quinta-feira, 29 de abril de 2021

O Programa de Estabilidade não garante nem estabilidade nem crescimento

PORTUGAL

O “Programa de Estabilidade 2021-2025”do Governo não garante nem estabilidade nem crescimento económico e revela incompreensão dos desafios e dificuldades que o país e a Administração Pública enfrentam

Eugénio Rosa | Jornal Tornado

Neste estudo analiso o Programade Estabilidade que o governo acabou de apresentar na Assembleia da República, mostrando que ele coloca exigências à Administração Pública, que decorrem do facto de estar simultaneamente em execução três grandes programas comunitários – Portugal 2020, Programa de Recuperação e Resiliência e Quadro Financeiro Plurianual 2021-2017 –  que envolvem mais de 54.000 milhões € de fundos comunitários que Portugal tem de utilizar no período 2021/2030 e que, se o não fizer, perde uma parte desses fundos que são absolutamente necessários para sair do atraso em que se encontra e para combater a pobreza que atinge atualmente já cerca de 2.000.000 de portugueses.

E a Administração Pública não tem a meu ver, capacidade para responder aos enormes desafios e exigências que daí decorrem, até porque uma parcela dos fundos do Programa de Recuperação e Resiliência terá de ser executado pela própria Administração Pública, e esta não dispõe do pessoal qualificado necessário para o fazer. E o Ministério das Finanças coloca obstáculos a contratação de trabalhadores qualificados, e não permite também a atualização da Tabela de remunerações dos trabalhadores da Função Pública que, desde 2008, foi atualizado apenas uma vez com um aumento ridículo de 0,3% em 2020.

O Programa de Estabilidade ao eleger como objetivos prioritários a redução significativa do défice e da divida publica num  prazo muito curto (até 2025) agrava ainda mais as dificuldades à contratação de trabalhadores qualificados e à atualização das remunerações.

Estudo

O “Programa de Estabilidade 2021-2025” do Governo não garante nem estabilidade nem crescimento económico e revela incompreensão dos desafios e dificuldades que o país e a Administração Pública enfrentam

O governo acabou de apresentar na Assembleia da República o “Programa de Estabilidade 2021-2025” e não é por acaso que a palavra “crescimento” caiu e já não consta do título. E isto porque a preocupação fundamental do “programa” não é assegurar o crescimento e desenvolvimento do país, mas sim aquilo que designa por “sustentabilidade das finanças públicas”, ou seja, reduzir rapidamente o défice orçamental e a divida publica.

São estes os objetivos principais do “Programa de estabilidade”. No lugar desta sustentabilidade ser conseguida por meio do crescimento económico e do desenvolvimento de Portugal, pelo contrário, este é sacrificado aos objetivos de, até 2025, o défice orçamental que, em 2020, foi de -5,7%, ser reduzido a apenas -1,2% em 2025; e a divida publica que, em 2020, atingiu 133,6% do PIB (ótica de Maastricht) ser reduzida, também até 2025, a 114,3% do PIB (-19,3 pontos percentuais em apenas 4 anos). Parece que não se aprendeu nada com as consequências da política da “troika” e a destruição que causou, pois reincide-se.

É evidente que para atingir tais objetivos, num contexto tão difícil e imprevisível como é aquele que enfrenta o país, terá de sacrificar o combate às graves fragilidades que se tornaram extremamente visíveis com a pandemia, nomeadamente a extrema dependência e vulnerabilidade da nossa economia ao exterior, um perfil produtivo em que domina produtos e serviços de média-baixa e baixa tecnologia (apenas 4% das exportações portuguesas são de alta tecnologia), um modelo de crescimento económico baseado em baixos salários, em trabalho intensivo e de baixa produtividade (40% dos trabalhadores com emprego tem apenas o ensino básico ou menos), um SNS frágil e quase 2 milhões de portugueses a viverem no limiar da pobreza. Mas analisemos alguns aspetos importantes desse “Programa” para que isso fique claro.

Previsões de crescimento económico para todos os gostos e irrealistas do Governo

Na pág. 26 do “Programa” do governo encontra-se o quadro II.5 com as previsões para a economia portuguesa de várias instituições para o período de 2021/2025. E o que surpreende são as enormes diferenças que existem entre elas o que mostra bem a imprevisibilidade que se enfrenta e a cautela a ter.

As diferenças nas previsões de crescimento económico (PIB) para o nosso país chocam. Para o ano de 2021, as previsões de crescimento do PIB variam entre 1,7% (OCDE); 3,9% do Banco de Portugal (BdP); 3,9% (FMI) e 4,1% da Comissão Europeia (CE). A previsão do governo constante do “Programa” é 4% de aumento do PIB. Para o ano de 2022, as previsões de crescimento do PIB variam entre 1,9% (OCDE), 4,3% (CE), 4,8% (FMI) e 5,2% (BdP). A previsão do governo constante do “Programa” é de um aumento do PIB de 4,9% para 2022. E como refere o próprio Conselho de Finanças Públicas (CFP) para médio prazo, (2023/2025) o cenário subjacente ao Programa de Estabilidade do governo prevê uma convergência gradual nos anos seguintes, mas sempre superior à previsão das outras entidades, sendo em 2025 o crescimento do PIB de 2,2% pelo governo superior, neste ano, à previsão do 1,7% do CFP e de 1,8% do FMI.

Como se vê tem-se previsões de crescimento económico para todos os gostos, mas a do governo está encostada sempre à previsão de crescimento mais elevada até 2022 e, a partir deste ano, é claramente superior às das outras entidades. O irrealismo das previsões do governo é claro. E como esta variável macroeconómica fundamental está correlacionada com muitas outras – emprego, procura interna e externa, investimento, etc. – é fácil de concluir a falta de consistência das outras assim como das previsões de receita e despesa pública.

Por ex., o investimento que é uma variável fundamental, o governo prevê para 2023 um aumento de 8,6%, enquanto o BdP e o CFP preveem um crescimento de apenas 3,7% (menos de metade). O mesmo se verifica em 2024 e 2025. No que se refere à remuneração média por trabalhador, o governo prevê, em 2021, um aumento de 2,3%, enquanto a OCDE prevê uma subida de apenas 0,2%, ou seja, 11,5 vezes menos. E em 2022, governo prevê aumento da 2,6% e OCDE um crescimento de apenas 1,9%. No aumento da produtividade aparente do trabalho, o governo prevê, para o período 2021/2025 taxas de crescimento entre de 3,8% em 2021 e 2022; 2% em 2023; 1,6% em 2024 e 1,4% em 2025. No período anterior à crise do “COVID”, o aumento da produtividade aparente do trabalho foi apenas 0,39% em 2015 e 2016, de 0,2% em 2017, de 0,49% em 2018 e 1,7% em 2019 (Eurostat). Em 2020, com a pandemia e confinamento, verificou-se uma quebra de -5,9%, causando um retrocesso de quase 12 anos.

O investimento público e privado e o Plano de Recuperação e Resiliência

A recuperação da grave crise económica e social, a criação de emprego, o combate à pobreza, está muito dependente do investimento e, nomeadamente do investimento público. E isto porque é necessário criar emprego qualificado, alterar o perfil produtivo da economia portuguesa, abandonar o modelo baseado em baixos salários e produtos e serviços de média-baixa e baixa tecnologia, tornar a economia menos dependente e vulnerável ao exterior. E o investimento de qualidade é vital para tudo isso.

Para se poder ter uma ideia da dimensão e dos desafios que se colocam ao país neste domínio, é necessário ter presente que estarão simultaneamente em execução três grandes programas financiados por fundos comunitários, a saber: o Portugal 2020, que é o Quadro de Financeiro Plurianual 2014/2020, o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), e o Quadro Financeiro Plurianual 2021/2027.

Em dez.2020, dos 25.185 milhões € de fundos comunitários do “Portugal 2020”, que terminava em 2020, apenas tinham sido utilizados 14.670 milhões € (58%). Ao fim de 7 anos de execução faltavam utilizar 10.515 milhões €. Para poder utilizar a totalidade dos fundos atribuídos pela U.E. a Portugal, o governo terá de obter da C.E. o prolongamento do prazo fixado inicialmente.

Em sobreposição, Portugal terá de executar até 2026 o PRR, sob pena de perder uma parte desses fundos, pois não são permitidos adiamentos. E o impacto da execução do PRR no fim de 2025 é +3,5% de PIB (pág.3, PE). E o PRR são mais 13.944 milhões € de fundos comunitários e 2.699 milhões € de empréstimos, que poderão aumentar até 10.800 milhões €, num total inicial de 16.645 milhões €. Em 2021, iniciou-se também o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 em que, segundo o governo, foram atribuídos a Portugal 29.800 milhões € de fundos comunitários.

Portugal terá de utilizar, sob pena de perder uma parcela dos fundos comunitários, os 10.515 milhões € do “Portugal 2020” até 2023; os 13.944 milhões € do Programa de Recuperação e Resiliência mais os 2.699 milhões € de empréstimos até 2026; e os 29.800 milhões € do QFP 2021-2027 até 2030. Em 10 anos(2021/2030) Portugal terá de executar/utilizar 54.259 milhões € de fundos comunitários a que se somam pelo menos 2.699 milhões € de empréstimos. E isto para um país que em 7 anos do Quadro Financeiro Plurianual 2014/2020 -o “Portugal 2020”- só conseguiu executar 14.670 milhões €.

