Apesar das tentativas de descredibilização, a ONU é a única organização que desfruta da representação universal da humanidade e pode dar uma liderança global sem perda da soberania dos seus membros.
António Abreu | AbrilAbril | opinião
Há 75 anos foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), a partir de uma coligação muito ampla de forças que derrotara o nazi-fascismo. No último dia 22 de Setembro, o tema proposto para a Assembleia das Nações reafirmava o «compromisso colectivo com o multilateralismo». Registaram-se intervenções do secretário-geral António Guterres e de representantes de vários países a favor da cooperação internacional, face a um cenário adverso. O aniversário da ONU ocorreu perante o deliberado ataque norte-americano contra o multilateralismo, também expresso na assembleia pelas palavras arrogantes de Donald Trump.
Os EUA abandonam agências da ONU, acordos e tratados internacionais
Os EUA anunciaram a saída este ano da Organização Mundial da Saúde (OMS) em termos grosseiros, acusando-a de estar ao serviço da China.
No ano passado pretenderam paralisar, na Organização Mundial do Comércio (OMC), o respectivo órgão de recurso da organização. Este, também conhecido como Supremo Tribunal do Comércio, regula os conflitos comerciais na OMC e deve deixar de funcionar, após os EUA terem bloqueado a nomeação de novos juízes e a falta de quórum estar a impedir o julgamento dos recursos interpostos.
Em 2018 os EUA abandonaram o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, por estes acolherem resoluções anti-Israel.
Já anteriormente, em 12 de Outubro de 2017, os EUA tinham anunciado a saída da UNESCO, na companhia de Israel, com base em alegado «sentimento anti-Israel» da organização. Depois de já terem abandonado esta agência especializada em 1984-2003 e de em 2011 terem suspendido a sua quotização para a organização, argumentando dificuldades financeiras mas, de facto, por a UNESCO ter aceite como seu membro a Autoridade Nacional Palestiniana.
A estas ameaças à ONU por parte dos EUA somam-se outras desregulações nas relações internacionais, como foi, em 2018, o rasgar do tratado INF (Intermediate range Nuclear Forces, em inglês), firmado em 1987 entre os EUA e a União Soviética.
Depois do Irão e as potências mundiais finalmente alcançarem, em 2015, o Plano de Acção Integral Conjunto (JCPOA, em inglês), conhecido como o acordo nuclear com o Irão, os EUA declararam agora, em 2020, não o quererem renovar.
Em Junho de 2017 os Estados Unidos anunciaram a sua decisão de sair do Acordo de Paris de 2015 sobre o clima, que adoptou medidas para tentar conter alterações climáticas e que conta com a adesão de 195 países.
Tais atitudes reflectem a vontade de Trump, e das multinacionais norte-americanas que o apoiam, de desregular as relações internacionais e de montar um sistema caótico de domínio do velho império que, atendendo ao declínio do poder real dos EUA e à ascensão de novas grandes potências, passaria a por pôr em causa o multilateralismo, com consequências imprevisíveis quer para os EUA quer para o resto do mundo.
Porém, Trump nunca abandonou nem a ONU, em termos gerais, nem a sua Assembleia Geral (AG) – apesar de várias vezes a AG ter criticado os EUA, sem deliberação vinculativa – nem o Conselho de Segurança, onde muitas vezes usou o direito de veto, sendo interessante consultar este uso ao longo dos anos. As multinacionais norte-americanas jogam em diferentes tabuleiros.