sábado, 28 de novembro de 2020

O tempo é hoje fator crítico

Manuel Carvalho Da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Os impactos da pandemia que vivemos, o contexto político, social e económico em que eles se manifestam, as relações de forças que se afirmam à escala nacional, europeia e mundial estão a tornar o tempo - que vai passando - em crescente fator crítico para a esmagadora maioria dos trabalhadores e dos cidadãos.

Em Portugal, o tempo passa e, até agora, para além de medidas pontuais de mitigação de situações mais delicadas, não surgem políticas de alcance estratégico para colmatar vazios e rombos que, no plano social e económico, se vão aprofundando e gerando desigualdades, desemprego, insegurança e pobreza.

A União Europeia assumiu nesta crise, no plano económico, uma narrativa aparentemente mais equilibrada que a da crise anterior, mas o arrastamento inadmissível da sua implementação e a incerteza quanto ao seu real volume e condicionalismos, descredibilizam o anúncio repetido ao longo dos últimos meses. Os países, cada um por si, vão dando respostas mais ou menos robustas de acordo com os sistemas de proteção social de que dispõem e das suas condições financeiras. O nosso país, como outros "periféricos", já estava depauperado pelo austeritarismo da última crise. Conforme o tempo vai avançando e não surgem "recursos de exceção", acrescentam-se bloqueios, agrava-se a crise atual.

As pessoas estão cada vez mais aprisionadas e atrofiadas nos seus projetos de vida face à persistência de medos que resultam da persistência do vírus, mas mais ainda das limitações de direitos e de condicionalismos impostos em nome de situações de exceção e emergência, que se prolongam no tempo carregadas de contradições.

A Direita está interessada em: i) chapinhar nessas contradições para desgastar o Governo; ii) evitar discussão política sobre o futuro, pois a possível aliança com a extrema-direita só pode ter êxito com programa escondido; iii) prolongar a ausência de direitos plenos no mundo laboral, e no plano social, para criar tensões e desesperos que alimentem o populismo.

O Partido Socialista e o Governo não mostram vontade de pensar e agir para além dos condicionamentos impostos pela UE, por mais que o cenário europeu se vá esboroando. Os partidos à sua Esquerda, em condições diferenciadas, surgem presos entre o assumir de compromissos amplos que impeçam o assalto da Direita ao poder, e terem programas consistentes em que o povo se reveja e em torno dos quais se mobilize.

A pandemia expôs disfunções nos nossos sistemas de emprego e da segurança social, mostrou "profissões essenciais" desvalorizadas e trabalhadores precários a serem despachados sem dó nem piedade, evidenciou quão desprotegidos estão profissionais cujas atividades são marcadas pelo individual, por sazonalidades ou por outras incertezas como é o caso no amplo setor da cultura. O tempo que aí vem perspetiva mais desemprego e reforço das condições para a imposição unilateral (pelo poder patronal) de relações de trabalho. Há urgência no reforço dos alertas e na mobilização social e política que trave esta subjugação crescente.

Temos, sem dúvida, de lidar com urgências, situações de emergência e de exceção, mas não se permita que elas se tornem num dramático novo normal. É preciso acelerar a discussão e implementação de políticas estratégicas de resposta aos nossos défices crónicos.

*Investigador e professor universitário

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