O desafio é enorme, e é evidente que se o país não quiser perder uma parcela significativa destes fundos comunitários, que são vitais para sair do atraso e pobreza em que se encontra, é necessário e urgente realizar profundas alterações quer na Administração Pública, que não está minimamente capacitada, quer nas empresas privadas, que não estão na sua esmagadora maioria minimamente preparadas e estão descapitalizadas até porque para poderem ser utilizados aqueles fundos comunitários terão de ser apresentados, a tempo e horas, projetos credíveis e de qualidade para obter a aprovação da Comissão Europeia, a maioria dos quais não existe, e tem de existir na Administração Pública e nas empresas recursos que não existem. Infelizmente a análise que fizemos do “Programa de Estabilidade 2021-2025” mostra que o governo ainda não compreendeu a dimensão e a dificuldade do desafio, já que o “Programa” apresentado não vai nesse sentido de reforçar a Administração Pública; mas sim no sentido contrário ao definir como objetivos prioritários para a Administração Pública e para o país, no período 2021/2025, a redução do défice e da divida publica para valores impossíveis de alcançar num prazo muito curto a não ser que continue a se destruir a Administração Pública.

E como consta da pág. 30 do Programa de Estabilidade “Dos cerca de 16.000 milhões € que constituem o PRR português, perto de 10.000 milhões € dizem respeito a investimento público que estará centrado nos três grandes eixos do programa: a transição digital, a transição climática e a resiliência”, portanto a responsabilidade da Administração Pública é enorme.

O estrangulamento e o sufoco que o Ministério das Finanças está a impor à Administração Pública para reduzir o défice e a dívida pública num prazo curto o que está a destruí-la

A questão que se coloca é esta: Como é que a Administração Publica com a falta de técnicos qualificados que tem, mal remunerada (a Tabela Única de Remunerações que se aplica a toda a Função Pública desde 2008 apenas teve um aumento de 0,3% em 2020, e cerca de 75% dos trabalhadores para subirem de nível remuneratório só o conseguem ao fim de 10 anos), e com os obstáculos que o Ministério das Finanças coloca à contratação de pessoal qualificado poderá responder não só às necessidades da prestação de serviços públicos essenciais à população como também às novas tarefas/exigências que resultam da execução simultânea de 3 grandes programas – Portugal 2020, PRR e QFP 2021/2027 – financiados por fundos comunitários? E quando o governo elege como objetivos prioritários do “Programa de Estabilidade” a redução significativa do défice e da divida pública num período curto, precisamente aquele em que tem de fazer a gestão, o controlo e mesmo a execução de parte importante dos fundos destes programas.

Para que possa ficar claro e seja compreensível este sufoco da Administração Pública pelo Ministério da Finanças, vamos dar exemplos concretos. Para isso utilizaremos a ADSE, que é um Instituto Público, com autonomia administrativa e financeira, que conheço bem, e que nem é financiado pelo O.E., mas sim com as contribuições dos trabalhadores e aposentados da Função Publica (em 2020, descontaram 624 milhões €). Desde 2019 que procura contratar cerca de três dezenas de trabalhadores (técnicos superiores, informáticos e assistentes técnicos) indispensáveis para responder às necessidades de 1,2 milhões de beneficiários (a ADSE tem apenas 179 trabalhadores) e à digitalização dos seus serviços.

Até agora não conseguiu contratar nem um único desses trabalhadores devido aos obstáculos postos pelas Finanças (nada pode ser feito sem a sua autorização) e devido à burocracia que continua a dominar toda a Administração Pública portuguesa. Para suprir a falta de trabalhadores a ADSE tem sido obrigada a adquirir “pacotes de milhares de horas” a empresas de trabalho temporário (a 7€/hora, os trabalhadores recebem 4,5€) mas para o fazer necessita de autorização das Finanças que leva meses a decidir. Este ano, está-se em maio, e a ADSE ainda não conseguiu adquirir “horas”. Isso determinou que o número de documentos para reembolsar aos beneficiários no Regime Livre que estava abaixo dos 100.000 tenha duplicado o que vai lesar os beneficiários com atrasos nos pagamentos. A ADSE tem 6 projetos na Secretaria de Estado de Orçamento parados há vários meses (de 2 a 4 meses) a aguardar despachos que nunca mais chegam. Alguns deles de poucos milhares de euros como o da formação de trabalhadores.

É o sufoco da Administração Pública pelas Finanças. Se não fosse a intervenção do MMEAP, (Ministra Alexandra Leitão) que tutela também a ADSE, o funcionamento e gestão desta seria ainda muito mais difícil. Não é com uma Administração Pública dominada pelas Finanças, que interfere, que dificulta e desresponsabiliza, que bloqueia a gestão diária que será possível por a funcionar e gerir simultaneamente 3 grandes programas comunitários – Portugal 2020, PRR e QFP 2021/2027 – e cumprir os prazos fixados pela CE. Se não houver alterações profundas na Administração Pública as consequências para o país serão desastrosas. Disso estamos certos e lançamos já o alerta.


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