Inês Cardoso | TSF | opinião
Começámos o tempo de estranheza
que vivemos a olhar para os mais velhos - e por vezes a policiar os seus passos
e saídas à rua. Nos últimos dias o olhar virou-se para os jovens e temos ouvido
sucessivos apelos para que respeitem as regras de isolamento social. Já no fim
de semana, Marcelo Rebelo de Sousa pediu mais contenção, referindo-se a festas
em que os jovens não pensam no risco que julgam não correr.
Também a ministra
da Saúde realçou o aumento de contágios entre os jovens adultos, admitindo ser
necessário reforçar a comunicação com esta faixa. Vão sendo divulgadas
operações policiais que dão conta de festas privadas e a Câmara de Cascais
proibiu entretanto a venda de bebidas alcoólicas nas bombas de combustíveis do
concelho, entre as 20 e as 8 horas da manhã, depois de se terem formado filas e
até incidentes nalguns postos.
Os indicadores mostram ser
necessário estar atento aos mais jovens, mas não faz sentido um discurso
acusatório ou proibitivo. Estamos há quase três meses com medidas restritivas
de contacto social. Os bares e discotecas estão encerrados desde 16 de março. O
mesmo aconteceu com as escolas. Seria anormal se os mais novos quisessem
pacificamente aceitar um isolamento que é contra a natureza de ser humano.
Não há nada mais importante do
que viver com o outro. E queixamo-nos de uma geração que tende a viver isolada,
por estar mais dependente do digital, mas nesta altura o digital tornou-se um
modo tão intensivo de interligação que é natural a saturação e overdose.
Percebe-se a necessidade de presença.
Apesar do natural receio que
continuam a provocar imagens de pessoas nas praias ou esplanadas, os espaços ao
ar livre apresentam risco mínimo em tempo de calor. Como explicam os
infeciologistas, o arejamento e a intervenção do ultravioleta do sol, que
neutraliza o material genético do vírus, são aliados na minimização do perigo.
É preciso apostar em mecanismos regulados de socialização, dando espaço a algum
contacto, ou irão continuar a multiplicar-se formas descontroladas de ela se fazer.
Além da saúde, há também que
olhar para outros efeitos desta pandemia entre as camadas jovens. A
investigadora Maria Manuel Mota usou uma frase que entra facilmente no ouvido e
se tornou muito discutida, sobre o facto de este ser "um vírus
relativamente bonzinho", na medida em que tem efeitos mínimos sobre os
jovens e as crianças, ao contrário do que acontece com outras doenças.
É verdade que do ponto de vista
sanitário estão a salvo, mas sentem efeitos avassaladores noutras vertentes.
Desde logo na educação, com os efeitos imediatos do encerramento das escolas e
a preparação desigual para os exames de 11º e 12º ano, e com as universidades a
insistirem no discurso de redução das aulas presenciais no próximo ano.
E mais ainda no acesso ao
emprego, no caso dos que já estão em idade ativa. Os dados do desemprego em
abril mostram como se acentuou uma tendência que já não é nova. A taxa de
desemprego dos jovens foi estimada em 20,2%, a que corresponde um aumento de
1,9 pontos percentuais relativamente à taxa de março, enquanto a taxa de
desemprego dos adultos foi estimada em 5,3%, igual à do mês anterior.
A somar ao desemprego, há
características do trabalho difíceis de sinalizar em estatísticas. A
precariedade tornou-se uma doença crónica do emprego jovem, havendo ainda um
grande desajustamento entre as habilitações e as funções desempenhadas. Já para
não falar dos milhares forçados a emigrar durante o período de intervenção da
troika. Para quem anda agora nos 30 e poucos anos, esta será a segunda crise
desde que entraram em idade ativa. Não é coisa pouca.
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