quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Portugal | Apertem os cintos

Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Às segundas, quartas e sextas a TAP é um ativo estratégico para o país, às terças, quintas e sábados é uma companhia aérea que só pode sobreviver à boleia do aeroporto de Lisboa. Enquanto o tilintar da fatura se agiganta nos nossos ouvidos (só passaram três meses e já contamos 1700 milhões de euros de potenciais encargos públicos até ao final de 2021), o Governo vai brincando ao polícia bom e ao polícia mau, deixando transparecer uma aflitiva ausência de estratégia. Para o ministro Pedro Nuno Santos, as quatro rotas criadas recentemente no aeroporto do Porto (Amesterdão, Milão, Zurique e Ponta Delgada) são "um prejuízo para a TAP". Mas para o primeiro-ministro "a TAP não pode ser uma companhia de Lisboa, tem de ser uma companhia do país". A verdade, porém, é que a empresa de aviação que estamos a tentar resgatar do coma já deixou de ser um fator de coesão nacional para se transformar ninguém sabe bem em quê.

Há uma evidência inultrapassável: a TAP não é competitiva aos olhos dos clientes. Basta fazermos uma pesquisa rápida tendo como premissa os tais voos "deficitários" a partir do Porto para se perceber a enorme diferença de preços praticados pela companhia portuguesa e as suas concorrentes, em claro benefício destas (a escala obrigatória em Lisboa é outro desincentivo). Já para não falarmos da tibieza do argumento da taxa de ocupação, porque há voos a partir de Lisboa que conseguem ser bem mais ruinosos do que os do Porto, como provou, há dias, este jornal. Por isso, não é por repetirmos muitas vezes que a TAP é uma companhia decisiva para as exportações e para assegurar a ligação aos territórios da língua portuguesa (esse chavão cheio de pompa e cheio de ar) que ficamos convencidos de que não estamos perante a consumação de mais um vício caro do Estado. Num contexto internacional de enorme incerteza para o turismo e para a aviação, ninguém pode, em consciência, garantir que o risco que os contribuintes estão a correr será compensado. Eis-nos, então, neste beco sem saída: mesmo que a empresa se transforme num Novo Banco com asas, esta viagem é só de ida. Apertem os cintos.

*Diretor-adjunto

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