sábado, 31 de outubro de 2020

Frontex, uma polícia de um regime autoritário

A «Operação Poseidon» envolve dezenas de meios de controlo e vigilância, incluindo aviões fretados a empresas privadas, subsidiadas pelos contribuintes europeus para colaborarem em acções fora da lei.

José Goulão* | opinião

Frontex, a polícia fronteiriça da União Europeia e do Espaço Schengen, está na linha da frente ao serviço das conveniências xenófobas dos 27, não hesitando para isso em violar as convenções internacionais marítimas e recorrendo até a requintados métodos de tortura contra refugiados. A própria República Portuguesa não está isenta de responsabilidades nestas práticas: para que conste, embarcações da Polícia Marítima foram identificadas em investigações relacionadas com a perseguição a refugiados, designadamente no Mar Egeu.

Em meados da segunda década deste século, em pleno auge mediático da permanente crise dos refugiados, um director do Frontex tornou-se notado ao declarar que este corpo policial não tinha que socorrer náufragos por não ser essa a sua vocação, e apenas o fazia por causa das convenções marítimas internacionais.

Menos mal, porque então parecia haver ainda travões; agora nem as normas internacionais barram o Frontex. Nem mesmo a própria Comissão Europeia, que pediu ao corpo policial para investigar as denúncias de perseguição aos refugiados que o atingem e este respondeu que nem pensar, nesta casa «usam-se os mais elevados padrões». Além disso, como afirmou o porta-voz do Frontex, a Comissão Europeia «nem sequer é o nosso superior hierárquico».

O Frontex, como agência da União Europeia com sede em Varsóvia, tem uma Comissão de Gestão integrando representantes dos Estados membros e da Comissão Europeia. Ora a própria Comissão de Gestão, no início deste ano, permitiu a derrogação das regras aplicadas ao pessoal que definem quem deve ser investigado por violar leis e cometer abusos.

A agência recusa-se, portanto, a corresponder aos pedidos da Comissão Europeia no sentido de proceder a investigações internas sobre comportamentos incorrectos que lhe são atribuídos, por exemplo, pelo Centro Europeu para os Direitos Humanos e Constitucionais (ECCHR na sigla anglo-saxónica) e na sequência de trabalhos divulgados por várias equipas de jornalistas de investigação. Entre elas a própria Bellingcat, que não pode ser acusada de ser uma difusora de «fake news russas» devido às suas ligações ao Atlantic Council (Conselho do Atlântico), grupo de pressão da NATO, e às fundações do magnata Soros.

O Frontex navega pois em águas próprias, sem controlo; por isso, só este ano são pelo menos seis os actos de perseguição a refugiados em que esteve envolvido – quatro indirectamente e dois por intervenção directa.

Orçamento restritivo na Educação levou professores a São Bento

PORTUGAL

O início do debate do Orçamento do Estado na especialidade foi marcado por um protesto de professores, em frente ao Parlamento, contra um orçamento restritivo na Educação, Ensino Superior e Ciência.

Cerca de uma centena de delegados e dirigentes dos sindicatos que integram a Federação Nacional de Professores (Fenprof/CGTP-IN) atapetaram as ruas em frente à escadaria da Assembleia da República com grandes faixas onde se podiam ler as principais reivindicações dos professores, no primeiro dia de debate na especialidade do Orçamento do Estado para 2021 (OE21).

Os professores criticam um «orçamento restritivo para a Educação, o Ensino Superior e a Ciência», do qual estão ausentes «soluções sólidas para o futuro destas importantes áreas», pode ler-se na página da Fenprof.

Acusam o Governo de elaborar um orçamento de desinvestimento na Educação e no Ensino Superior, «disfarçado pela integração de 553,5 e 741 milhões de euros [de fundos europeus], respectivamente para a Educação e para o Ensino Superior e Ciência», bem como de insistir no «tremendo erro» da municipalização da Educação.

IMAGEM DO DIA | Tudo ao monte e fé... em quem?


