Daniel Vaz de Carvalho
O problema económico fundamental
sem cujo estudo é impossível compreender alguma coisa quando se trata de emitir
uma opinião sobre a política atual: o problema económico do
imperialismo.
V.I. Lenine, O imperialismo fase superior do capitalismo (Prólogo)
1 - Do arco de Kursk à
Bielorússia
Entre o designado "arco de Kursk" em 1943 na URSS e a Bielorrússia
atual há evidentes semelhanças estratégicas: ambas se tornaram como que
enclaves rodeados de forças hostis, pelo que o próximo ataque se desencadearia
naqueles salientes. À URSS só restava uma alternativa: vencer essa batalha.
Mesmo um "empate", as forças acabarem nas posições iniciais ou
próximo disso, equivalia a que as vitórias até ali obtidas (Moscovo,
Estalinegrado) seriam postas
Na Europa
Há alguns meses Mike Pompeo visitou estes países e também a Bielorrússia. Aqui
foi-lhe dito pelo Presidente desejar manter boas relações com os EUA, mas que
não alteraria as relações com a Rússia dado os tratados e relações económicas
que mantinha com esse país. O império não aceita posições deste tipo, como se
comprovou com Iakanovitch (Ucrânia). Os seus princípios são: ou estás por nós
ou contra nós. A Bielorrússia ia assim ser palco da próxima "revolução
colorida", facilitada com as concessões feitas aos EUA, os 34 projetos de
ONG existentes no país, a infiltração da CIA nos serviços secretos
bielorrussos.
A contestação das eleições ganhas por Lukashenco – 80% dos votos – serviu de
base para desencadear uma série de manifestações, apropriadas pelos países da
NATO para uma "mudança de regime". É o habitual quando as eleições
não dão o resultado desejado pelo império. Sem dúvida que os 80% são
dificilmente credíveis, porém não foram apresentadas provas de fraude e ainda
menos de que a oposição teria ganho as eleições. Algo que os políticos e os
media do sistema se dispensam. Entretanto foi promovida uma
"presidente" que segue o guião dado a Guaidó para a Venezuela.
Por dentro dos acontecimentos na Bielorrússia estão forças de cariz fascista,
mantidas por fundos estrangeiros com o objetivo de integrar o país no quadro da
NATO. O facto da oposição ter dito que deseja relações equilibradas tanto com o
"ocidente" como com a Rússia, é apenas uma fase de transição. Para a
Bielorrússia as perspetivas não seriam muito diferentes das da Ucrânia, um país
dividido, entregue ao desvario de fascistas e corruptos, base para ataques à
Rússia. Embora aparentemente dividida quanto à via a seguir, é isto que a UE
promove propondo para o prémio Sakarov a "oposição bielorrussa".
A Rússia não pode permitir-se perder o último aliado na Europa, que de caminho
se tornaria uma base hostil. Uma vitória do império através de outra
"revolução colorida" representaria uma derrota da Rússia colocando o
seu território muito mais vulnerável militarmente e não só.
A "guerra fria" na Bielorrússia prossegue. A Rússia conseguiu suster
o ataque não parecendo disposta a ceder. Porém, esta espécie de
"empate" está longe de ser uma vitória. Uma vitória seria a
integração na Rússia como republica federada, em que a situação estratégica se
tornaria nitidamente favorável à Rússia.
Kursk representou uma derrota decisiva para a coligação nazifascista, muitos
milhões iriam ainda até a besta fascista ser aniquilada. Uma derrota do
imperialismo na Bielorrússia não irá terminar a política de guerra contra a
Rússia, o que só acontecerá com o desmembramento e total submissão deste país
(o caminho encetado pelos "democratas" de Ieltsin e
"perestroikos") ou com o fim do imperialismo.
