António Abreu | AbrilAbril | opinião
Os autores das campanhas em curso, contra a Rússia e a China, que ocupam os espaços noticiosos por eles controlados, esperam que a técnica da repetição se nos imponha como verdade.
Desde o ano passado até aos dias de hoje a China e Rússia foram confrontadas com duas – entre outras – campanhas assentes em mentiras, que têm vindo a ser desmascaradas mas às quais os respectivos autores regressam para ocuparem os espaços noticiosos que controlam. Mentem, mentem, esperam que a técnica da repetição se nos imponha como verdade.
Um deles foi a origem do vírus SARS-Cov-2 ter resultado de fuga por «descuido num laboratório chinês».
Outro foi a «revelação» de que a delegação da Organização Mundial da Saúde (OMS) a Wuhan vira atrasada a data em que devia chegar para os chineses eliminarem elementos da investigação que tinham feito até então. Depois foi a quarentena de 10 dias a que a delegação tinha sido obrigada. E, finalmente, depois de a delegação ter regressado e revelado factos e primeiras conclusões que negaram essas falsidades, os EUA, no estilo que é nosso conhecido, pela boca da secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, também pediu uma investigação mais independente sobre a origem da Covid-19, dizendo que é «imperativo que tenhamos a nossa própria equipe de especialistas no local. Queremos ver os dados com os nossos próprios olhos»… Isto na sequência de declarações de Biden e do seu assessor de Segurança Nacional, Jake Sullivan, em comunicado do passado dia 13.
Isto é, apesar dos EUA terem reentrado na OMS, de a delegação ter incluido um cientista norte-americano, ter feito as suas observações no regresso, os EUA querem que uma delegação sua vá à China fazer as suas próprias observações.
Também a Human Rights Watch (HRW) no passado dia 18 veio ajudar Biden, dizendo que tinham sido negados à delegação da OMS elementos essenciais para tirar conclusões diferentes das obtidas, que não seriam as que a HRW queria…
Nem Biden nem a HRW se referiram, porém, à sugestão do governo chinês de que os EUA aceitassem investigação semelhante no seu território, particularmente no laboratório de investigação biomédica de Fort Detrick que a imprensa mundial referiu no ano passado poder ter estado na origem da fuga do Sars-Cov-2. Os EUA têm laboratórios biológicos em todo o mundo, cuja opacidade é a regra dominante, mas reclamam por «mais transparência» do laboratório chinês de Wuhan…
Delegação da OMS a Wuhan
Segundo o Público de 15 de Fevereiro, a OMS admitiu, nesse dia, que encontrar a verdadeira origem do novo coronavírus e a forma como este foi capaz de gerar uma pandemia será ainda um processo «complexo e demorado». O jornal referiu ainda que o porta-voz da OMS Tarik Jasarevic lhe disse que a origem deste tipo de eventos «é sempre» um processo que leva algum tempo, citando os casos de outros dois coronavírus que provocaram a MERS e a SARS: «Para a MERS, que ocorreu a partir de 2012, foi preciso um ano para fazer a ligação com os camelos dromedários. Para a SARS, em 2003, demorou alguns anos até que tivéssemos um bom entendimento da origem (o morcego) e do papel dos gatos civetas como hospedeiros intermediários».
O Público referiu ainda, na semana passada, que a equipa de especialistas enviada pela OMS à China para tentar descobrir a origem do vírus regressou com algumas certezas e outras tantas dúvidas ainda por esclarecer. «Estima-se que o início da pandemia tenha ocorrido nos meses anteriores a dezembro de 2019», disse Jasarevic, embora sem circulação «substancial” do novo coronavírus. O especialista sublinha que a descoberta do vírus no mercado de mariscos e animais de Hunan, em Wuhan, foi um «grande evento sentinela», que accionou o sistema de vigilância nacional, mas não é um «ponto de partida absoluto para a epidemia».
«É por isso que temos de descobrir onde e quando ocorreu a primeira transmissão de animal para os humanos, tendo em consideração que podem ter ocorrido vários eventos de transferência e quebra da barreira das espécies. Geralmente é assim que os estudos que investigam as origens dos vírus começam e o mesmo foi feito no contexto do Ébola e da MERS», diz o porta-voz da OMS.
Estar no país foi «essencial» não só para que a equipa de peritos internacionais dialogasse com os colegas chineses que acompanharam os primeiros casos de perto, mas também para visitar locais importantes (como mercados e hospitais), ver que dados estavam disponíveis e sugerir mais estudos. Mas também foi admitido que o vírus tenha atravessado fronteiras antes de chegar a Wuhan.
Questionado sobre se o tempo que a viagem demorou a ser autorizada possa ter dificultado a investigação e a recolha de dados, Jasarevic afirma que se a missão tivesse ocorrido mais cedo «não existiria a mesma quantidade de material» para ser analisado. Porém, reconhece que, nesta fase, foi mais difícil detectar anticorpos nos primeiros doentes, já que estes desaparecem com o tempo. E apontou que «É por isso que encorajamos que alguns estudos sejam realizados o mais rápido possível pelas autoridades nacionais».
Acrescentou ainda que «teria sido difícil a missão acontecer mais cedo». «Na verdade, teria sido impossível estar em Wuhan no ano passado porque a cidade esteve em confinamento durante vários meses. Só durante o Verão é que foram feitos os planos com os nossos colegas chineses e com a comunidade internacional para formar a equipa internacional de especialistas e organizar a missão que acabámos de cumprir.»
