segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Os desabafos acerca do Império e do Inferno

Curto que vale cada palavra, por Pedro Cordeiro (em Miami), editor de internacional (logo vimos) na chafarica do tio Balsemão, o Expresso. A seguir vai poder consumir centenas de palavras sobre Trump e os figurões do Império do Mal, também denominado EUA. Do internacional sabe Pedro e vai ver que sim.

Das eleições desse tal Império o autor expõe o que sabe e o que parece evidência. Acontece que por baixo dos panos há muita maldade escondida. Muita que se vislumbra e outra que está oculta para os menos avisados. Dali não pode vir nada de bom. Exatamente por isso é que os Impérios têm vindo a cair, sempre. Historicamente confirma-se. Aquele não será exceção. Devemos ter muita pena, mesmo muita pena, dos povos norte-americanos. Claro que o mal irradiará por quase todo o planeta. Um dia do juízo-afinal tudo se comporá e os que por cá ficarem vão ter uma tarefa hercúlea para conquistarem dias melhores, Cada vez mais. Sejamos otimistas acerca do futuro da humanidade. Lembremo-nos que depois da tempestade surge sempre a bonança.

Certo que tudo seria mais bonançoso com o devido desprezo destinado ao Império, mas é igualmente certo que há gentes nas políticas e similares que se saracoteia perante ele e permite que a população mundial seja feita capacho.

Avancemos para além das evidentes maledicências desse tal putrefacto Império. Avante.

Portugal, jardim a flutuar na parte mais ocidental da Europa, avança com a segunda fase do covid-19. O covid-19 tem estado e vai estar a “DAR JEITO”. Pense. Muitos têm sido os afetados e muitos já foram desta vida para melhor – é o que dizem. Faz espécie que saibam que é melhor. É que não há notícia que alguém de lá tenha voltado para contar a experiência. Para além dos que dizem que quando estão a morrer vêem um túnel escuro e só lá no final uma maravilhosa luz, de mais nada se sabe. Pensando melhor, é de temer essa exponencial luminosidade e dá o que pensar… Será que o Melancia, a EDP, quando lá chegados e ainda encandeados nos apresenta uma conta de eletricidade escandalosa? Talvez. Nunca se sabe, mas com o Melancia e os nossos amigos chineses pode ser que aconteça assim. E se lá chegados não tivermos levado dinheiro para pagar a conta? Oh, pois, vamos para o inferno… Ainda mais? Então mas esta horrorosa subvivência não é o inferno? Adiante. Pois.

Sobre Trump e Biden... Tudo farinha do mesmo saco. O Império é o Império e um Império que se preze vê nos povos os subjugados. Usa-nos com sofismas e em interesses próprios. Mente e age propalando que zela pelos nossos interesses, dos povos. Nada mais falso.

Um bombom: o Chile votou e deu fim à constituição dos tempos da ditadura do assassino Pinochet. Vamos ver se não será um bombom amargo ao fazerem do decidido no pleito letra morta. Não seria a primeira vez...

Vamos longos. Desculpem. Sabemos que esta é conversa (prosa) de serrar presunto, acontece. Todos os dias somos vítimas disso mesmo… Mas com os políticos e outros “artistas” colunáveis….

Vamos sair desta. Já nem acrescentamos o que pode ler de maior interesse no Curto. Será sobre o Orçamento? Será sobre a Fórmula 1 algarvia de ontem?

Vá ler e ficar a saber. Repetimos: a peça de Pedro Cordeiro vale o tempo de leitura. Vá nessa.

Boa semana e cuide-se. Ponha a máscara sempre. Lave as mãos repetidamente, com bom sabão. Use o alcoolgel amiúde. Apele à paciência e seja tolerante com esta jigajoga. Refugie-se nos sonhos de como seriam as nossas vidas se não tivéssemos estas subvidas de merda e comecemos a exigir a sério aos poderes, aos vigaristas e aos ladrões de alto gabarito, que se deixem de ganâncias, de mentiras, de omissões e etc. que nos estão a esgotar a paciência e a dignidade que todos os cidadãos do mundo devem ver respeitada. Sem sobras de dúvidas.