As teses da "decadência" têm servido de esteio ao fascismo. Por exemplo, "O declínio do Ocidente" de Oswald Spengler serviu a ideologia nazifascista. Tratam-se de análises subjetivas face a "valores" assumidos à priori como os válidos, enraizados na defesa do colonialismo e imperialismo e na superioridade rácica ou do "ocidente cristão". Estes "valores" opunham-se aos direitos humanos dos povos considerados "atrasados" e ao "comunismo ateu e apátrida" que lutava pela libertação e igualdade de direitos de todas as nações e seres humanos.
As teses da "decadência" levam ao conformismo e à crença nos "homens providenciais" para a resolução dos problemas. Como se sabe, o marxismo aponta o caminho da luta consistente e organizada das massas populares em torno de projetos de progresso social. Luta que será tanto mais favorável quanto as fragilidades e contradições do imperialismo forem entendidas e devidamente levadas à sua superação.
Uma análise consistente deve portanto centrar-se na forma como a sociedade objetivamente se estrutura e nas suas capacidades e fragilidades económicas, financeiras, sociais e militares.
Em termos económicos o imperialismo adotou nesta fase as teses de Hayek, um grão mestre da confraria reacionária, para o qual "a política assumiu um lugar demasiado dispendioso e nocivo, absorvendo demasiados recursos materiais" (Droit, Legislation et Liberté, parte 3, PUF 2013). A isto David Rockfeller, um dos fundadores da Comissão Trilateral e do Grupo de Bildelberg, dizia que o mundo dos negócios "parece-me ser a entidade lógica para tomar o lugar dos governos". ( Newsweek International, 1/2/1999) [1]
Estas teses visaram a privatização tanto do económico como do social, a expansão global da finança e das transnacionais: a globalização.
A globalização pretendia ser a infraestrutura económica de suporte ao império: falhou mesmo antes da pandemia. Professores universitários e jornalistas, escutados como pitonisas, faziam tábua rasa das evidências teóricas e das realidades, garantindo que entregues aos "mercados" e ao livre comércio globalizado, os países pobres iriam sair da pobreza e nos países ricos se elevaria o nível de vida proporcionando acesso a bens mais baratos.
O resultado foi, mesmo nos países do imperialismo, mais desigualdades e pobreza, endividamento, aumento dos défices das BC, enriquecimento sem limites das oligarquias nacionais e transnacionais.
Com o grande capital praticamente sem controlo, as crises económicas e financeiras tornaram-se endémicas, o capital fictício da especulação domina a economia: mesmo com a produção real estagnada ou em recessão a finança aumenta as cotações bolsistas.
A fragilidade económica dos EUA torna-se evidente quer no seu endividamento quer no défice da BC, que atinge 831 mil milhões de dólares, grande parte resultante de transnacionais dos EUA. A dívida federal dos EUA passou de 800 milhões de dólares em 1990, para 19,7 milhões de milhões em 2016 e 26,8 milhões de milhões de dólares em setembro de 2020, 136,7% do PIB. Incluindo as dívidas dos Estados e locais, sobe aos 30 milhões de milhões, 153,67% do PIB. [2] A dívida externa é de 127,6 % do PIB. Em comparação, a Rússia tem uma dívida federal de 19,54% e divida externa de 55,9% do PIB. Quanto à China 50,4% e 15,97% do PIB, respetivamente. [3]
Esta situação, aliada à reduzida poupança interna, cria uma elevada pressão sobre o dólar, uma das principais armas do imperialismo. O seu papel como principal moeda de reserva mundial, está muito fragilizado dado que, em consequência da agressividade imperialista, a China e a Rússia lideram o movimento de desdolarização das trocas internacionais, suportando o valor das suas moedas com enormes reservas de ouro e capacidade produtiva.
A estas insuperáveis contradições alia-se uma situação social cada vez mais degradada. A produtividade , como o New York Times salientou , aumentou 77% desde 1973, mas o pagamento por hora cresceu apenas 12%. Se o salário mínimo federal fosse vinculado à produtividade, seria superior a 20 dólares e não 7,25 dólares. O património líquido médio de uma família de classe média é mais de 40 000 dólares inferior do que era em 2007. O património líquido das famílias negras caiu 40%, o das famílias latinas 46%.
