Thierry
Meyssan*
A
economia libanesa afundou-se em sete meses. Os habitantes começam a padecer de
fome. Uma solução é possível se analisarmos correctamente as causas do
problema.
Mas, é preciso aceitar reconhecer os erros e distinguir aquilo que é
estrutural do que tem a ver com os problemas regionais. É inútil e maledicente
acusar o inimigo tradicional (Israel), ou o seu brutal aliado (os Estados
Unidos), de ter causado um problema que dura há séculos e se torna por isso
anacrónico. É também perigoso ignorar a evolução do actual principal aliado do
Hezbolla (o Irão).
Um
problema estrutural, herdado do passado
Desde
o início dos acontecimentos do Líbano, havíamos sublinhado que o problema
estrutural não era a corrupção, mas a organização deste país segundo um
sistema comunitário confessional [1].
Por outro lado, antes que o problema bancário se tivesse tornado público,
havíamos anunciado e havíamos explicado que, como em todos os bancos, os bancos
libaneses não possuem liquida senão a décima parte dos seus depósitos. Por
conseguinte, logo que surge um problema político grave que altera a confiança,
todos os bancos se mostram incapazes de reembolsar os seus clientes.
Continuamos
a afirmar que os Libaneses se enganam ao lançar as culpas sobre os cor-ruptos.
O Povo é o único responsável por ter aceite a continuação deste sistema feudal,
herdado da ocupação otomana, e sob a cobertura do comunitarismo confessional,
herda-do da ocupação francesa. São sempre as mesmas famílias que controlam o
país desde há séculos; não as tendo a guerra civil (1975-90) renovado senão
muito ligeiramente.
É
assombroso ouvir os muçulmanos negar a colonização otomana e os maronitas a
regozijarem-se perante a sua «Mãe França» (sic). É claro, todos têm motivos
para ter come-tido estes erros, mas não é fechando os olhos ao passado que se
criará um futuro viável.
Washington
e Telavive não querem destruir o Líbano
Os
Estados Unidos fazem claramente pressão contra o Hezbolla. No entanto, como
disse o General Kenneth McKenzie, comandante do CentCom, durante a sua recente
visita a Beirute, trata-se para eles de uma pressão indirecta contra o Irão.
Ninguém cuida em destruir o Hezbolla, que é o exército não-estatal mais forte
do mundo. Ninguém está a urdir guerra contra o Líbano, e menos ainda Israel.
Este
esclarecimento é tanto mais necessário quanto os Estados Unidos ameaçaram o
Lí-bano de retaliação se ele não aceitasse a iníqua linha divisória traçada
pelo Embaixador Frederic Hof. Ela delimita as zonas marítimas israelita e
libanesa de maneira a facilitar a exploração de reservas de gás por Telavive.
Igualmente, eles fizeram pressão sobre o Líbano, de acordo com as suas necessidades
tácticas, para atingir a Síria: um dia pedindo para se abster de qualquer
intervenção, no dia seguinte exigindo que acolha e mantenha os refugiados a fim
de afundar a economia de Damasco.
Quanto
a Israel, este país é agora governado em simultâneo por dois
Primeiros-Ministros. O primeiro Primeiro-Ministro, Benjamin Netanyahu, é um
colonialista no sentido anglo-saxónico do termo. Ele pretende estender o
território israelita «do Nilo ao Eufrates», tal como está simbolizado pelas
duas listas (listras-br) azuis da bandeira israelita. O segundo
Primeiro-Ministro, Beny Gantz, é um nacionalista israelita, que pretende viver
em paz com os seus vizinhos. Os dois homens paralisam-se mutuamente, enquanto
que o Tsahal (FDI) se inquieta com as devastações que o Hezbolla, em caso de
guerra, não deixaria de causar desta vez em Israel.
O
projecto persa que ninguém quer
O
Líbano é um Estado artificial desenhado pelos Franceses. Ele não tem nenhuma
possibilidade de viver com autonomia e depende, obrigatoriamente, não apenas
dos seus dois vizinhos, Síria e Israel, mas também de toda a região.
A
pressão dos EUA concentra-se no Irão. Há três semanas atrás, a base militar de
Tarchin (a sudoeste de Teerão) explodiu, suscitando declarações oficiais
dilatórias. Na semana passada, sete pequenos navios militares iranianos
explodiram no Golfo. Desta vez, nem o Pentágono nem o Exército iraniano
emitiram qualquer comunicado a propósito.
Desde
2013, o Irão (xiita) do Xeque Hassan Rohani mudou de propósitos. Deu-se como
objectivo estratégico, oficialmente adoptado em 2016, a criação de uma
federação de Es-tados com o Líbano(maioria relativa xiita), a Síria (laica), o
Iraque (maioria xiita) e o Azerbaijão ( turco-xiitas). O Hezbolla equiparou
este projeto ao «Eixo da Resistência» que se havia formado face às invasões
israelitas e norte-americanas. No entanto, não são apenas Israel e os Estados
Unidos que se opõem a isso, mas também aqueles que deveriam fazer parte desta
federação. Todos se levantam contra a reconstituição de um império persa.
Sayyed
Hassan Nasrallah, Secretário-Geral do Hezbollah, acha que esta federação
respeitaria os diferentes sistemas políticos dos Estados que a formassem.
