Uma
calamidade como a provocada pela monstruosa explosão é, sem dúvida, uma maneira
de contribuir para a ingovernabilidade do pequeno e flagelado país dos cedros.
José
Goulão | AbrilAbril | opinião
A
existência de 2750 toneladas de nitrato de amónio num armazém no porto de
Beirute pode justificar, segundo os especialistas, a extensão da catástrofe
registada na tarde de 4 de Agosto e o seu trágico balanço parcial de 150
mortos, mais de cinco mil feridos e de 300 mil desalojados. O que parece mais
difícil de explicar é o estranho cogumelo observado sobre o local na sequência
das explosões, em vez das esperadas nuvens de fumo em dispersão, seguido por
uma vaga gigantesca no mar e um abalo sísmico de 3,5 na escala de Richter –
eventual causador de grandes estragos em redor, juntamente com o sopro do
rebentamento. O que terá acontecido, de facto, em Beirute?
É
muito mais fácil enunciar perguntas do que encontrar respostas, sobretudo num
caso em que provavelmente estas não venham a ser dadas, pelo menos em termos de
explicar o que efectivamente sucedeu. O Líbano sempre foi a terra mártir de
muita violência e poucas explicações.
As
autoridades libanesas, especialmente o presidente Michel Aoun e o
primeiro-ministro Hassan Diab, mantêm que a explosão ocorreu num armazém onde
há seis anos estavam depositadas 2750 toneladas de nitrato de amónio
confiscadas a embarcações que frequentaram o porto. As declarações oficiais
focam o problema da incúria dos procedimentos adoptados, especialmente em
termos de segurança da matéria explosiva, mas são omissas quanto à causa
detonadora. Será talvez muito cedo para conhecê-la, mas o assunto anda diluído,
como que perdido entre declarações e especulações.
O
jornalista Richard Silverstein invoca as suas fontes nos serviços
secretos israelitas para levantar a hipótese de Israel ter montado uma operação para destruir um depósito de armas do Hezbollah no
porto de Beirute ignorando – ou não se preocupando com isso – o facto
de existir um armazém com explosivos nas vizinhanças. A possibilidade faz algum
sentido porque os «depósitos de armas» do Hezbollah marcam presença de vulto
entre os pretextos usados por Israel para tentar impor a sua ordem militar na
região, seja no Líbano1 ou
na Síria2.
E o jornal Al-Hadath fez questão de vincar, a propósito dos
acontecimentos, que um armazém no porto de Beirute é utilizado para albergar
armas iranianas transportadas para o Hezbollah3.
Multiplicação
de cogumelos
Nada
disto, porém, contribui para explicar a perfeita nuvem em forma de cogumelo
observada na sequência imediata das explosões, habitualmente associada a
fenómenos nucleares. Não são conhecidos dados resultantes de eventuais medições
de radioactividade na zona, mas uma investigação séria dos acontecimentos, como
é prometida pelas autoridades libanesas, não pode dispensar uma pesquisa nesse
campo.
Acresce
que outros fenómenos registados em consequência da explosão, a vaga gigantesca
levantando automóveis que se encontravam estacionados na zona ribeirinha e o
tremor de terra medido por uma instituição alemã (GFZ, Centro Alemão de
Geociência), podem ser associados a rebentamentos nucleares.
A
imagem do cogumelo poderia resultar, ainda assim, de uma caprichosa conjugação
das nuvens de fumo por alguma causa conjuntural. No entanto, não é caso único
nos tempos mais recentes.
Desde
o início de Julho, contando com esta registada em Beirute, já
são oito as explosões culminadas com espessas nuvens de fumo em forma de
cogumelo na região do Médio Oriente, segundo o website Réseau Voltaire.
Sete destruíram outros tantos pequenos navios de guerra iranianos no Golfo
Árabe-Pérsico na segunda semana de Julho.
Que
nova arma terá entrado em funções nas mãos de inimigos do Irão e do Líbano –
país onde o Hezbollah integra a coligação governamental?
Donald
Trump, no seu estilo, apressou-se a comentar, a propósito de Beirute, que se
tratou de «um terrível ataque» com «um certo tipo de bomba». Logo os generais
do Pentágono procuraram os seus contactos na comunicação social corporativa
para dizerem que não sabiam do que o presidente estava a falar, para eles
continua a ser válida a versão das autoridades libanesas de que a explosão foi
provocada pelo armazenamento de nitrato de amónio.
