Fernanda Câncio | Diário de Notícias | opinião
Um professor de Direito que "ensina" que violência doméstica não é um crime grave ou crime sequer. Um partido que propõe mutilação como castigo. Um presidente que apela à guerra civil se perder as eleições. Nunca ficou tão claro que as palavras são ações - e que a democracia não sabe como lidar com isso.
O artigo foi publicado em dezembro de 2019 na revista de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - uma universidade pública. Tem mais de 50 páginas bastante ilegíveis, tão ilegíveis como o título - A "coordenação" como (burla de etiquetas para a) uniformização ou nazificação (Gleichschaltung) fundadora de um iníquo "Direito total da família": sobre o "deicídio" do pai cristão como mais um passo na misândrica e cristofóbica destruição do Ocidente" - e termina com um grito: "Viva o Cristo Rei!"
Desta ilegibilidade tresloucada retiram-se algumas ideias-chave (chamemos-lhes assim) que o DN relevou nesta quarta-feira: "o feminismo político", que o autor também caracteriza como "nazismo de género", é o "mais criminoso regime da história", tendo impregnado a justiça e levado à "nazificação" do direito da família; o mesmo "feminismo político" visa a "destruição da paternidade do homem cristão". E a destruição do homem em si, aparentemente; aliás o autor, que considera que só "a leste" (presume-se que se referirá à Rússia, onde se descriminalizaram em 2017 os atos de violência doméstica que não causem "ferimentos graves") se resiste a esse "regime de terror", crê que a única possibilidade de salvação é que esse "feminismo político" que segundo ele tomou o Ocidente de assalto seja derrubado e as feministas julgadas "pelos seus crimes contra a ideia de Deus e do direito como justiça de espécie".