Mais de 28 milhões de pessoas não têm seguro de saúde. Com o aumento do desemprego muitas outras perderão o seu seguro de saúde. O domínio oligárquico da indústria farmacêutica e dos serviços de saúde nos EUA resultou numa crise humanitária , evidenciada pela atual pandemia. Os gastos em saúde nos EUA totalizavam em 2019, quase 18% do PIB, embora a expectativa de vida tivesse caído para o 33º lugar a nível mundial. Estudos médicos consideram que cerca de 30% da população apresenta sintomas de transtorno de ansiedade ou transtorno depressivo, tendo a taxa de morte por suicídio aumentado 30% de 2000 para 2016.
No país que pretende ditar ordens ao mundo inteiro e como os povos devem viver, cerca de 25% da sua população não consegue comprar comida suficiente para se manter saudável. [4] Os apregoados "benefícios da privatização" no ensino, conduziram a uma dívida estudantil de 1,7 milhões de milhões de dólares, com 2,5 milhões de universitários entregando-se a formas de prostituição.
Mais de 400 mil pessoas nos EUA vivem em condições de escravidão moderna . "Muitas são escravizadas através das drogas e marcadas com tatuagens, como uma mercadoria que pertence ao seu explorador.
Em
A China e a Rússia dispõem atualmente de mísseis, concebidos especialmente para ataque a porta-aviões, que não dispõem de defesas adequadas. Além disto, a China está a atualizar o seu arsenal nuclear estratégico para uma força modernizada com mais de 1 000 armas nucleares, incluindo mais de 100 mísseis balísticos intercontinentais DF-41 móveis, cada um armado com 10-12 ogivas nucleares, capazes de atingir os Estados Unidos. O lançamento de mísseis DF-41, quando combinado com os novos mísseis balísticos lançados por submarino JL-3 e bombardeiros estratégicos H-20 com armas nucleares, está em vias de dar à China uma capacidade nuclear que rivaliza com os EUA e a Rússia. [5]
A Rússia ultrapassou os EUA em capacidades defensivas e ofensivas [6] estando em testes o sistema de misseis de cruzeiro Buresvestnik movidos a energia nuclear com alcance e tempo de espera quase ilimitado, permitindo ataques em locais em direções inesperadas.
Perante o cerco militar que lhe é movido, a Rússia definiu diretivas de dissuasão para o uso de armas nucleares em resposta a ataques não nucleares visando infraestruturas militares e áreas estrategicamente críticas.
O orçamento de defesa dos EUA atingiu 750 mil milhões de dólares em 2020 (42% do total mundial), considerando todos os gastos com as 800 bases militares destinados a intimidar a Rússia, China e outros, as despesas serão da ordem de 1 milhão de milhões de dólares. [7]
3 - O império nos seus limites
O império encontra-se perante contradições insuperáveis. O poder militar, a propaganda, os agentes conspirativos, para manter a atual guerra fria e os cenários de guerra real, acarretam custos cujas consequências são um dólar sem suporte económico e financeiro. Note-se que despesas militares são capital improdutivo. Os países anexados ao dólar, pagam as guerras do império com estagnação, crises e custos acrescidos dos seus financiamentos.
Os EUA esgotam-se em guerras intermináveis que não conseguem vencer. Desde 2001 as suas guerras custaram mais de 5,2 milhões de milhões de dólares ( Information Clearing House ). No Iraque, Parlamento e governo exigem a retirada das tropas EUA. No Afeganistão, Síria, Cuba, Venezuela, Hong-Kong, Somália, Iémen, etc causam sofrimento, mas não conseguem vencer.
As políticas agressivas contra o Irão falham. As sanções promoveram o desenvolvimento interno e o aumento das ligações com a China que investe massivamente no país. Nem a Rússia nem a China podem aceitar, por razões estratégicas, a instalação em Teerão de um poder hostil.