Por
uma vez os militares norte-americanos não acusaram o Hezbollah de ter cometido
um atentado terrorista, mas isso está longe de significar uma suspensão na
guerra de desestabilização em curso para tornar o Líbano ingovernável e criar
condições para que o popular e poderoso partido xiita seja afastado do governo.
Uma calamidade como a provocada pela monstruosa explosão é, sem dúvida, uma
maneira de contribuir para a ingovernabilidade do pequeno e flagelado país dos
cedros.
Dois
caminhos
Coincidência
ou não, a explosão aconteceu na semana em que está prevista a divulgação da
sentença de um tribunal internacional formado no âmbito das Nações Unidas para
julgar os supostos autores do atentado que provocou, em 14 de Fevereiro de 2005, a morte do então
primeiro-ministro libanês, o magnata líbano-saudita Rafic Hariri.
Um
tribunal que tudo tem feito para se descredibilizar, no seu afã pré-determinado
e montado por serviços secretos ocidentais de culpar o Hezbollah4.
Provavelmente
a leitura da sentença será adiada. O que não invalidará o facto de existirem
dois caminhos que remetem os acontecimentos de agora para circunstâncias a ter
em conta no atentado de 2005.
O
jornalista francês Thierry Meyssan demonstra, numa investigação publicada em
2010 pela revista russa Odnako, a improbabilidade da tese adoptada pelo
tribunal e pelos serviços de investigação mobilizados pelas Nações Unidas
segundo a qual o atentado que matou Hariri foi cometido através de um camião de
explosivos conduzido por um suicida.
A
cena do crime é muito mais compatível, segundo o texto do jornalista, com uma
explosão provocada por um engenho de tipo desconhecido transportado por um
drone – de que existem filmagens tornadas públicas – e que, ao explodir, fez
concentrar um volume invulgar de calor numa fracção de tempo mínima. Uma
situação anómala que provocou, por exemplo, a fusão do relógio de ouro no pulso
de Hariri enquanto o colarinho da sua camisa se manteve intocado.
Um
dos sobreviventes do atentado, o ministro Bassel Fleyhan, foi socorrido num
hospital e revelou sinais de ter sido exposto a radioactividade, uma
circunstância que, estranhamente, não foi associada ao atentado pelas
autoridades responsáveis pela investigação – muito apegadas à tese do kamikaze e
das suas supostas ligações ao aparelho militar do Hezbollah.
O
trabalho da revista Odnako não foi tido em conta pelo tribunal
internacional; e antes que isso tivesse mesmo possibilidade de acontecer foi
militantemente atacado por um dos jornais oficiosos do regime sionista de
Israel, o Jerusalem Post. No entanto, a investigação existe e remete, no campo
das hipóteses, para um engenho explosivo transportado por um míssil de
centímetros fabricado no domínio das nanotecnologias aplicadas ao nuclear.
Coisa de que muito se vem falando como alternativa ao uso das bombas nucleares
clássicas.
Estes
casos dão, no mínimo, que pensar.
Destroçar
o Líbano
A
circunstância de os Estados Unidos e Israel não conseguirem manipular o governo
do Líbano nas suas estratégias contra o Irão, a Síria e até para obrigar
Beirute a abandonar os seus legítimos direitos a recursos de gás natural em
águas territoriais disputadas com Telavive, tem estado na base de uma «guerra
branda» mas persistente. Washington está por detrás de todos os processos de
desvalorização da lira libanesa, de crise bancária e energética que têm
desestabilizado o país; e não deixa de estar por detrás, igualmente, dos protestos organizados segundo os métodos das «revoluções
coloridas» que têm como objectivo fragilizar e manietar o governo.
Finalidade última: expulsar o Hezbollah da maioria governamental.
O
Hezbollah, apoiado pela comunidade xiita, que representa 33% da população, e
até por sectores de outras origens religiosas, e mesmo seculares, tem sido o
travão às ambições coloniais plenas de Washington e Telavive. O seu real poder
político, conjugado com o efeito dissuasor do seu poderoso aparelho militar,
têm permitido ao Líbano usar alguma voz própria que os inimigos do governo
consideram necessário silenciar. Israel ainda não digeriu a derrota militar
sofrida em 2006 na sua ofensiva contra o Líbano – e o Hezbollah tinha então um
poder militar bastante inferior ao actual; Washington e Telavive não admitem, entretanto, que o governo de
Beirute continue a rejeitar as demarcações das águas territoriais –
que privam o Líbano de grande parte dos potenciais recursos de gás
natural – feitas pelo embaixador Frederic Hof5 e tendenciosamente
favoráveis ao lado mais forte.