Na região de Lisboa - e noutras - é assim que se viaja nos transportes públicos... E ainda pior, mais amontoados, segundo "sapiência de feitores" inspirados na movimentação de gado. 

Aborregados, os portugueses já nem se indignam, nem se manifestam, nem chamam os bois pelos nomes daqueles que com o poder exigem e proíbem isto e aquilo à populaça. O salazarismo não faria melhor nem pior, faria o mesmo que os atuais poderosos vão fazendo com todo o descaramento, acenando de quando em vez com a democracia deficitária, mal-amanhada e em vigor neste rincão luso. Rincão deles, está visto. Distanciamento? Sim, andam bem distantes dos eleitores e do povinho.  Tudo ao monte e fé... em quem?

Já nem dá para acreditar num atchim dos da mole dos poderes. Pena que por causa dos pecadores paguem também os justos. É a vida.

PG

Supremo chumba providência cautelar do Chega

Sobre circulação entre concelhos

O Supremo Tribunal Administrativo chumbou por unanimidade a providência cautelar apresentada pelo Chega. O tribunal deu razão ao Governo na decisão de proibir a circulação entre concelhos.

Os juízes consideram ilegítima a queixa do partido de André Ventura. Uma segunda providência cautelar foi também chumbada, porque o tribunal considerou que não existe violação de direitos fundamentais.

A informação foi avançada à TSF por fonte do Governo.

Judith Menezes e Sousa | TSF

Portugal | Cuidar da saúde das pessoas e do país

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

No contexto geral que vivemos e com os efeitos da pandemia a agravarem-se, o processo de discussão e aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2021 e em particular o seu conteúdo, não parecem estar à altura dos problemas com que nos deparamos para tratar da saúde das pessoas, da economia, da sociedade e do país.

Não é estranho o surgimento de contradições políticas e de medos, ou o aumento de preocupações das pessoas: por um lado, o país traz do passado défices estruturais na matriz de desenvolvimento; por outro lado, nem o Governo, nem qualquer força política, e muito menos os cidadãos podiam prever as implicações da pandemia e os seus brutais efeitos económicos e sociais, ou até alterações que estão a acontecer no plano político em todas as escalas. Entretanto, sabemos que as audiências de grandes meios de comunicação se alimentam deste lamaçal tão propício à engorda de projetos políticos antidemocráticos.

Quando a realidade é tão dura como aquela que vamos enfrentar no próximo ano, de que serve negar os problemas evitando encará-los, ou o refúgio em slogans primários tipo "vai ficar tudo bem"? Os problemas resolvem-se quando se enfrentam. Os medos vencem-se quando se assumem e se adotam comportamentos ofensivos que lhes vão fechando portas de entrada.

Na segunda guerra mundial, Neville Chamberlain, ao ignorar crimes da besta fascista alemã para credibilizar políticas de apaziguamento nada resolveu, mas Winston Churchill, ao encarar a realidade e acelerar a produção de aviões e armas de guerra para confrontar as tropas de Hitler, colocou a Inglaterra a dar um importante contributo para a sua derrota. É claro que houve sacrifício e sofrimento, mas era o caminho que podia evitar um desastre bem maior.

No ano passado, António Costa e o Partido Socialista (PS), embora afirmando que desejavam prosseguir os entendimentos que tinham ancorado a solução política da legislatura anterior, optaram por uma governação assente em alianças pontuais à Esquerda e à Direita. No quadro atual ela é de todo inviável. Para enfrentar velhos problemas estruturais da economia, da organização e eficácia da Administração Pública e os impactos da pandemia, o Governo precisa de um apoio político que não pactue com políticas de encanar a perna à rã e o ajude a uma posição mais ofensiva no quadro da União Europeia. A governação não pode ficar tolhida pelo medo da fatura que virá dessas bandas.