Com fragilidades idênticas às dos EUA, o principal aliado do império, a UE, é uma consumada mentira escondida atrás dos "mercados" e de organismos ditos "independentes" ao serviço da oligarquia, sob benévolos lemas de democracia, crescimento, solidariedade, quando tudo isto se encontra rarefeito. As sanções imperialistas contra a Rússia, as guerras no Médio Oriente, o caos na Líbia e em parte da África, apenas resultam em prejuízos económicos e políticos.
Vários aliados dos EUA afastam-se e procuram relacionamentos diferentes. É o caso da Turquia, do Paquistão, das Filipinas, entre outros.
Mais de 400 bases dos EUA cercam a China. O uso da força militar contra Pequim, faz parte da política dos EUA, mas uma campanha militar dos EUA contra a China no Mar do Sul da China não tem qualquer hipótese de ter êxito. As falácias do secretário de Estado Pompeo, não são apoiadas com poder real, não têm sentido . Desde 1945 que os EUA não são capazes de ganhar em termos convencionais nenhuma guerra (excetuando as invasões de Granada e do Panamá...).
Os EUA não mostram a sensatez do imperador Adriano (117-138) que compreendeu que o império tinha atingido o limite das suas capacidades de expansão, persistem na ilusão de poder dominar o mundo, não aceitando que a sua ação seja limitada por tratados e instituições internacionais ou interesses próprios dos outros países. Definem como sua zona de interesses e de segurança o mundo inteiro, obviamente colocando-os em conflito com os interesses e a segurança de outros povos. A estabilidade e uma política de confiança a nível global é assim impossível.
As ingerências, a formação de agentes de "mudança de regime", contribui para a instabilidade, visam ter argumentos para intervenções armadas por "razões humanitárias". Onde quer que tenham acontecido, estes procedimentos causaram milhões de mortes, criaram o caos e forçaram no mínimo 37 milhões de pessoas a fugir das suas terras .
Embora a política de confronto e provocações com a Rússia, China, Irão, Cuba, Venezuela, etc, seja sobretudo para consumo interno da "comunidade internacional" (NATO e aliados) tal não é menos perigoso: "estes ataques são necessários para transformar as sociedades humanas em rebanhos de animais selvagens". "Isto é a reprodução flagrante da experiência nazi". [8]
Trata-se de criar um clima favorável à agressão em opiniões públicas desinformadas, manipuladas e já em parte arrastadas para a extrema-direita. O clima de fricção em várias zonas, a criação de incidentes no Mar Negro e no Mar do Sul da China, pode degenerar em conflitos alargados. Recordemos que a 2ª Guerra Mundial se iniciou com uma mentira: uma suposta agressão da Polónia à Alemanha.
A China possui centenas de armas nucleares, a Rússia e os EUA milhares. Os EUA entraram numa fase de pós-hegemonia à medida que a China e a Rússia constroem com outros países uma ordem mundial que não depende do dólar. Sem o poder do dólar, a manutenção do império é impossível. Moribundo o império torna-se ainda mais perigoso, especialmente com armas nucleares.
Uma catástrofe não pode deixar de se colocar no horizonte. Compete a todos evita-la. A tragédia é que os políticos e os media dos sistema trabalham para que os cidadãos disto não tomem consciência.
29/Setembro/2020
Notas
[1] A era do Estado Empresa, Pierre Musso, Le
Monde Diplomatique, , abril/2019
[2] www.usdebtclock.org/#
[3] www.usdebtclock.org/world-debt-clock.html
[4] The Richest Country's Empty Plates. 50 Million Hungry Americans ,
Larry Romanoff
[5] The US is militarily & economically impotent, Scott Ritter, www.informationclearinghouse.info/55361.html
[6] A perda da supremacia militar e a miopia do planeamento estratégico dos EUA
(2ª Parte), resistir.info/v_carvalho/martyanov_resenha_2.html
[7] Marcha para a morte nos EUA , Chris Hedges
[8] Dimitris Konstantakopoulos, reseauinternational.net/...
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