Acontece
ainda que o governo do Líbano, alvejado por todos os lados pelos seus «amigos
naturais», tem vindo a aproximar-se do Irão, sobretudo na procura de produtos
refinados com os quais possa combater a crise energética6.
Para tal, Teerão estaria na disposição de receber pagamentos na frágil lira
libanesa. Um pecado mortal.
A
explosão de 4 de Agosto no porto de Beirute pode ter sido provocada pelo efeito
do calor extremo de Verão sobre uma quantidade avultada de nitrato de amónio a
utilizar como fertilizante. Mas veio a calhar para quem pretende tornar o
Líbano ingovernável. Além dos efeitos trágicos directos, a destruição do porto
de Beirute priva o país das instalações que asseguravam 80% das importações,
sobretudo de produtos alimentares. A somar à bancarrota, a uma quebra de 32% da
economia, aos efeitos das cruéis sanções norte-americanas, ao blackout
energético, o espectro da fome avança sobre o pequeno país, sobrecarregado com
uma vaga de refugiados da guerra da Síria que fez aumentar a população em 25%.
A
explosão pode ter sido um acidente. Pode. Mas só haverá certezas depois de
decifrar o enigma da perfeita nuvem em forma de cogumelo que assombrou o porto
de Beirute naquela tarde.
Imagem: Beirute depois da explosão: centenas de mortos e desaparecidos, milhares de
feridos, centenas de milhares de desalojados, um quarto da cidade destruída, na
mais violenta explosão conhecida depois das bombas de Hiroshima e Nagasáqui - Anwar
Amro / AFP
Exclusivo O
Lado Oculto/AbrilAbril
Notas:
1.Registe-se
que, seis dias antes da explosão, Israel desenvolvia manobras militares na
fronteira com o Líbano e dizia-se pronto para um confronto com esse país. Ver «Israel ready for confrontation with Lebanon, officials say»,
no Middle East Monitor (MEMO).
2.No
dia 5 de Agosto, a menos de 24 horas da explosão em Beirute, aviões israelitas
atacaram a Síria. Ver «Russia condemns Israeli air strikes in Syria», Middle
East Monitor (MEMO).
3.Declarações
do ex-deputado do Likud Moshe Feiglin, citadas por Silverstein, foram
recolhidas de forma mais desenvolvida pelo Middle East Monitor (MEMO).
Feiglin aponta a explosão como uma acção de que os israelitas se devem
orgulhar, destinada a destruir armas do Hezbollah que poderiam ser utilizadas
contra o Estado de Israel e que este deve continuar a exercer uma política de
«equilíbrio pelo terror». Ver «Ex-Israel MK declares Lebanon blast as 'gift from God'».
4.O
Hezbollah, em 2010, divulgou provas de que Hariri era estreitamente vigiado por
Israel e acusou este país de estar por trás do assassinato. Ver «Is Hezbollah right that Israel assassinated Lebanon's Rafik
Hariri?», no Christian Science Monitor.
5.O
embaixador Frederic C. Hof fez sobretudo carreira como militar. Veterano da
Guerra no Vietname, foi destacado para o Médio-Oriente e adido militar em Beirute. Integrou
o gabinete do Secretário de Estado da Defesa dos EUA. Como diplomata foi
escolhido pelo presidente Obama como consultor especial para a transição na
Síria [sic]. Actualmente é o CEO de uma empresa fundada por ex-militares para
prestar serviços de intelligence e segurança em situações conturbadas. Ver biografia
no Bard College.
6.Embora
o Líbano temesse as consequências de ser alvo de sanções por parte dos EUA, a
falta de dólares para pagar as suas importações no mercado internacional pressionavam
o Hezbollah e o Governo a aceitar a oferta iraniana. Ver «Lebanon blocks Iran cargo ships from docking over US sanctions
fears» e «Hezbollah says it is attempting to secure Iranian fuel supplies
for Lebanon».
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