Outros, pelo contrário, nomeadamente os partidários do Secretário-Geral
adjunto, Naïm Qassem, pensam que todos deverão admitir a governação por sábios,
tal como descrito por Platão no seu livro A República, e instituída no
Irão pelo Imã Rouhollah Khomeiny (grande especialista no filósofo grego) sob a
denominação de Velayat-e faqih. O Hezbolla já não é simplesmente a rede
de Resistência que jogou o ocupante israelita para fora do Líbano. Ele
tornou-se um partido político com tendências e facções.
Ora,
o Velayat-e faqih, atraente no papel, tornou-se, na prática, o suporte da
autoridade do Guia da Revolução, o Aiatola Ali Khamenei. O Irão não conseguirá
seguramente estender este sistema aos seus aliados, sobretudo no momento em
que é contestado em ca-sa. É um facto: todos na região, incluindo os seus
inimigos, admiram o Hezbolla, mas quase ninguém deseja o projecto iraniano, nem
pode confiar sequer apenas no compro-misso de Sayyed Hassan Nasrallah.
Na
semana passada, o Embaixador do Irão em Damasco declarou partilhar os
objectivos da Rússia contra os exércitos jiadistas, mas divergir sobre o futuro
da região. Pela primeira vez, um funcionário iraniano admitia o que escrevemos
desde há muito tempo: a Rússia e os Estados Unidos, também eles, entendem-se
quanto a este ponto. Não querem, nem um nem outro, esta pretendida Federação
xiita da Resistência.
Esta
semana, a agressão do Azerbaijão (turco-xiita) contra a Arménia
(russo-ortodoxa), fora da zona de confronto tradicional de Nagorno-Karabaque,
atesta que o problema li-gado a este projeto de Federação se estende pela
região.
A
renúncia do Hezbolla a esta fantasia teria pesadas consequências porque
dissolveria o sonho de um novo império persa. Mas como ninguém o quer e é
improvável que veja a luz do dia, o Partido de Deus prefere manter a dúvida
sobre a sua posição e tirar provei-to, o maior tempo possível, do seu aliado
iraniano.
A
pressão dos Estados Unidos visa forçar o Hezbolla a dar esse passo. Bastará que
o Partido de Deus declare não escolher este projecto de Federação da
Resistência para que a agressividade de Washington, e dos seus aliados, a seu
respeito acalme.
Como
curar o Líbano ?
Todavia,
isso não resolverá de forma alguma o problema actual do Líbano. Isto pressu-põe
que todos renunciem aos seus privilégios comunitários confessionais, quer
dizer, não apenas os maronitas à presidência da República, os sunitas ao posto
de Primeiro-ministro e os xiitas à presidência da Assembleia Nacional; mas
também aos lugares (as-sentos-br) reservados na Assembleia Nacional; e ainda a
todas as formas sectárias de distribuição de postos na Função Pública. Só então
é que os Libaneses poderão procla-mar a igualdade de todos os seus cidadãos, de
acordo com o princípio «um homem, um voto» e, conseguir, finalmente, tornar-se
a democracia que sempre alegaram ser e que jamais tiveram.
Este
gigantesco empreendimento deverá pôr fim a vários séculos de confessionalismo
sem, no entanto, provocar guerra civil. É, portanto, quase impossível de aí
chegar sem passar por uma fase autoritária, a única capaz de bloquear
antagonismos durante o perí-odo de transição. Aquele que desempenhar o papel de
reformador deve, ao mesmo tem-po, dispor do apoio da maioria e não estar em
conflito com nenhuma das 17 comunida-des religiosas.
Alguns
inclinam-se para o General Chamel Roukoz, o vencedor da Fatah al-Islam
(bata-lha de Nahr al-Bared, 2007) e do Xeque Ahmed al-Assir (batalha de Sidon,
2013). Mas este prestigiado militar tem o azar de ser um dos genros do
Presidente Michel Aoun, o que, devido à divisão sectária, lhe fez perder a
nomeação como Chefe das Forças Arma-das. Os Estados Unidos desejam que aquele
que, finalmente, foi designado para este cargo, o General Joseph Aoun (sem laço
de parentesco com o precedente), assuma o Po-der. Para recuperar as suas
chances, o General Chamel Roukoz acaba de apelar à demis-são dos «três
presidentes», o da República (o seu sogro), o do Governo e o da Assem-bleia
Nacional.
O
Exército regular jamais recebeu as armas necessárias para defender o país e,
portanto, apoia-se no Hezbolla para prevenir uma nova invasão israelita. Chamel
Roukoz e Joseph Aoun sempre mantiveram boas relações com o Partido de Deus.
Eles gozam, um e outro, de uma imagem de imparcialidade em todas as
comunidades.
Thierry Meyssan* |
Voltairenet.org | Tradução Alva
Imagem:
O General Chamel Roukoz é a personalidade libanesa com mais legitimidade para
reformar o país. No entanto, os Estados Unidos prefeririam que o General Joseph
Aoun (sem laço de parentesco próximo com o Presidente da República) jogasse o
papel de « ditador » (no sentido romano antigo do termo).
*Intelectual
francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace.
As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe,
latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
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