Fim dos “desabafos”, finalmente. Livra! Tem muito que ler, do anafado Curto.

Bom dia e um queijo – mesmo que oferecido pela tia que dirige o Banco da Fome. Que se lixe.

MM | PG

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Seis-três é a conta que Donald fez

Pedro Cordeiro | Expresso

Bom dia

Apesar de o sol ainda não ter nascido em Miami, de onde escrevo, à hora a que este Expresso Curto é mandado.

É segunda-feira, 26 de outubro, e arranco com os Estados Unidos da América, where else?, mas ainda não é para falar da campanha das presidenciais. Hoje o Senado americano deve confirmar a nomeação da juíza Amy Coney Barrett para o Supremo Tribunal. O assunto é da maior importância, por se tratar da mais alta instância judiciária do país, para onde os magistrados são designados a título vitalício. Ou seja, a relação de forças entre juízes progressistas e conservadores após cada elevação ao Supremo perdura bem para lá do mandato do chefe de Estado que os tenha escolhido.

Por este alto tribunal passam questões tão relevantes quanto a legalidade ou não da interrupção voluntária da gravidez; acesso ao direito ao voto e regras de campanha; manutenção ou revogação do plano de saúde universal do anterior Presidente, conhecido por Obamacare; licenças de porte de arma; igualdade de salários entre homens e mulheres. Há 20 anos, até uma eleição presidencial foi decidida no Supremo, com o painel a mandar parar as recontagens de voto pedidas pelo candidato democrata, Al Gore, assim consolidando o triunfo de George W. Bush. Se pensarmos que Donald Trump se recusa a prometer aceitar os resultados do próximo dia 3 de novembro caso não vença, percebemos que muita gente olhe na direção do Supremo.

Barrett é a terceira nomeação de Trump para o Supremo em quatro anos e não há como questionar a legalidade do processo, que está a horas de se concluir. Quem decide é o Presidente, quem confirma é o Senado. A lei não fala em prazos e, se mexer no mais alto tribunal da nação a dias da ida às urnas faz erguer sobrolhos, mais haverá que erguê-los ao recordar que há quatro anos os republicanos (já então em vantagem no Senado) impediram Obama de nomear o juiz Merrick Garland quando abriu uma vaga por morte do veterano Antonin Scalia, o mentor de Barrett. Dizia o GOP (Grand Old Party, outro nome por que são conhecidos os republicanos) que era demasiado em cima das eleições para se nomear o juiz. Demasiado em cima significava, nesse longínquo ano de 2016, aproximadamente dez meses. Em 2020 uns dias já não é demasiado em cima.

Naquela ocasião acabou por ser Trump a designar o juiz Neil Gorsuch, em 2017. No ano seguinte chamou Brett Kavanaugh, quando se jubilou o magistrado Anthony Kennedy. Nos dois casos, tratou-se de um Presidente de direita a decidir a rendição de um magistrado de direita. Agora está em jogo a cadeira da falecida Ruth Bader Ginsburg, nome de maior prestígio entre os juízes liberais do Supremo, e a candidata de Trump é ultraconservadora. Tal reforçará a ala onde pontificam Clarence Thomas, Samuel Alito e o presidente do Tribunal, John Roberts, mais oscilante e que por vezes vota com o bloco liberal, este formado por Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan.

A incoerência entre o que o Partido Republicano pregava e o que se apresta a fazer motiva o único voto negativo previsto na sua bancada: o da senadora Susan Collins. Uma em 53. Os democratas são 47. Outra republicana que não gostou do sucedido e que este domingo votou contra a marcação da votação final para amanhã foi Lisa Murkowski. Não obstante, anunciou que no escrutínio final estará com Barrett. Nem Mitt Romney, ex-candidato presidencial (2012) que no passado mês de janeiro apoiou o processo de destituição contra Trump, furará a disciplina partidária. Barrett será, pois, a terceira mulher na presente composição do Supremo e a sexta ao todo, após Kagan, Sotomayor (escolhidas por Obama), Ginsburg (indigitada por Clinton e que morreu a 18 de setembro) e Sandra Day O’Connor (nomeada por Reagan em 1981, jubilada em 2006).

Quem é, então, Amy Coney Barrett? Conservadora, religiosa, determinada, mãe de sete, já lhe traçámos um perfil no Expresso e até explicámos o significado de um palavra rara: originalista. A promoção vem com caderno de encargos mas a própria garante não estar nas mãos de ninguém. Além da agenda que toca o seu eleitorado, Trump terá pensado na própria eleição presidencial. Se a contagem de votos for contestada, pode voltar a ser o Supremo a decidir quem manda no país. Para lá do plano formal, isso será legítimo? Por outro lado, será seguro presumir que o futuro grupo de seis magistrados conservadores apoiará o Presidente em todo e qualquer caso? Gorsuch e Kavanaugh já contrariaram mais de uma vez a vontade do chefe de Estado.

O ideal seria que na terça feira da próxima semana o apuramento de votos fosse de modo a não permitir dúvidas sobre se Trump fica na Casa Branca ou entrega as chaves da mesma a Joe Biden. É isso que apostam ambos, numa altura em que já terão votado perto de 60 milhões de cidadãos. O renomeado site FiveThirtyEight, que analisa sondagens e tendências de voto, crê mais provável um triunfo do antigo vice-presidente de Obama.

Se assim for, um dos motivos terá sido o coronavírus. Na semana em que Trump assegurou num debate que a vacina chegará antes do fim do ano e em que o seu chefe de gabinete assumiu, contrariando o Presidente, que a pandemia não vai ser controlada, os Estados Unidos aproximaram-se dos nove milhões de casos, naquela que é uma indesmentível terceira vaga de covid-19. Sem esta doença a reeleição estava bem encaminhada, graças aos bons indicadores económicos. Agora fica tudo no ar, fruto de uma gestão vista como errática por parte do Presidente e do impacto económico da crise global. Mas, como escreve o correspondente do Expresso nos EUA, Ricardo Lourenço (que visitou o Ohio, estado que há 60 anos acerta sempre no vencedor das presidenciais), a pandemia é uma dor de cabeça entre outras. Já agora, nesse Estado decisivo a diferença entre os candidatos, na média dos vários estudos de opinião, é inferior a um ponto percentual. Na Florida, por onde ando, é um pouco maior.

Há dias estive em Nashville, no Tennessee. O Estado pende para o lado republicano, o que não impede que haja quem pense de outra forma, numa América que cada vez mais são duas, como deixara entender o presidente do American Club de Lisboa, Patrick Siegler-Lathrop, com quem conversei no mais recente episódio do podcast O Mundo a Seus Pés, da secção internacional do Expresso. Assisti ao debate de quinta-feira passada, naquela cidade, num ato da campanha trumpista, o que só contribuiu para me convencer do fosso sem pontes que se aprofunda no país. O Hélder Gomes e o David Dinis (que está prestes a juntar-se-me deste lado do oceano, com um trajeto diferente) acompanharam a contenda televisiva (melhor do que a anterior, segundo opinião geral) e a Mafalda Ganhão andou à pesca das falsidades e contradições dos candidatos.

Com a campanha a entrar na semana final, a última notícia é a contaminação de adidos do vice-presidente Mike Pence, que ainda assim planeia manter a agenda, sem anular deslocações. Trump e Biden já deram a habitual entrevista ao programa ‘60 minutes’ da CBS, que o Presidente abandonou antes do fim e de que divulgou excertos antes da própria estação. Sobram poucas cartadas a jogar nos oito dias que nos separam do dia da grande decisão do povo americano. Oxalá não passem muitos mais entre esse dia e aquele em que saberemos quem vai mandar no país mais poderoso do mundo. Termino aconselhando esta útil explicação do politólogo Pedro Magalhães sobre a falta de confiança no sistema eleitoral americano.

