quinta-feira, 4 de junho de 2020

Portugal | Os jovens não são inconscientes. São jovens


Inês Cardoso | TSF | opinião

Começámos o tempo de estranheza que vivemos a olhar para os mais velhos - e por vezes a policiar os seus passos e saídas à rua. Nos últimos dias o olhar virou-se para os jovens e temos ouvido sucessivos apelos para que respeitem as regras de isolamento social. Já no fim de semana, Marcelo Rebelo de Sousa pediu mais contenção, referindo-se a festas em que os jovens não pensam no risco que julgam não correr. 

Também a ministra da Saúde realçou o aumento de contágios entre os jovens adultos, admitindo ser necessário reforçar a comunicação com esta faixa. Vão sendo divulgadas operações policiais que dão conta de festas privadas e a Câmara de Cascais proibiu entretanto a venda de bebidas alcoólicas nas bombas de combustíveis do concelho, entre as 20 e as 8 horas da manhã, depois de se terem formado filas e até incidentes nalguns postos.

Os indicadores mostram ser necessário estar atento aos mais jovens, mas não faz sentido um discurso acusatório ou proibitivo. Estamos há quase três meses com medidas restritivas de contacto social. Os bares e discotecas estão encerrados desde 16 de março. O mesmo aconteceu com as escolas. Seria anormal se os mais novos quisessem pacificamente aceitar um isolamento que é contra a natureza de ser humano.


Não há nada mais importante do que viver com o outro. E queixamo-nos de uma geração que tende a viver isolada, por estar mais dependente do digital, mas nesta altura o digital tornou-se um modo tão intensivo de interligação que é natural a saturação e overdose. Percebe-se a necessidade de presença.

Apesar do natural receio que continuam a provocar imagens de pessoas nas praias ou esplanadas, os espaços ao ar livre apresentam risco mínimo em tempo de calor. Como explicam os infeciologistas, o arejamento e a intervenção do ultravioleta do sol, que neutraliza o material genético do vírus, são aliados na minimização do perigo. É preciso apostar em mecanismos regulados de socialização, dando espaço a algum contacto, ou irão continuar a multiplicar-se formas descontroladas de ela se fazer.

Além da saúde, há também que olhar para outros efeitos desta pandemia entre as camadas jovens. A investigadora Maria Manuel Mota usou uma frase que entra facilmente no ouvido e se tornou muito discutida, sobre o facto de este ser "um vírus relativamente bonzinho", na medida em que tem efeitos mínimos sobre os jovens e as crianças, ao contrário do que acontece com outras doenças.

É verdade que do ponto de vista sanitário estão a salvo, mas sentem efeitos avassaladores noutras vertentes. Desde logo na educação, com os efeitos imediatos do encerramento das escolas e a preparação desigual para os exames de 11º e 12º ano, e com as universidades a insistirem no discurso de redução das aulas presenciais no próximo ano.

E mais ainda no acesso ao emprego, no caso dos que já estão em idade ativa. Os dados do desemprego em abril mostram como se acentuou uma tendência que já não é nova. A taxa de desemprego dos jovens foi estimada em 20,2%, a que corresponde um aumento de 1,9 pontos percentuais relativamente à taxa de março, enquanto a taxa de desemprego dos adultos foi estimada em 5,3%, igual à do mês anterior.

A somar ao desemprego, há características do trabalho difíceis de sinalizar em estatísticas. A precariedade tornou-se uma doença crónica do emprego jovem, havendo ainda um grande desajustamento entre as habilitações e as funções desempenhadas. Já para não falar dos milhares forçados a emigrar durante o período de intervenção da troika. Para quem anda agora nos 30 e poucos anos, esta será a segunda crise desde que entraram em idade ativa. Não é coisa pouca.

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