A equipa, formada por especialistas de dez países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Rússia, divulgará esta semana um relatório preliminar da visita, que será actualizado nos meses seguintes com a colaboração dos cientistas chineses.
O caso Navalny
Neste caso os autores desta campanha pretendem que o desmaio do blogger Alexei Navalny se deveu a envenenamento com o produto químico Novitchok, que teria sido feito pelas autoridades russas à entrada para o avião em Tomsk.
Alexei Navalny, que desmaiara a bordo de um avião que o levava, em 20 de Agosto do ano passado, de Tomsk para Moscovo, segundo diferentes noticiários, teria sido envenenado depois de ter tomado chá no aeroporto ou bebido água de uma garrafa que lhe fora dada pela mulher.
Esse desmaio levou ao aterrar de urgência noutra cidade siberiana, Omsk. Depois de observado num hospital desta cidade, uma equipa médica deste concluiu que não tinha havido envenenamento, mas a mulher e o staff de apoio de Novalny exigiram que ele «fosse para um hospital independente de sua confiança, na Alemanha, porque o hospital russo em que estava não lhes oferecia essa confiança, e poderia estar a reter o paciente para desaparecerem os vestígios do veneno».
O governo russo concordou com a aterragem de um avião alemão em Omsk com médicos alemães, do Hospital Charité, de Berlim, para o levarem para esta cidade.
Anteriormente, os médicos do hospital russo não tinham autorizado essa viagem por poder ser perigosa para o paciente. O governo russo respeitou a decisão médica, que foi acompanhada pela recepção no hospital de Omsk dos médicos alemães do Charité que tinham vindo no avião. No dia seguinte, 22 de agosto, a direcção clínica do hospital de Omsk, depois da estabilização do paciente, acabou por concordar com o seu transporte. «O estado do paciente é estável e, tendo em conta o pedido da família para autorizar a sua transferência, decidimos que neste momento não nos opomos à sua transferência para o centro hospitalar indicado pelos familiares». A família e a equipa alemã garantiram que assumiriam toda a responsabilidade no transporte. De acordo com uma declaração do médico-chefe do hospital de Omsk, Aleksandr Murakhovsky, os médicos alemães disseram numa carta que a condição de Navalny permanecia estável, mas era séria, e agradeceram aos seus colegas russos por terem salvo a sua vida.
Os médicos do hospital de Omsk também «forneceram aos médicos da clínica alemã os resultados dos testes de laboratório e amostras de biomateriais de Navalny. Isto permitiu aos especialistas alemães terem uma anamnese completa do paciente, para conhecer toda a dinâmica clínica de seus sinais vitais».
O hospital de Berlim onde ficou sob observação acabou por dizer, no dia 24 de Agosto, que o político russo sofrera uma intoxicação (não falaram em envenenamento). O prognóstico sobre Alexei Navalny, feito pelos médicos do Charité, permanece reservado, não podendo ser excluída a possibilidade de efeitos a longo prazo que afectassem particularmente o sistema nervoso central. No dia anterior, o hospital referira que a recuperação deixaria consequências e que nos próximos meses não poderia retomar a sua actividade política.
A conferência de imprensa,
planeada para a manhã de 25 de Agosto de 2020, foi cancelada sem explicações.
Depois, o governo alemão mudou Navalny para um hospital militar
De acordo com o porta-voz do governo alemão, Steffen Seibert, laboratórios especiais na França e na Suécia detectaram o agente nervoso em amostras retiradas do organismo de Navalny, confirmando o que tinha sido afirmado antes pela Alemanha.
Segundo o chefe da diplomacia de Berlim afirmou em 6 de Setembro, «Moscovo teria alguns dias para dar respostas». Se não o fizesse a União Europeia iria discutir sanções à Rússia. E usou o gasoduto Nord Stream 2 como arma de pressão, que a chanceler alemã recusou – depois de a Rússia ameaçar exercer represálias – garantindo que a Alemanha apoiava a conclusão do projecto da instalação do gasoduto que liga a Rússia à Alemanha.
Os Estados Unidos e vários países europeus têm uma visão negativa do novo gasoduto, que irá duplicar o Nord Stream 1, já em operação, porque «vai tornar a Alemanha e a UE mais dependentes da Rússia»...
O reactivar agora desta questão é suscitada pela recente detenção de Navalny – detenção essa que era esperada pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro de que fora acusado, que já transitaram em julgado anteriormente, com a aplicação de uma pena suspensa. A violação das regras da liberdade condicional, muito anteriores ao incidente no avião, levou agora a nova decisão judicial de prisão efectiva.
As manifestações que têm ocorrido, a pretexto da exigência da libertação do blogger russo, têm um conteúdo de confrontação e procuram provocar a repressão policial. Numa das manifestações participaram diplomatas da Alemanha, Suécia e Polónia na capital russa que, por isso, foram expulsos do país. O embaixador da Rússia à UE declarou que seria difícil «imaginar uma situação em que alguém do meu staff pudesse participar [em Bruxelas] em tal tipo de manifestação, mesmo como observador».
A questão central nos dias de hoje é que a UE exigiu à Rússia que investigue o «envenenamento». Ora, já por várias vezes a Procuradoria russa pediu à Alemanha que lhe fossem enviadas as provas do invocado crime para proceder a uma investigação. E a resposta acabou por ser que Berlim não cede as suas provas... por serem secretas! Dir-se-ia que a Alemanha está a provocar uma impossibilidade jurídica por ocultação de provas do eventual crime.
Mas o que, de facto, está a fazer, é uma grosseira provocação à Rússia.
Sem comentários:
Enviar um comentário