# Escrito e publicado em português
do Brasil
Em meio à crise, apoio ao
presidente despenca. Mas capital financeiro e militares ainda escoram governo,
amortecendo turbulências. Centrão é convidado compor o grupo e evitar
impeachment. O político antissistema vai sendo desmascarado…
Paulo Kliass | Outras Palavras
Em meio à profunda crise
política, econômica, social e sanitária em que está mergulhado nosso País, boa
parte dos analistas se indaga a respeito dos mecanismos que ainda permitem
assegurar alguma sustentação ao governo do capitão Bolsonaro. De fato, é mesmo
impressionante a sua capacidade de resiliência em situações de grande
isolamento político e crescente perda de popularidade, como a que vive
atualmente.
Contam para isso a articulação em
torno do amplo movimento das igrejas neopentecostais e o discurso direto do
presidente à população, em uma linguagem simples e sem os requintes da liturgia
do cargo. A postura do “contra tudo e contra todos” tende a angariar simpatias
na linha da vitimização do “coitado” que seria boicotado por governadores,
prefeitos, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e grandes meios de
comunicação.
Por outro lado, contribui
bastante também para a manutenção do governo uma aliança que se estabeleceu
entre os interesses do sistema financeiro e as pretensões políticas de parcela
da elite das Forças Armadas. É importante recordar que Paulo Guedes permanece
com destaque e poder no sistema de governo, sendo um dos remanescentes da equipe
que teve início na Esplanada em janeiro de 2019. Junto com ele ainda estão
ocupando seus cargos figuras mais próximas do bolsonarismo-raiz, a exemplo de
Ricardo Salles no Meio Ambiente, Ernesto Araújo nas Relações Exteriores,
Damares Alves na pasta da Família, entre outros.
O superministro da Economia
estabelece, desde a época da campanha eleitoral, um importante elo de ligação
do Planalto com o povo do financismo. Essa articulação atua como uma espécie de
colchão de amortecimento, para impedir que os sucessivos resultados negativos
nas pesquisas de opinião se transformem em crises políticas ainda mais graves.
Com o apoio implícito e explícito à política de austeridade extremada, os
representantes do mundo da finança seguem como grandes entusiastas da presença
de Guedes no comando da economia.
O poder da finança e da caserna
Já a presença de militares no
alto escalão do governo é um fato inovador na política brasileira desde o
processo de redemocratização. Aliás, nem mesmo no período da ditadura houve
tantos representantes da caserna ocupando cargos de confiança estratégicos no
governo federal. De acordo com levantamento mais recente divulgado pela
imprensa, seriam
10 ministros e quase 3.000 cargos espalhados pela estrutura
ministerial. Assim, mantém-se uma sintonia fina e azeitada com a chapa eleita
em outubro de 2018, composta por um presidente capitão e um vice general.
Um dos casos mais emblemáticos da
natureza dessa ocupação de cargos a qualquer custo refere-se ao Ministério da
Saúde. Aquele que deveria ser o posto mais expressivo em meio à crise
emergencial da covid-19 acaba por oferecer um trágico retrato da pouca
importância conferida pela equipe de governo ao assunto. A presença do General
de Divisão Pazuello, à frente daquela pasta, oferece uma interinidade que se
prolonga por meses, justamente no momento mais crítico da pandemia. Além da
absoluta incompatibilidade do ocupante do cargo com o tema da saúde, Pazuello
promoveu uma verdadeira farra na ocupação dos cargos de confiança e técnicos
por seus colegas de farda. Profissionais com perfil mais adequado às
competências foram substituídos por militares, em uma estratégia que apresenta
um grave risco, tendo em vista o nítido enfraquecimento das respostas do governo
às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS).
Além disso, o que se tem
observado desde o início do mandato presidencial é uma convivência articulada
entre o financismo e a elite dos militares. Apesar de alguma disputa de espaço
na agenda envolvendo as prioridades do Palácio, em geral o resultado tem sido a
busca da acomodação dos interesses eventualmente divergentes. É bem verdade que
os pífios resultados apresentados para o crescimento do PIB por Paulo Guedes
durante o ano passado, e mesmo no início de 2020, ofereceram múltiplos espaços
para críticas à política de austeridade. Assim, até mesmo a iniciativa
articulada em abril pelo General Braga Netto, responsável pela Casa Civil, foi
habilmente desarmada em seu nascedouro por Paulo Guedes. Tratava-se da ideia de
criar um “Plano Marshall”, com forte indução de gastos públicos para promover a
retomada do crescimento da economia.