A defesa do SNS não passa por leituras diferentes de números para fugir à realidade. É imprescindível investimento em recursos humanos e técnicos e responsabilizar alguns atores do setor privado, cuja postura faz lembrar estratégias de repteis repelentes pela frieza do seu sangue.

O Governo precisa de apoio para aprovação do OE (que deve equilibrar proteção social com políticas geradoras de emprego e de valorização salarial) mas também para todas as revisões que vai ter de lhe introduzir. Isso impõe compromissos para negociações estratégicas com os parceiros e jamais encostá-los à parede.

As forças políticas à Esquerda do PS têm de fazer cedências, mas não podem fazê-lo abdicando de valores, da capacidade de agir em favor dos desprotegidos e da afirmação do valor e da dignidade do trabalho sob pena de serem liquidadas, o que tornaria a sociedade bem mais doente.

*Investigador e professor universitário

39 mortes em Portugal por covid-19 e mais de 4 mil novos casos

Mais de quatro mil infetados e recorde de internados com covid-19

Portugal regista, este sábado, 4007 casos e 39 mortes por covid-19. O número de internados, tanto em enfermaria como em unidades de cuidados intensivos, é o mais alto desde o início da pandemia.

Foram contabilizados, face a sexta-feira, mais 4007 infetados com o novo vírus, de acordo com o boletim epidemiológico de hoje, elevando para 141.279 o número total de casos desde março. Desses, 58.492 correspondem a doentes ativos, dos quais 1137 foram registados até à meia-noite. Com mais 2831 recuperações, o total de recuperados sobe para 80.280. Por outro lado, o número de internados nunca foi tão alto: 1972 doentes estão em internamento hospitalar (mais 45 do que ontem) e 286 em unidades de cuidados intensivos (mais 11). Os valores superam os de ontem, que eram, até então, os mais elevados desde o início da pandemia. Sexta-feira foi, inclusive, o pior dia no que diz respeito também a novos casos e mortes.

Cerca de 47% das novas infeções (1900) foram registadas na região Norte, onde já se registaram, ao todo, 63.327 casos. Segue-se Lisboa e Vale do Tejo, com 1406 novos infetados, em 59.343, e depois a região Centro, onde há mais 552 casos, em 12.287. O Alentejo contabiliza mais 61 casos (em 2734) e o Algarve mais 80 (em 2779). O arquipélago da Madeira soma mais cinco infetados, com um total de 440, e nos Açores há mais três casos, em 369.

30 das vítimas tinham pelo menos 80 anos

Morreram em Portugal mais 39 pessoas (menos uma do que ontem), elevando para 2507 o número total de mortes por covid-19 (1287 homens e 1220 mulheres). É também o Norte a região onde foram contabilizados mais óbitos, 23. Em Lisboa e Vale do Tejo, registaram-se doze, no Centro duas, no Alentejo uma, e no Algarve também. Como tem vindo a ser regra, a grande maioria das vítimas (30) tinha 80 anos ou mais - 17 homens e 13 mulheres. Com 70 a 79 anos, morreram cinco pessoas (três homens e duas mulheres) e ainda três homens e uma mulher na faixa etária dos 60-69.

Sob vigilância das autoridades de saúde, estão 64.514 cidadãos, menos 791 do que ontem.

Rita Salcedas | Jornal de Notícias

EUA | A corrupção dos Biden

O New Yok Post, de 14 de Outubro de 2020, revela que o FBI apreendeu em Dezembro passado um disco rígido pertencente a Hunter Biden, filho do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden [1].

A polícia criminal federal (Polícia Judiciária- ndT) investigava suspeitas de corrupção dos Biden na Ucrânia. Hunter, que não tem qualquer conhecimento na matéria, tornou-se com efeito, em 2014, administrador da companhia de gás ucraniana Burisma Holdings, pouco depois do Golpe de Estado do EuroMaidan e na altura em que o seu pai era Vice-Presidente dos Estados Unidos [2]. Quando o governo pró-EUA tentou apreender $ mil milhões (1 bilhão-br) de dinheiro fraudulento da Burisma Holdings, Hunter fez valer as suas conexões a fim de fazer demitir o Procurador-Geral (Promotor-br) (que investigava o caso- ndT).

