#Escrito e publicado em português do Brasil
O desastre de Beirute
intensificou os apelos, de dentro e fora do país, por uma reforma completa do
sistema político libanês, marcado pelo sectarismo. Mas uma mudança brusca é
tida como improvável num país tão volátil.
Já à beira do colapso econômico,
o Líbano enfrenta agora um futuro político incerto. A explosão de 4 de agosto
em Beirute, causada, ao que tudo indica, por negligência das autoridades,
elevou à indignação dos libaneses. O primeiro-ministro Hassan Diab apresentou na
segunda-feira (13/08) a
renúncia de seu governo e ocupará o cargo apenas até que um novo
gabinete possa ser escolhido.
Durante dias, bonecos
de políticos foram penduradas em forcas simbólicas. Elas foram erguidas por
manifestantes que veem o sistema de governo no Líbano, no qual o poder é
dividido entre facções muçulmanas e cristãs, como fonte de corrupção oficial.
Nomeações importantes e controle sobre setores-chave são usados para promover
os interesses de cada lado em um sistema de clientelismo.
Um relatório recente do grupo de
análise Synaps, baseado em Beirute, constatou que os acordos de divisão de
poder que moldam o governo do Líbano desde 2008 provavelmente aceleraram a
falência do país.
O cientista político libanês Amal
Saad argumentou no Twitter que a única esperança para o desmantelamento do
sistema sectário seria uma nova lei garantindo representação proporcional.
Isso, argumenta ele, estimularia o voto entre as religiões.
Mas, segundo Heiko Wimmen, da ONG
International Crisis Group, seria extremamente improvável que essa proposta
obtivesse apoio de grupos minoritários, que veem o sistema atual como uma
espécie de garantia de sobrevivência. Com alguns dos senhores da guerra ainda
no poder, diz ele, o legado da guerra civil libanesa de 1975-90 ainda assombra
o cenário político.
A questão é que algumas
comunidades minoritárias temem que a representação proporcional as deixaria
vulneráveis à dominação por outros grupos e que o sectarismo, apesar das
mudanças, continuaria a se manifestar, deixando-as com pouca influência e ainda
menos proteção.
O papel do Hisbolá
Muitos veem como problema o fato
de propostas para erguer instituições estáveis considerarem o Hisbolá, a maior
força xiita do Líbano, como um obstáculo, ignorando a realidade do amplo apoio
popular da organização. "Esse cenário não existe na realidade, porque
seria necessário algum tipo de ditador trabalhando por dez anos sem
interferência para construir esse sistema", diz Wimmen.
Esse cenário leva grupos da
sociedade civil, como o LiHaqqi (Pelos meus direitos), de esquerda, a moderar
suas exigências para derrubar o sistema sectário.
A aliança entre o Hisbolá e o
presidente, o cristão Michel Aoun, é vista atualmente como um pilar do status
quo. Após a explosão, o LiHaqqi rejeitou novas eleições supervisionadas pelos
grupos no poder, descartou apoio a um governo de unidade nacional e pediu a
renúncia de Aoun e do presidente do Parlamento, o xiita Nabih Berri.
Para Wimmen, os partidos
políticos independentes que, como o LiHaqqi, se concentram em programas
socioeconômicos para combater a pobreza enquanto promovem os direitos
universais poderiam desempenhar um papel em mudanças graduais. Eles poderiam,
por exemplo, apresentar candidatos que promovam a transparência e o não
sectarismo.
Mesmo um pequeno bloco de
independentes, com assentos no Parlamento em eventuais novas eleições, pode ter
uma chance de mudar os rumos da conversa política em direção à transparência,
afirma Wimmen.
Um exemplo seria tornar pública a
informação que eles recolhem através do acesso a documentos parlamentares
internos. "A mensagem deve ser: 'Você não pode mais jogar esse jogo – se
você não estiver pronto para mudar esse tipo de comportamento, você estará
governando sobre as ruínas'", completa Wimmen.
Pressão internacional
Líderes globais pressionam políticos no Líbano a garantir mais transparência e instituir reformas. As autoridades americanas, por exemplo, culpam cada vez mais publicamente o Hisbolá pelos infortúnios do Líbano. Após a explosão em Beirute, o ministro das Relações Exteriores alemão, Heiko Maas, pediu um "forte recomeço" e reformas econômicas de longo alcance para reconstruir a confiança dos cidadãos.
Líderes globais pressionam políticos no Líbano a garantir mais transparência e instituir reformas. As autoridades americanas, por exemplo, culpam cada vez mais publicamente o Hisbolá pelos infortúnios do Líbano. Após a explosão em Beirute, o ministro das Relações Exteriores alemão, Heiko Maas, pediu um "forte recomeço" e reformas econômicas de longo alcance para reconstruir a confiança dos cidadãos.
No mesmo tom, em visita a
Beirute, se manifestou o presidente francês, Emmanuel Macron, que prometeu
ajudar na construção de um governo de unidade nacional. A mídia e observadores
locais acreditam que tal acordo poderia envolver a volta do premiê sunita Saad
Hariri em troca de concessões por parte do Hisbolá. Visto como mais palatável
para o Ocidente, Hariri também deu ao Hisbolá cobertura política nos círculos
internacionais.
A ajuda inicial acertada no
domingo, em uma conferência de doadores internacionais organizada após a
explosão, contornaria o governo do Líbano, com assistência a longo prazo
condicionada à capacidade de resposta das autoridades às necessidades do povo.
Entretanto, as autoridades libanesas têm resistido aos apelos internacionais de
transparência sobre as causas da explosão.
O apelo de Macron para uma
investigação internacional foi logo rejeitado pelo presidente libanês como
"uma distorção da verdade". Desde a explosão, foi revelado que tanto
Aoun como Berri, presidente do Parlamento, haviam
sido advertidos há semanas sobre o perigo que representavam os
produtos químicos causadores da explosão.
A mídia libanesa também lembrou
que o juiz do tribunal militar Fadi Akiki, que é casado com a sobrinha de
Berri, está supervisionando a investigação preliminar sobre a explosão.
Relatórios não confirmados sugerem que ele está sendo considerado para supervisionar
a investigação do Conselho Judiciário, que seria responsável pelo relatório
final do governo.
Mas o médico libanês Fred Bteich,
que cuida de manifestantes baleados pelas forças de segurança durante
protestos, adverte que não se pode subestimar o poder das ruas. "Eles
estão brincando conosco, mas nós não somos idiotas", diz. "Desde que
o governo renunciou, estamos dizendo que isso não é suficiente. Espero que possamos
mudar alguma coisa."
Tom Allinson | Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário