José Goulão | AbrilAbril | opinião
O primeiro-ministro da República Portuguesa confessou numa declaração transmitida no dia 12 deste mês em jornais televisivos que o processo de vacinação contra a Covid-19 «está fora do nosso controlo». Alvo de uma barragem de ataques, quantos deles despropositados e oportunistas, não consta, ao invés, que António Costa tenha sido sequer admoestado por admitir a mais grave situação que poderia existir em pleno combate à pandemia. Em causa está a saúde pública e também a própria essência do funcionamento do país como nação independente.
A vacinação contra a Covid-19 não poderia nunca «estar fora do controlo» do governo. Um primeiro-ministro que permite tal aberração está a demitir-se de agir em defesa dos portugueses num caso de vida ou de morte enquanto pactua com a incompetência de uma Comissão Europeia transformada em central de compras ao serviço de gigantes farmacêuticos para os quais em primeiro lugar vêm os lucros. Com esta atitude, António Costa está a permitir que as normas para imposição do federalismo europeu se sobreponham aos verdadeiros interesses de Portugal e dos seus cidadãos. Há uma inversão na escala das prioridades nacionais, em detrimento dos portugueses e, neste caso, da sua saúde.
Um primeiro-ministro lamentando-se de que nada pode fazer enquanto as vacinas chegam a Portugal a conta-gotas por causa dos interesses negociais prioritários de entidades como a Pfizer, a AstraZeneca ou a Moderna e dos arranjos feitos com a incompetente presidente da Comissão Europeia é a última coisa de que os portugueses precisam. Deixar o processo de vacinação «fora do nosso controlo» por causa das vénias à Comissão Europeia e da obsessiva prestação de «bom aluno» é uma forma directa de sabotar os desesperados esforços e os sacrifícios feitos pelos trabalhadores da saúde neste já longo ano de pandemia.
Enquanto as guerrinhas de alecrim e manjerona, alimentadas pelas politiquices de uma comunicação social venal, se centram em tentar saber se as escolas fecharam tarde ou cedo, por onde começam e acabam os confinamentos e desconfinamentos, quantas festas «clandestinas» de meia dúzia de pessoas foram desmanteladas pelas forças de segurança, um escândalo como este passa incólume.
Durante meses alimentou-se nas pessoas a ideia de que sem a descoberta e a chegada das vacinas não seria possível alcançar uma vitória completa sobre a Covid-19. Entretanto produziram-se as vacinas, traçam-se planos de vacinação com perícia militar e entrega-se em exclusivo à Comissão Europeia – que falhou por omissão e incompetência, desde o início, em todos os aspectos relacionados com a pandemia – a escolha e o abastecimento dos preciosos tratamentos.
A escolha foi selectiva, a dedo, de maneira a satisfazer os mega laboratórios em situação de monopólio e transformando as pessoas em cobaias de técnicas de terapia genética nunca antes experimentadas como imunizantes em seres humanos.
Quanto à distribuição, é o que está à vista. Diz-se que os países da União Europeia contrataram a compra de 2600 milhões de vacinas, uma fartura que dá para vacinar duas vezes cada cidadão dos Estados membros e ainda sobram 500 milhões – prejudicando os países em vias de desenvolvimento, muitos dos quais não receberam ainda uma única dose. No entanto, desconhece-se onde param tantos milhões, porque as vacinas reais chegam quando chegam.
Conformismo subserviente
E o primeiro-ministro de Portugal
conforma-se: isso «está fora do nosso controlo», explica como se não pudesse
ser de outra forma. Sem que se note, a partir daí, qualquer esforço para
descruzar os braços e assumir iniciativas que outros membros da União já
tomaram, isto é, tentar tomar as rédeas da situação, porque nem só da Pfizer,
da Moderna e da AstraZeneca vive o mercado de vacinas contra a Covid-
Ao primeiro-ministro António Costa bastaria informar-se, indagar, investigar. Mesmo que seja tão cioso do «ocidentalismo» como é a Comissão Europeia, há mais um punhado de vacinas produzidas pelo universo euro-norte-americano que estão aprovadas ou em fase de aprovação. Há entidades portuguesas competentes para aferir da sua qualidade sem ser necessário ficar à espera que se desenrole o novelo de interesses que enredam a agência de âmbito europeu. E se os preços não forem as pechinchas prometidas pela Comissão Europeia para algo que afinal não chega ao seu destino talvez seja possível então recorrer à famosíssima «bazuca». Será que a saúde dos portugueses não merece essa prioridade?
Mas o horizonte do mercado de vacinas é ainda mais amplo. Há pelo menos quatro imunizantes chineses, dois russos e um indiano. Os antagonismos geopolíticos tornam ineficazes estas vacinas que já deram provas de eficácia em dezenas de milhões de pessoas? E não deverá confiar-se nas entidades portuguesas para avaliarem a segurança e a capacidade desses medicamentos no combate à Covid-19?
Como se percebe, há caminhos por explorar através do mundo desde que se cultive o interesse nacional, isto é, a independência nacional.
Neste cenário parece haver um vírus perfeitamente evitável que está a inibir o combate eficaz ao SARS-CoV-2, que é o da subserviência à União Europeia e aos seus caminhos reais e não formalmente assumidos para o federalismo.
Portugal pode decidir por si
Há muito que Portugal não é dono de si próprio. O mal está de tal maneira inoculado que deixa passar sem reparo a confissão do chefe do governo de que não tem controlo sobre um aspecto crucial de saúde pública como é o da vacinação contra uma pandemia. O «europeísmo» praticado por governo e oposição de direita é um anestésico que abre as portas a aberrações como esta e nem sequer admite a possibilidade de contornar a situação recorrendo a opções legítimas existentes.
A casta dirigente portuguesa e a comunicação corporativa com ela sintonizada perdeu a noção de que Portugal pode decidir por si próprio sem ter de pedir licença, por exemplo, à comissária política que a Alemanha exportou para Bruxelas depois de ter demonstrado amplamente a sua incompetência para continuar a desempenhar cargos governamentais internos.
A camada dirigente lusitana acha normal que todos os anos o Orçamento do Estado tenha de receber o imprimatur de eurocratas não eleitos de Bruxelas depois de avaliarem se contém as doses de austeridade contra a população exigidas pelos monopólios económicos e financeiros.
Expressão extrema deste desconchavo é a sua transposição para os domínios agudos da saúde pública, um bem que deveria estar acima de todas as subserviências, de todas as dependências inerentes aos interesses dominantes, aqueles que não conhecem e não reconhecem pátrias.
Um primeiro-ministro de braços cruzados perante as consequências de um negócio duvidoso feito por gente que nada tem de recomendável em termos de respeito pelos cidadãos e a sua saúde não é apenas uma aberração, é uma ameaça, um pesadelo.
José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril
Imagem: EPA/Miguel Lopes/Lusa
Sem comentários:
Enviar um comentário