Outras notícias

GERIGONÇA INSULAR? 

O PS venceu as eleições nos Açores, domingo, mas perdeu a maioria absoluta, contam os camaradas Octávio Lousada de Oliveira e Vítor Matos. O presidente da região, Vasco Cordeiro, no poder desde 2012, tem de procurar alianças se quiser uma governação estável. Com oito partidos na Assembleia Legislativa Regional (PS, PSD, CDS, BE, PPM, mais os estreantes Chega, Iniciativa Liberal e PAN, mas excluindo a CDU), a verdade é que a nova geringonça também pode surgir da direita, embora o chefe da sua ala mais extrema já se tenha posto de fora de entendimentos com o PSD. O podcast Expresso da Manhã, recente criação conduzida pelo Paulo Baldaia, analisa a situação.

ORÇAMENTO PASSA? 

O Bloco de Esquerda vai votar contra o orçamento do Estado na generalidade. A boa notíca para o Governo é que o PAN opta pela abstenção, o que aumenta as hipóteses de o documento ser aprovado. Acompanhe nesta página especial todos os desenvolvimentos.

FÓRMULA CERTA? 

Portugal voltou a ter grande prémio de Fórmula 1 (agora no Algarve) e o britânico Lewis Hamilton tornou a vencer. Mas não foi só automobilística a exegese feita da corrida, que o país não acolhia desde 1996 (o mesmo ano em que o PS passou a governar os Açores): a covid-19, as bancadas mais ou menos cheias e com cumprimento ou não das regras sanitárias deram muito que falar e que escrever.

RECICLAR COMO? 

Uma bela reportagem da equipa de Multimédia do Expresso explica que reciclamos pouco e mal. Muito recomendável, para que todos aprendamos.

NA LUA? 

A NASA promete para as 16h (hora portuguesa) o anúncio de “nova descoberta excitante” sobre o nosso satélite natural. Siga tudo aqui.

CONFINAR MAIS? 

Para quem tivesse dúvidas de que a crise pandémica é corrida de fundo, Espanha decretou o estado de emergência até maio. Itália endureceu as restrições. Parece que no início de dezembro podemos saber mais sobre uma putativa vacina para a covid-19. Por cá o fastio empurra muitos para o relaxar dos cuidados, mas há 160 mil com o dever de ficar em casa e mais crianças a aprender online. Os hospitais preocupam-se.

QUE CONSTITUIÇÃO? 

Os chilenos foram às urnas dizer, em referendo, que querem uma nova Constituição. Foram 78,27% os que assim ditaram, embora metade do eleitorado não tenha ido votar. Dos que foram, e numa segunda pergunta, 79,02% dizem que deve ser uma Convenção Constitucional a redigir a nova lei básica, que substitui a que o país herdou há 30 anos do regime sanguinário do ditador Augusto Pinochet.

HÁ ESPERANÇA? 

Ardido o campo de refugiados de Moria, outro se ergue na ilha de Lesbos e a Ana França visitou-o. Há promessas de melhoria mas também saudades do antigo recinto.

E O FUTURO? 

Territórios de estatuto difuso, por motivos diferentes, a Palestina e Taiwan não viram o ano 2020 contribuir para resolver os males que os assolam. Recupero da edição semanal do Expresso a entrevista da Margarida Mota ao embaixador palestiniano em Lisboa, Nabil Ahmad Abuznaid; e a da Catarina Brites Soares ao ministro dos Negócios Estrangeiros taiwanês, Joseph Wu.

