Manuel Carvalho Da
Silva * | Jornal de Notícias | opinião
Interrogado acerca da situação
económica do país, o ministro das Finanças foi perentório: "já batemos no
fundo". Mas, logo de seguida, reconheceu que ainda não estamos a
experimentar todas as consequências do mergulho nas profundezas dos problemas,
admitindo que o desemprego poderá aumentar.
Então, a questão mais importante
não é saber se já batemos ou não nesse fundo perigosamente movediço. O grande
desafio é procurar saídas do sítio onde estamos: evitar, a todo o custo, que a
sobreposição do desemprego à pandemia se torne estrutural e nos aprisione nas
profundezas.
Quase tudo depende da evolução do
emprego e do desemprego, tanto em Portugal como no resto do Mundo. Nessa
questão nos deveremos focar, sobretudo quem, como o ministro da Finanças, está
a trabalhar no Orçamento do Estado para 2021 que pode (ou não) ser importante
instrumento no combate ao desemprego.
O desemprego é a pior das formas
de desperdício. Nas últimas semanas estive envolvido em processos de seleção de
candidaturas a postos de trabalho: fui surpreendido pela qualidade dos
trabalhadores que temos, a sua inequívoca vontade de trabalhar, a riqueza das
suas qualificações; contudo, senti revolta e frustração face à necessidade de
termos de escolher duas pessoas de entre muitas dezenas de candidatas, deixando
para trás tantas outras que podiam desempenhar as funções a preencher. São, na
sua maioria, mulheres e homens no desemprego, com formações e experiência
profissional de que o país precisa, muitas delas vítimas dos escabrosos enredos
da precariedade, e também alguns empregados a quem o trabalho não é minimamente
valorizado.
Desemprego é capacidade de
trabalho não mobilizada para responder a necessidades, muitas vezes prementes,
da economia e da sociedade - produção interna de bens importados, melhoria da
gestão das empresas e da Administração Pública, reforço da capacidade dos
serviços de saúde, da escola e do sistema de justiça, prestação qualitativa de
cuidados em lares de idosos, creches e infantários.
O desemprego é muito o produto de
um círculo vicioso absurdo: a contração da procura gera desemprego e os
desempregados, ao ficarem privados de parte fundamental de rendimento, acentuam
essa contração. E, a não criação de emprego transforma desempregados de curta
em longa duração e destrói aceleradamente qualificações.
Como se pode romper este círculo
vicioso evitando que à crise pandémica que nos atira para as profundezas se
sobreponha uma crise de desemprego? Os princípios básicos da resposta são
conhecidos: (1) colmatar a quebra do consumo e do investimento privados através
da procura e investimento públicos; (2) substituir parte das exportações
perdidas por dinamização da procura interna, como aconteceu parcialmente este
verão no turismo; (3) contrariar a opção dos empregadores pela resolução de
problemas conjunturais através de despedimentos, efetivos ou camuflados; (4)
travar a tendência para a desvalorização geral dos salários induzida pelo
desemprego e salvaguardar a rota da melhoria do salário mínimo nacional; (5)
assegurar programas de formação que facilitem reconversões profissionais e
propiciar o regresso à escola para muitos trabalhadores.
É imperioso que o processo de
negociação do Orçamento gere um consenso em torno da prioridade de combate ao
desemprego.
*Investigador e professor
universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário