desta crise.
É por isso que a discussão sobre
a austeridade é tão risível. Se aos impostos futuros, ao desemprego, à perda de
rendimentos e à degradação dos serviços públicos queremos chamar austeridade ou
outra coisa qualquer, é absolutamente indiferente. Chamem-lhe Joaquim, que vai
dar no mesmo. A austeridade, a crise, a perda de rendimentos são consequências
óbvias de qualquer crise. A pergunta que valerá a pena fazer é se, sobrevivendo
a isto, a seguir, vamos conseguir viver. E não apenas sobreviver.
Sem comentários:
Enviar um comentário