segunda-feira, 12 de abril de 2021

Lusos com canudos e com poderes, mas pobres de espírito. Uns “santos”

A pobreza lusa hoje é vedeta para alguns. Mais um estudo realizado por encanudados (licenciados e doutorados) revela o que a maioria dos portugueses sabem e sentem na pele, nas famílias e no desespero: mais de dois milhões de lusitanos sobrevive na pobreza. Reza assim no estudo e é estatística. Trabalham e são pobres. Oh, que novidade! E andaram esses tais a estudar para chegarem a essa brilhante conclusão! Que cérebros!

Pois. Mas essa de fazerem contas de coça para dentro (mínimos) impede que a realidade do que vimos, que sabemos, conhecemos e sentimos no dia-a-dia, torne ainda mais desgraçada a verdade. Prova de que as estatísticas são o que são: um vislumbre, um cheirinho da realidade. Isso porque são muitos mais de dois milhões de portugueses condenados à pobreza, à miséria, neste país plantado à beira esgoto atlântico. Para já muito mais de um terço dos portugueses trabalha e é pobre. Talvez mais de metade dos portugueses assim sobrevivam. Não é difícil chegar a essa conclusão, vivendo e testemunhando essa triste realidade. Basta andar pelas ruas, basta ter amigos à rasca, conhecer os vizinhos, basta ver com olhos de ver a pobreza escondida e envergonhada de mais de metade dos portugueses. Não precisamos de andar nas universidades para vivenciar e saber isso. O que não tira o mérito aos que fazem esses estudos sociais que mascaram a dura realidade. Obrigado doutores, mas certo é que andam a atirar ao lado.

O Curto de hoje, por Pedro Cordeiro, vai deixar-se ler aqui em baixo, a seguir. A abertura é sobre efemérides religiosas. Não vamos nessa. Como dizia o Avô Bruto: “Cristo era comunista e mataram-no”. Sobre o Ramadão, efeméride dos muçulmanos, muito pouco ou nada sabemos, por isso limitemo-nos a respeitar. Cada um é como cada qual, dizemos. Aceitemos as diferenças de forma respeitosa, justa e democraticamente.

Cordeiro, o autor do Curto de hoje, não podia fugir ao tema da Operação Marquês. Uma novela de nojo e mal viver. Como aquela há imensas em Portugal e pelo mundo inteirinho. Trafulhices, roubos e corrupção é o que não falta no cardápio lusitano, como em muitos outros países. Vimos e ouvimos sarrabecos que chegam à política e às suas ilhargas tesos que nem carapau congelado e que passado uns anos nadam em boa vida e boas contas bancárias… Sócrates foi, é, um desses. Ele sabe isso muito bem. Mas não foi só Sócrates a pertencer ao clube. Sabemos isso. Certo é que todos esses, por mais crime assim ou crime assado, andam por aí a pronunciar postas de pescada, a viver à grande, com o maior dos descaramentos e ainda não satisfeitos usam da prosápia de declarar que são muitos honestos… Grandes “latas” têm estes sevandijas, exibindo títulos pomposos de doutores quando afinal são malteses de colarinhos brancos… a que a plebe lhes chama pela surra vigaristas e ladrões. Não são todos, são alguns… Demasiados, com canudos e poderes… Mas muito pobres de espírito.

A plebe é roubada. E assim, também, claro que há imensa pobreza, miséria pura e dura. Por entre os que trabalham no duro e recebem ordenados de miséria, produzem, produzem, produzem riquezas só para alguns. Riquezas que nunca são devidamente distribuídas pelos que toda uma vida vertem sangue, suor e lágrimas para subsistirem miseravelmente, em proveito só de uns quantos.

Como sempre, ou quase, vai longa esta introdução ao Curto do Expresso. Melhor é não avançar mais uma linha desta prosa que cansa de tanta pobreza para os que não sabem o que essa condição social e financeira significa. Nem para os acéfalos que consideram que vivemos em democracia e em alva justiça. Bugiem-se.

Bom dia e um queijo fresco… Falemos (escrevamos) pelos cotovelos, mas… É deixá-los andar, vivendo à tripa-forra! Isso. Pois. O Curto interessa. Siga-o.

MM | PG

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Entre Pascoela e Ramadão

Pedro Cordeiro | Expresso

Bom dia, boa semana, bom mês sagrado se quem me lê for muçulmano. Assim que o Quarto Crescente se mostrar no céu após a presente Lua Nova, começa o Ramadão, período conhecido por ser de jejum entre o nascer e o pôr do sol e que representa um dos cinco pilares da segunda maior religião do mundo. Pelo segundo ano consecutivo as celebrações desta data festiva do Islão dar-se-ão com fortes restrições, cortesia do coronavírus. Ainda assim ficam aqui votos de Ramadam Karim (رمضان كريم) ou Ramadan Mubarak (رمضان مبارك) e uma breve explicação do que se assinala.

Quis o calendário lunar, que define a data desta festividade e as das Páscoas — da Passagem judaica, que começou a 27 de março, até à Páscoa ortodoxa, este ano a 2 de maio — que o Ramadão comece, este ano, 24 horas após o Domingo de Pascoela (uma semana depois da Páscoa, com direito a esta reflexão de Frei Bento Domingues). Segundo relato bíblico, terá sido na Pascoela que o apóstolo São Tomé quis “ver para crer” Jesus Cristo ressuscitado.

O dia também é chamado, conforme as tradições, Domingo da Misericórdia Divina, Oitava da Páscoa, Domingo Branco, Domingo Brilhante ou Domingo de Quasimodo — no caso, não por causa da personagem de Vítor Hugo mas devido à versão em latim destes versículos do Novo Testamento: “Tendo vós psto de parte toda a malícia e todo o dolo e hipocrisias e invejas e todas as maledicências, como bebés recém-nascidos desejais o leite racional e sem dolo” (uso a tradução de Frederico Lourenço para a Quetzal).

Lê-se estas palavras (ou ouve-se uma cantata de Bach que as inclui em alemão) e é inevitável que dolo, malícia, hipocrisia e maledicência nos transportem dos enlevos pascais para as agruras judiciais e políticas da nação. O fim de semana foi de (in)digestão da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa sobre a Operação Marquês, sobre a qual o Expresso ofereceu copiosas doses de comentários, a somar a um Expresso da Meia-Noite e um Expresso da Manhã.

Ricardo Reis fala de uma sentença que deixou todos a perder; Henrique Raposo defende que José Sócrates já devia estar preso; Luís Pedro Nunes frisa que, pese embora a desilusão de muitos, o acórdão lido sexta-feira (redigido por magistrado presumivelmente favorável à defesa e que o próprio Sócrates louvara) afirma que o antigo primeiro-ministro é corrupto; esta ideia é reforçada por Luís Aguiar-Conraria e Daniel Oliveira, que sublinha ainda a incompetência da acusação; Paulo Baldaia chama a atenção para as responsabilidades do Presidente da República quanto à qualidade do Estado de Direito.

No “Público” Sónia Sapage questiona com pertinência que decisões destas passem pelo crivo de um homem só. No mesmo jornal, o autoproclamado animal feroz defende-se (já o fez no jornal brasileiro “Folha de São Paulo”, no mesmo tom imune à realidade, como mostra Rui Tavares). E segurem-se que ainda virá livro.

Sobre este assunto será muito útil ouvir as explicações do meu camarada Micael Pereira, perceber por que motivo fiscalistas criticam a decisão de Ivo Rosa, saber que afinal Sócrates e Ricardo Salgado podem ser julgados duas vezes no âmbito do megaprocesso. Aguardemos sentados e até lá o Expresso mantém cobertura permanente do caso. Tanto assim é que desde que comecei a escrever esta newsletter já saiu mais um Expresso da Manhã sobre... corrupção, que não faz jejum.

Outras notícias

TRABALHADORES POBRES Um estudo revela que um terço dos pobres em Portugal tem emprego estável. Ou seja, salários baixos e alto número de dependentes fazem com que o trabalho não baste para sair da pobreza. A Raquel Albuquerque analisou os números.

LÍDER MENOS RICO O Sporting cedeu empate em casa frente ao Famalicão e viu cair para seis pontos o avanço que leva sobre o FC Porto. O Pedro Candeias escreve sobre a partida.

NATALIDADE PAUPÉRRIMA No primeiro trimestre do ano nasceram em Portugal cerca de 18.200 bebés. Quase 3000 a menos do que no mesmo período do ano passado e o valor mais baixo desde 2015.

SARS-COV-2 ENRIQUECE Embora abaixo dos valores europeus e com as estatísticas mais tranquilas desde setembro, a covid-19 está a crescer em Portugal, com uma subida de 42% dos casos em relação à semana anterior. Quarta-feira devem chegar ao país 30 mil doses da vacina da Janssen e no fim de semana será retomada a vacinação de professores. Porque o mundo é desigual, recomendo este texto do antigo primeiro-ministro britânico Gordon Brown.

NÓMADAS EMPOBRECIDOS Os prémios da Academia de Cinema Britânica (BAFTA) distinguiram ontem “Nomadland”, sobre vidas precárias no interior da América. Além do galardão de melhor filme, foram laureadas a realizadora Chloe Zhao e a atriz Frances McDormand. A noite sorriu ainda a Anthony Hopkins, magistral em “O Pai”.

FOTOGALERIA RICA A Revista E, do Expresso, publicou esta semana um belo trabalho sobre as melhores fotografias da Guerra Colonial. Seis décadas após o seu começo, lançámos um apelo ao leitor: se tem imagens daquele período histórico, partilhe-as connosco.

