Timor-Leste está a ver nascer uma
"epidemia" de doenças sexualmente transmissíveis, especialmente HIV e
sífilis, mas há ainda "uma janela de oportunidade" para, com
políticas adequadas, mitigar e controlar a sua progressão, segundo um estudo
divulgado hoje.
"Os decisores e planeadores têm
que garantir programas inovadores fortes, estratégicos para aumentar a
prevenção, além do atual programa de testar e tratar", refere-se
no estudo ao qual a Lusa teve acesso.
"Isto requer também
políticas progressivas -- como preservativos -- para todos e não apenas para
populações alvo", aponta-se.
Desenvolvido em colaboração entre
o Ministério da Saúde timorense e a Organização Mundial de Saúde (OMS), o
estudo baseia-se num inquérito e análise conduzida entre novembro de
2018 e março de 2019, com o maior número de locais de vigilância sentinela
de sempre.
O estudo recolheu dados e
inquéritos em seis municípios do país, junto de populações alvo, nomeadamente
pacientes de clínicas que tratam doenças sexualmente transmissíveis (DST) e
prestam cuidados pré-natais, forças 'em uniforme', trabalhadores sexuais,
homossexuais e transgéneros e doentes com tuberculose.
Os dados mostram um "forte
aumento" na prevalência tanto de HIV como de sífilis, devido a
um aumento no comportamento de risco das populações alvo analisadas.
Em termos gerais, o estudo mostra
que desde 2013 a
prevalência de HIV e sífilis aumentou de 0,04% para 0,3% entre
pessoas que visitam clínicas de cuidados pré-natais e cresceu de 0,37% para
3,1% entre pacientes de clínicas nas quais se tratam doenças sexualmente
transmissíveis.
No caso da população com
tuberculose, outro dos grupos alvo analisados, a prevalência aumentou de 0,38%
para 1,1% no mesmo período.
No caso do HIV, o estudo
mostra uma prevalência de 0,3% entre mais de 3.446 testes conduzidos em
clínicas pré-natais, valor que subiu para 3,1% no caso da amostra de pacientes
das clínicas de DST e que rondou os 1,1% entre doentes com
tuberculose.
No caso de inquiridos 'em
uniforme' a prevalência foi de 0,7%, atingindo os 1,2% entre trabalhadores
sexuais e respetivamente de 1,2 e 1,3% entre homossexuais e transgéneros.
As percentagens foram maiores no
que toca à sífilis, com uma prevalência a atingir os 8,3% entre pacientes de DST,
os 7% entre pessoas 'em uniforme'.
Além da prevalência das doenças,
o estudo olhou para comportamentos sexuais dos inquiridos, com mulheres
trabalhadoras sexuais a reportarem que usam preservativo apenas em 70% dos
casos com clientes e apenas 20% com os seus parceiros regulares.
Mais de 8% destas mulheres
reportam terem sido alvo de violência no último ano.
Entre homens homossexuais, o
estudo aponta "um baixo uso de preservativos" -- de apenas 38% -, com
cerca de 50% a explicarem ter recebido dinheiro a troco de sexo e 6% a
reportarem ter sido alvo de violência.
Apesar de algumas melhorias nos
últimos anos, as questões sexuais são ainda um assunto quase tabu em
Timor-Leste, onde as tradições e a religião travam muitas das ações de
prevenção, como saúde sexual ou até a distribuição de métodos de proteção,
como preservativos.
A própria Comissão Nacional de
Luta Contra a SIDA (CNCS), liderada por um pastor protestante, é acusada de
políticas desadequadas, não promovendo o uso de preservativos por toda a
população, visando apenas populações consideradas de risco ou doentes já seropositivos.
Daniel Marçal, responsável
da comissão, já afirmou publicamente que a dança angolana quizomba, uma
das mais populares no país asiático, "estraga o futuro dos jovens"
que a praticam.
Uma deputada do CNRT,
Bendita Moniz Magno, chegou no passado a afirmar que a rede social Facebook está
a contribuir para o aumento da sida em Timor-Leste porque permite mais
contactos entre os jovens.
Mais do que posturas
conservadoras, críticos apontam o facto da CNCS ter deixado de fazer
a recomendação do uso de preservativos, optando por medidas de promoção do "autocontrolo".
Esta postura é criticada por
funcionários do setor da saúde e representantes de algumas
organizações da sociedade civil que apontam para o aumento de doenças de
transmissão sexual, incluindo hepatites, e para a falta de programas adequados
de prevenção.
Questionado sobre a alteração da
política, Daniel Marçal explicou que se trata de "uma mudança de
método", que pretende "mudar mentalidades e hábitos" e não
"estimular o pecado do sexo livre".
Posturas conservadoras levam a
que muitos jovens não tenham sequer a mínima informação sobre saúde sexual e
que muitas mulheres tenham de procurar de forma escondida acesso a métodos de contraceção.
A crescente mobilidade económica
da população implica que o acesso a trabalhadores sexuais, tanto em Timor-Leste
como no estrangeiro, fez aumentar os riscos de DST.
Jovens, muitas vezes, admitem não
ter conhecimentos sobre reprodução -- sabem que estão grávidas numa fase
avançada da gravidez -, com o poder masculino dominante na sociedade a
'obrigar' muitas vezes a mulher a ter relações sem qualquer proteção.
Notícias ao Minuto | Lusa | Imagem: Reuters
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