Joe Biden negou estar pessoalmente implicado nos negócios do seu filho. Ele lamentou igualmente a adicção do seu filho a diversas drogas e garantiu que ele se tinha curado disso.

Após o fracasso do processo de impugnação (impeachment-br) contra o Presidente Donald Trump, o Partido Democrata acusou-o de instrumentalizar a Administração dos Estados Unidos contra o seu rival político fazendo um estardalhaço sobre este pretenso caso Burisma Holdings.

No entanto, o computador apreendido pelo FBI acaba de mostrar os seus segredos. Para além de vários vídeos de Hunter fumando crack ou tendo sexo com várias garotas, o computador continha “e-mails” trocados entre o filho e o pai que atestam a implicação deste último.

Rede Voltaire | em Oriente Mídia

Tradução Alva

Notas:

[1] “Smoking-gun email reveals how Hunter Biden introduced Ukrainian businessman to VP dad”, by Emma-Jo Morris and Gabrielle Fonrouge; “WH press secretary locked out of Twitter for sharing Post’s Hunter Biden story” , by Steven Nelson, New York Post, October 14, 2020.

[2] “Na Ucrânia, filho de Joe Biden junta o útil ao agradável”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 16 de Maio de 2014.

Chomsky descreve a grande batalha americana

#Publicado em português do Brasil

Trump, em minoria, tentará melar as eleições, recorrendo a milícias armadas. Mas a economia está na lona, a covid devasta o país e espalha-se, entre a juventude, a crítica ao capitalismo. O Império, em transe, enfrenta uma eleição decisiva

Noam Chomsky, entrevistado por C.J. Polychroniou, no Truthout | Tradução por Simone Paz Hernández | em Outras Palavras

Embora ainda seja muito cedo para prever algum resultado da eleição presidencial de 3 de novembro nos EUA, Donald Trump vai ficando pra trás nas pesquisas nacionais, enquanto faz truques eleitorais sujos na esperança de derrotar o desafiante democrata, Joe Biden. Grande parte da esperança de vitória de Trump reside em sua campanha de “lei e ordem”, que promove mentiras sobre fraudes por correspondência a fim de desacreditar preventivamente os resultados eleitorais se eles forem a favor de Biden. Nesta entrevista exclusiva para o Truthout, Noam Chomsky discute o significado nacional e internacional da recusa de Trump em se comprometer com uma “transição pacífica do poder” e sua confiança em teorias da conspiração.

Noam, a quase duas semanas das eleições norte americanas mais importantes da história recente, a campanha de Trump continua a repetir a mensagem de “lei e ordem” — velha tática política na qual os líderes autoritários sempre confiaram para fortalecer seu controle sobre as pessoas e sobre o país — mas se recusa a aceitar uma “transição pacífica do poder”, se perder para Biden. Qual a sua opinião sobre esses assuntos?

O recurso à “lei e à ordem” é normal, quase reflexivo. Já a ameaça de Trump de se recusar a aceitar o resultado da eleição, não. É algo novo em democracias parlamentares estáveis.

O simples fato de essa contingência estar sendo discutida revela a eficácia da bola de demolição de Trump para minar a democracia formal. Podemos nos lembrar que Richard Nixon, não exatamente reconhecido por sua integridade, tinha alguma razão para supor que a vitória na eleição de 1960 havia lhe sido roubada devido a maquinações do Partido Democrata. Ele não questionou os resultados, colocando o bem-estar do país acima da ambição pessoal. Al Gore fez o mesmo em 2000. A ideia de que Trump possa colocar qualquer coisa acima de sua ambição pessoal — até mesmo se preocupar com o bem-estar do país — é ridícula demais para ser discutida.