Frases

“É o culminar de um movimento mundial para chamar a atenção para as consequências humanitárias catastróficas de qualquer utilização de armas nucleares”, afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, através de um porta-voz. António Guterres refere-se à ratificação pelas Honduras do Tratado de Proibição das Armas Nucleares. É o 50.º país a aderir ao documento, o que faz com que este tratado internacional entre em vigor no próximo dia 22 de janeiro. Infelizmente, mas sem surpresa, entre os signatários não se encontram os estados que possuem armas nucleares.

“É altamente simbólico – e já era tempo”, afirma Annamie Paul, que se tornou a primeira pessoa negra a liderar um partido político no Canadá (os Verdes). Os negros representam pouco mais de 3% dos canadianos.

“Não omitam nada”, escreveu o rei Henrique VIII de Inglaterra há 484 anos, para deixar claro ao guardião da Torre de Londres que a decapitação da sua segunda mulher (de seis), Ana Bolena, devia decorrer segundo as suas minuciosas instruções. A revelação provém de um livro de mandados descoberto pela historiadora Tracy Borman, para quem o documento mostra que o monarca da dinastia Tudor era um “monstro patológico”. Em dezembro haverá uma série documental na estação britânica Channel 5 sobre este assunto. Há meses saía o já muito celebrado (até nesta newsletter) “O espelho e a luz”, última parte da trilogia da escritora Hilary Mantel sobre Thomas Cromwell, o homem de mão de Henrique VIII que teve mais de um dedo na execução da rainha. A Luciana Leiderfarb teve a sorte de entrevistar Mantel e o resultado está aqui. Não percam. A nova obra não passou a finalista do Booker Prize, que as antecessoras, “Wolf Hall” e “O livro negro”, venceram em 2009 e 2012, respetivamente. Mas a autora entretanto lançou um livro de ensaios que me entusiasma.

“Para ser franco, descobri (suspeitava há algum tempo) que te amo, e que se fosses uma mulher...”, escreveu há 127 anos o escritor britânico J.M. Barrie, reticências incluídas (a frase não continua), numa carta ao colega de profissão Robert Louis Stevenson. A amizade entre os autores de “Peter Pan” e “A ilha do tesouro” era intensa, como mostra um conjunto de missivas trocadas entre ambos.

O que ando a ler e a ouvir

Não raro trago para viagem, porque o tamanho deles é prático, os interessantes livros das coleções da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Durante o presente périplo transatlântico li o delicioso “Culatra, uma ilha com gente dentro”, da Ana Cristina Leonardo, na série dos Retratos. Até há pouco colunista do Expresso e hoje do “Público”, a autora é estimulante seja em que páginas for. O volume em causa confirma-o, com história e histórias de um lugar singular do Algarve, que é terra da autora e a que tantos chamam em parte seu sem o conhecerem a fundo. Vale a pena aceitar o convite para esta descoberta, depois de uma viagem ao passado de Olhão no anterior “O centro do mundo”. Da série Ensaios trouxe “Ditadura e Democracia: legados da memória”, de Filipa Raimundo, investigadora de Ciência Política do ISCTE. Debruça-se sobre a forma como olhamos para um passado ao mesmo tempo recente e já remoto do nosso país, à medida que vão variando as leituras da ditadura salazarista. Como se preserva a memória do que se quer evitar repetir? Como se compagina isso com a necessária convivência após uma mudança de regime? Questões tanto mais atuais quando os extremismos reerguem a cabeça.

Numa senda que tem ligação à anterior, vou a meio de “Uma história da ETA”, de Diogo Noivo (Bookbuilders). O terrorismo basco deixou de matar há quase dez anos e a organização que o corporizou dissolveu-se há dois, sem ter alcançado qualquer dos seus objetivos mas deixando um rastro de mais de 800 mortos, a maioria durante a etapa democrática de Espanha (e, por isso, sem o hipócrita pretexto de luta antifranquista que levou tantos a tolerar a ETA para lá do tolerável). O autor é licenciado em Ciência Política pela Lusíada e mestre em Segurança e Defesa pela Universidade Complutense de Madrid. Muito bem documentado (resulta de dois anos de investigação) e com profusas e úteis notas de rodapé, tem um capítulo particularmente interessante para os que no nosso país se interessam pelo assunto, sobre o impacto da ETA em Portugal e as ligações que teve do lado de cá da raia. Este livro, que se lê com gana, recordou-me que há meses recomendei aqui o romance “Pátria”, de Fernando Aramburu. Regresso a ele para aconselhar a imperdível adaptação televisiva da HBO, sobre a qual já escrevi na Revista.

