sábado, 24 de outubro de 2020

Portugal | Afinal queremos ciência ou não?

Inês Cardoso* | Jornal de Notícias | opinião

No início da pandemia, a alta após a infeção por covid-19 exigia dois testes negativos. Passou-se, depois, a um teste. Recentemente os doentes podem ter alta sem qualquer teste, desde que cumprindo critérios clínicos, a partir do décimo dia após a testagem positiva. É natural que as mudanças causem desconfiança, sobretudo porque a comunicação errática da Direção-Geral da Saúde nem sempre facilita a perceção das normas. O caso clássico das contradições sobre o uso de máscara continua a minar, ainda hoje, a confiança de muitos cidadãos na autoridade de saúde.

As normas em causa, contudo, emanam do Centro Europeu de Controlo de Doenças e não são meros palpites. São ciência. Ou seja, mudam porque a investigação é isso mesmo, um caminho de permanentes avanços e recuos que permitem hoje conhecer melhor as características do vírus, do tempo de incubação e do período em que um infetado é (ou já não) transmissor.

É normal que tenhamos dúvidas e procuremos informação adicional. Já não é tanto que se multipliquem teorias da conspiração de que a DGS mudou os critérios por falta de capacidade de testagem, ou que políticos deem entrevistas semeando o medo e alegando que assim os assintomáticos continuarão a espalhar o vírus. Houve doentes que passaram mais de dois meses isolados, por continuarem a testar positivo. Se a ciência consegue determinar que já não são um risco para a comunidade, não há razão para mantermos medidas discriminatórias e penalizadoras social e economicamente.

Com o número de infeções a subir, com os hospitais sob pressão, com a necessidade de termos na gestão política medidas certeiras e racionais, o alarmismo só prejudica. Faz aumentar em quem nos governa a tentação de tomar decisões para responder ao medo e criar boa imagem, sem que isso tenha efeitos reais na contenção e prevenção da doença.

Negar o coronavírus e a gravidade da pandemia é um perigo e um desrespeito por todas as vítimas, profissionais de saúde e investigadores. Mas é também penalizador alimentar receios infundados, recusar novidades científicas, estigmatizar os doentes ou olhar toda a realidade como se nada houvesse na saúde para além da covid-19. Em oito meses a ciência aprendeu muito. E nós?

*Diretora-adjunta

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