Certa vez, James Madison disse que a liberdade não é protegida por “barreiras de pergaminho” — ou seja, por palavras no papel. Em seu lugar, as ordens constitucionais pressupõem boa-fé e certo compromisso, embora limitado, com o bem comum. Quando isso se esvai, é porque migramos para um mundo sócio-político diferente.

As ameaças de Trump são levadas muito a sério, não apenas em extensos comentários na mídia e jornais convencionais, mas até mesmo dentro dos círculos militares — que podem ser compelidos a intervir, como ocorre nas pequenas ditaduras, cujo modelo é o mesmo de Trump. Um exemplo marcante é uma carta aberta enviada ao mais alto oficial militar do país, o presidente do Joint Chiefs General, Mark Milley, por dois comandantes militares aposentados, mas muito renomados: os tenentes-coronéis John Nagl e Paul Yingling. Eles advertem Milley: “O presidente dos Estados Unidos está subvertendo nosso sistema eleitoral de forma ativa, e ameaça permanecer no cargo, desafiando a nossa Constituição. Em alguns meses, você terá que escolher entre desafiar um presidente fora da lei ou trair seu juramento constitucional” que exige defender a Constituição contra todos os inimigos, “estrangeiros e domésticos ”.

Hoje, o inimigo hoje é doméstico: um “presidente sem lei”, continuam Nagl e Yingling, que “está montando um exército privado capaz de frustrar não apenas a vontade do eleitorado, mas também as capacidades da aplicação da lei comum. Quando essas forças colidirem em 20 de janeiro de 2021, os militares dos EUA serão a única instituição capaz de defender nossa ordem constitucional”.

Com os republicanos do Senado “reduzidos a suplicantes” e tendo abandonado quaisquer resquícios de integridade, o general Milley deveria estar preparado para enviar uma brigada da 82ª Divisão Aerotransportada para dispersar os “homenzinhos verdes” de Trump, aconselham Nagl e Yingling. “Se você se mantiver em silêncio, será cúmplice de um golpe de Estado.”

É difícil de acreditar, mas o próprio fato de tais pensamentos serem expressos por vozes sóbrias e respeitadas — e ecoados por todo o mainstream — é razão suficiente para se preocupar profundamente com as perspectivas da sociedade estadunidense. Raramente cito o correspondente sênior do New York Times, Thomas Friedman, mas quando ele pergunta se poderia ser esta a nossa última eleição democrática, ele não está se juntando a nós, “homens selvagens a postos” — para citar o termo de McGeorge Bundy aplicado àqueles que não se conformam automaticamente com a doutrina aprovada.

Enquanto isso, não devemos ignorar como os líderes do “exército privado” de Trump demonstram seu fervor, em seu já usual terreno de implantação: o cruel deserto do Arizona — para o qual os EUA, desde Clinton, têm enviado pessoas miseráveis, que fogem da destruição que nós mesmos causamos em seus países. Esquivando-nos, assim, de nossa responsabilidade legal e moral de oferecermos a eles uma oportunidade de asilo.

Quando Trump decidiu aterrorizar Portland, no Oregon, ele não enviou os militares, provavelmente com o receio de que eles se recusassem a seguir suas ordens — como acabara de acontecer em Washington, DC. Enviou paramilitares, os mais ferozes deles: a unidade tática BORTAC, da Patrulha de Fronteira, que goza de liberdade e “rédea solta” para acabar com os “malditos da terra”.

Imediatamente, depois de cumprir as ordens de Trump em Portland, o BORTAC voltou aos seus passatempos regulares, destruindo um frágil centro de assistência médica no deserto, onde voluntários tentam fornecer ajuda médica, ou até mesmo água, a pessoas desesperadas que conseguiram, de alguma maneira, sobreviver.