Para um apontamento poético apropriado a estes dias, consuma-se de uma ponta à outra “Dias e Dias”, o novíssimo livro de Adília Lopes. Soube-me quase como se fosse um quarto volume da trilogia “Manhã”-“Bandolim”-“Estar em casa”. Se o título deste último, sem o saber, já preconizava o que ia acontecer a todos nós, “Dias e Dias” surge já no contexto pandémico e vai beber, como os anteriores três, a recordações, impressões, pensamentos e sentires, embora num espaço mais... eu não queria dizer, mas... confinado. Do alto de “60 anos adolescentes”, a poeta a quem desde cedo apeteceu “escrever sobre o que via” reconhece que “Ouvir a Musa é desgastante, um frenesi”. Nesta era desgastante e fastidiosa, ler Adília é como abrir uma janela para arejar a casa e expulsar mais depressa os vírus, coroados ou não. Obrigado à Raquel Marinho e ao seu delicioso “O poema ensina a cair” por me terem chamado a atenção para este livro. Já agora, visitem o novo projeto desta página, centrado em poemas inéditos. E que bom ter de volta as suas sugestões, depois de uma vil usurpação cibernética (roubo de identidade da página), que em boa hora se resolveu!

Mais do que a experiência de um confinamento entre quatro paredes, em Dias e Dias, Adília Lopes constrói um diálogo entre as memórias, presentes e passadas, dos objetos, das divisões da casa e as ruas, as flores e os edifícios que povoam estas páginas de reflexão: "Vem aí a macacoa, a miséria? Por enquanto aqui ainda tenho paz."

Não estivera em missão para o Expresso e sentar-me-ia já esta noite no teatro Maria Matos a ouvir o esgotado concerto de apresentação de “Vias de Extinção”, terceiro álbum do músico Benjamim. O camarada Filipe Garcia escreveu esta semana, na Revista, uma crítica elogiosa deste trabalho em que me revejo. O périplo americano faz com que tampouco assista à projeção nos cinemas UCI do maravilhoso concerto que Nick Cave deu durante o confinamento geral, “Idiot Prayer”, agora em versão alargada. O homem só ao piano no bonito Alexandra Palace, de Londres, é de cortar a respiração. Já na clássica, a agenda marca como próximo recital “Dido e Eneias”, na Gulbenkian em novembro; no mês seguinte será a vez de regressar ao Grande Auditório mas com a prole, para um programa já a cheirar a Natal. No mesmo mês conto ainda ver Sérgio Godinho a cantar fados, um programa que já foi adiado de abril para outubro e que espero desta vez se realize. Neste novo anormal convirá não deixarmos morrer a cultura.

Com esta dose me despeço (o Curto vai tão longo que parece os baldes de café que nos dão aqui), prometendo continuar a dar novas do grande país que por ora me acolhe e que, segundo o arguto Miguel Monjardino, nos entala de um lado com a China do outro sem que pensemos o suficiente sobre tal dialética (já, agora, a respeito de China, não resisto). Toda a cobertura das eleições americanas está na página que o Expresso criou para o efeito, todas as restantes notícias estão no sítio do costume e hoje há nova emissão do podcast África Agora, com a Cristina Peres. Passando a bola para esse lado do Atlântico, aceite este convite internacional para pensar a Europa e falar sobre ela com quem tiver ideias diferentes. Milhares já participaram no Europe Talks noutros anos e só da discussão pode nascer a luz. Tenha uma boa semana e, por favor, não se esqueça de tomar precauções

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