RIQUÍSSIMA VIDA O Reino Unido está em luto nacional pelo príncipe consorte Filipe, duque de Edimburgo e marido da rainha durante 73 anos, que morreu sexta-feira aos 99 anos e cujo funeral se realiza no próximo sábado. São dias duros para Isabel II, que completa 95 primaveras no dia 21, mas desengane-se quem preveja a sua abdicação. A este respeito, duas pérolas: um documentário do designer José Espinho sobre a primeira visita da soberana a Portugal, em 1957; e a missa cantada com que a londrina catedral de São Paulo homenageou ontem o desaparecido, e que encantará ouvidos tanto monárquicos como republicanos.

POBRE UNIÃO A Irlanda do Norte vive dias tumultuosos e Boris Johnson não parece estar à altura, escreve “The Guardian” e corrobora entre nós Ana Sá Lopes. Para desunir ainda mais o Reino, em maio há eleições na Escócia e a chefe dos nacionalistas, Nicola Sturgeon, promete não dar trégua.

RICA FRATERNIDADE Uma semana depois de alegada tentativa de golpe do príncipe jordano Hamzah contra o rei e seu meio-irmão Abdullah II, ambos apareceram unidos a celebrar os 100 anos do emirado da Transjordânia, embrião do atual reino hachemita.

Presidência portuguesa da União Europeia

O secretário de Estado francês dos Assuntos Europeus, Clément Beaune, lamentou ontem o que classificou como “golpe de comunicação”, depois de a Alemanha ter anunciado a abertura de discussões bilaterais com a Rússia para a compra da vacina Sputnik V. Segundo a agência France-Presse, as negociações de Berlim com Moscovo decorrem sem esperar “luz verde” da União Europeia e apesar das reservas que a vacina russa continua a suscitar na Europa.

A remessa da AstraZeneca que deveria chegar à Europa esta semana não virá completa. A farmacêutica anglo-sueca anunciou que vai atrasar a entrega de metade das doses programadas, apesar de garantir que “continua no bom caminho para cumprir os seus planos de entrega para o segundo trimestre”. O grupo farmacêutico tem agora previsto entregar 1,3 milhões de doses aos 27 Estados-membros da UE — mais Islândia e Noruega — contra 2,6 milhões que estavam planeados para esta semana.

O que ando a ler

Poesia e novela gráfica. No primeiro caso, o novíssimo “Cães de chuva” de Daniel Jonas (Assírio & Alvim). O poeta nortenho, que também é dramaturgo e tradutor, troca os sonetos das suas obras recentes por um formato de verso livre, sem largar a inquietação que perpassa a sua obra e sempre, para este leitor pelo menos, com um laivo de ironia. Deixo o poema “Orvalhinhas” e, porque os livros são objetos, chamo a atenção para a bela gravura do século XIX “Calhandra”, de Samuel Palmer, que ilustra a capa deste.

A flor fecha-se, aprisiona-o
As suas glândulas digerem-no

O inseto num sudário de pepsina
É torturado em perfume

Assim
carnívoro, o belo
Masca a sua mosca

Que encantada adormece
No garrote das células

Nas turfeiras de montanhas
A paz, dizem alguns

Vamos agora à novela gráfica, em modo adolescente. “Heartstopper”, a que a tradução portuguesa da Editora Cultura manteve o título original, é a história de dois rapazes que se apaixonam na escola. A autora é a inglesa Alice Oseman, que foi buscar os protagonistas a personagens secundárias de um romance anterior. Por cá saiu o primeiro de quatro volumes e, quando o combate à discriminação e à homofobia continua necessário, é de saudar uma obra que tem tudo para chegar aos mais novos, sem deixar de interessar aos mais velhos.

Pela imprensa lusa nos últimos dias detive-me em artigos de Bernardo Pires de Lima sobre os desafios da Alemanha; e de Teresa de Sousa e David Pontes sobre o tristísismo episódio em que Ursula von der Leyen ficou sem lugar na Turquia.

O que ando a ouvir

Volto à Gulbenkian para a semana (dedos cruzados!) para o recital de piano do grande Grigori Sokolov com obras de Chopin e Rachmaninov. Ainda há bilhetes para alguns concertos (não este) da atípica temporada 2020/21, cujo programa é aliciante apesar das restições. Até lá, recordemos outro sítio onde não tempos podido ir por razões diferentes: a saudosa Feira Popular de Lisboa. E ainda hoje ouçamos mais um episódio do podcast África Agora, no qual a Cristina Peres falará com os enviados do Expresso e da SIC a Moçambique, autores desta extraordinária reportagem.

É muito bom poder voltar a frequentar salas de espetáculos, museus e exposições. Repito o que já aqui escrevi muita vez: #aculturaésegura e precisa do nosso apoio. A fechar este Curto com ecos do que foi o seu início, uma das mostras que mais me apetece visitar é esta, no Museu de Arte Antiga, sobre cristandade e Islão na formação de Portugal. Até breve, até sempre, cá estaremos!

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