O que aprender com as vitórias de Chile e Bolívia

Não foi fácil. Na Bolívia de Áñez, prisões ilegais e oposicionistas desaparecidos eram rotineiros. No Chile de Piñera, repressão, assassinatos e tortura. Mas não se esqueceram: direita se derrota nas ruas, com organização e trabalho duro

Almir Felitte | Outras Palavras

Nos últimos tempos, vitórias eleitorais deram a esperança de que os ventos mudem de direção na política sul-americana. A volta do MAS, partido de Evo Morales, na Bolívia, e a escolha por uma nova Constituinte que enterre a antiga Carta de Pinochet no Chile foram, de fato, vitórias acachapantes da esquerda nas urnas destes dois países e, sem dúvidas, influenciam o espírito das eleições municipais que se avizinham no Brasil. Seria um erro, porém, reduzir estes dois resultados históricos a uma mera disputa eleitoral.

Foi duro o golpe sofrido pelo povo boliviano em 2019. O uso de forças militares de extrema-direita para forçar a renúncia do legítimo Presidente, Evo Morales, não foi um ataque apenas a um partido ou mandatário. Foi, na verdade, um ataque que se estendeu por um longo ano a toda a população da Bolívia. Prisões ilegais, desaparecimentos de oposicionistas e assassinatos foram rotineiros na ditadura que se instalou no país através de Áñez.

Tudo indicava que a América do Sul estava prestes a presenciar mais um daqueles anos que duram décadas, já tão conhecidos de nossa história. Mas foi o povo boliviano quem escolheu que este enredo não se repetiria. 2020 foi um ano de muita repressão na Bolívia, mas foi também um ano de muita organização popular. Greves e manifestações de rua tornaram a convocação de novas eleições um fato incontornável. Mais tarde, as urnas só mostraram o que já se sabia: o povo boliviano nunca quis retirar o MAS do Governo.

Situação semelhante foi a do Chile. Iniciada em outubro de 2019, uma onda de protestos de rua mostrou o cansaço dos chilenos com o custo de vida em um sistema liberal forçado ao país desde a Ditadura de Pinochet. “O Chile será a tumba do neoliberalismo”, diziam algumas faixas. Como na Bolívia, a repressão tomou ares de crueldade. Assassinatos e torturas foram rotineiros no Chile de Piñera, e as imagens que tomaram as redes, dos “carabineros” massacrando a população, fizeram com que o país voltasse a se assombrar com fantasmas pinochetistas.

O povo chileno, porém, não arredou o pé das ruas, enquanto a ideia de lutar por uma Constituinte que enfim jogasse na lata do lixo a velha Constituição dos tempos de Pinochet ganhava força. A organização popular, que já se transbordava nas ruas por um ano, finalmente desaguou nas urnas. Em plebiscito no último fim de semana, cerca de 80% dos chilenos disseram sim a uma nova Constituição.

Tanto o Chile quanto a Bolívia nos mostram que vitórias eleitorais dependem de muita organização e trabalho duro antes de se apertar qualquer botão na urna. Também nos mostram que nenhuma luta se encerra nelas. Um verdadeiro recado para a esquerda latina, sobretudo a brasileira, prestes a enfrentar mais uma disputa por votos no país.

Aliás, disputa essa que, devemos lembrar, também necessitou de seu pedaço de luta popular nas ruas para que pudesse acontecer. Ou nos esquecemos do que o Brasil passou durante 2020? Nos esquecemos do quão perto Bolsonaro esteve, lá para meados de maio, de intervir militarmente nos outros Poderes para fechar o regime? Que, nessa mesma época, em que surgiam indícios de milícias armadas de direita, manifestações fascistas foram varridas das ruas por protestos puxados por organizações de esquerda e torcidas de futebol?

Mesmo o nosso pleito municipal deste ano, muitas vezes tido como uma disputa de menor importância, se tornou possível devido a um momento de mobilização popular entre as esquerdas. E nenhum resultado que sair desta disputa virá como mágica. Será sempre consequência. Para nossa esquerda, com poucos recursos e sem espaço na mídia, uma consequência que só pode vir da nossa própria organização. Por isso, antes e depois de votar, “se organizar” é a palavra de ordem.

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