Sai ESAF civil; entra ESG militar
Porém houve um movimento no
interior do governo que oferece um bom retrato de como opera esse importante
ponto duplo de sustentação de Bolsonaro. Trata-se da condenável extinção da
Escola Superior da Administração Fazendária (ESAF) e sua incorporação à Escola
Nacional de Administração Pública (ENAP). A primeira foi criada em 1973 e
sempre cumpriu um papel relevante na área de formação das carreiras do extinto
Ministério da Fazenda, a exemplo do Tesouro Nacional e da Receita do Brasil.
Paulo Guedes optou por extinguir
essa conhecida instituição de referência na qualificação profissional dos
servidores públicos, em uma estratégia clara de avançar no desmonte das
políticas públicas e de desvalorização das carreiras estratégicas do Estado
brasileiro. O simbolismo dessa opção não pode ser subestimado, uma vez que
aponta para uma redução evidente das capacidades estatais na área da economia.
Trata-se de uma implosão programada e deliberada a partir das ordens de um
inimigo declarado do setor público, atualmente ocupando um cargo essencial no
interior do próprio governo.
No entanto, outro aspecto que
chamou bastante a atenção foi a decisão apresentada por ele de ceder todo o
patrimônio da ESAF à Escola Superior de
Guerra (ESG), em uma iniciativa do Ministério da Defesa de criar uma
sucursal da mesma em
Brasília. A instituição sempre teve a sua sede no Rio de
Janeiro e se apresenta como “instituto de Altos Estudos de Política, Estratégia
e Defesa, integrante da estrutura do Ministério da Defesa, e destina-se a
desenvolver e consolidar os conhecimentos necessários ao exercício de funções
de direção e assessoramento superior para o planejamento da Defesa Nacional,
nela incluídos os aspectos fundamentais da Segurança e do Desenvolvimento”.
O argumento utilizado por Paulo
Guedes para tal decisão não se justifica. Não haverá redução consolidada de
gastos para o governo federal. Aliás, pelo contrário, a tendência é que as
despesas na nova unidade sob coordenação da pasta da Defesa sofram uma
elevação. A iniciativa do ocupante da economia tem claramente o sentido de
oferecer um gesto de boa vontade na direção dos representantes dos militares no
governo.
E agora lá vem o Centrão
Em um momento onde o isolamento
político de Bolsonaro se aprofunda, a chamada “questão militar” mais uma vez
volta à tona. As recentes declarações de Gilmar Mendes, colocando o dedo na
ferida da alta direção do Ministério da Saúde, acentuaram a crise. O Ministro
do STF afirmou que o “Exército está se associando ao genocídio”, em uma
referência evidente à incapacidade dos atuais responsáveis pelo órgão em atuar
de maneira mais científica e efetiva na crise do coronavírus.
O povo do financismo segue
oferecendo seu apoio irrestrito a Paulo Guedes. A sua principal aposta agora é
retomar a agenda de reformas liberais destruidora de conquistas sociais e um
ritmo mais acelerado de privatização das empresas estatais no período da pós
pandemia. Os generais se unem no ataque a Gilmar Mendes e na defesa do governo.
Mas nem assim Bolsonaro se sente em um ambiente politicamente seguro. É bem
verdade que corre o risco de ser acusado de estar praticando um escandaloso
estelionato eleitoral aos olhos de seu eleitorado mais “autêntico”. Mas mesmo
assim, decidiu criar o terceiro ponto nesse – agora – tripé de sustentação. A
manobra tem a intenção declarada de evitar qualquer avanço no processo de seu
impedimento no Congresso Nacional. Trata-se de acenos, gestos e oferta de
cargos em vistas da consolidação de sua aliança política com o fisiologismo do
Centrão.
Cabe às forças progressistas
buscar um amplo apoio da população para reforçar o movimento pela saída de
Bolsonaro e seu governo. Essa é a única alternativa para a retomada do processo
democrático com a necessária legitimidade política e institucional, rumo ao
desenvolvimento social e econômico de nosso País.
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