sábado, 24 de abril de 2021

Portugal | Sem alarmismo, acionar alertas

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

As pessoas, de todas as gerações, vivem um dia a dia carregado de apreensões e medos que geram nos seus comportamentos amolecimento e acomodações. Estamos encurralados entre os perigos reais provocados pela pandemia, o alarmismo causado por notícias especulativas e até empolamento de riscos, e uma catadupa de informação cheia de contradições (com ou sem justificação) produzida por Governo, presidente da República, alguns políticos e especialistas.

Perante esta encruzilhada, evoquemos o 25 de Abril e a dinâmica transformadora que gerou, para nos interrogarmos. Como salvaguardar a democracia e os direitos e deveres individuais e coletivos consagrados na Constituição da República? As sucessivas renovações do estado de emergência têm considerado os problemas concretos que as pessoas estão a viver, ou têm-se estreitado no objetivo de "equilibrar economia e saúde", considerando esta apenas em algumas das suas expressões? Vamos deixar que as emergências e exceções se consolidem como futura normalidade?

Centenas de milhares de crianças e jovens estão há mais de um ano impedidos de fazer desporto e atividades culturais e os clubes e associações que os acolhiam vão deparar-se com enormes dificuldades para retomar a vida normal. A desabituação poderá levar parte desses jovens a não voltarem às atividades. Por outro lado, o confinamento induziu-lhes receios sobre práticas de socialização que os vão marcar. Isto é um drama face à importância do desporto, da atividade física e das relações sociais na preparação de uma sociedade saudável.

Os trabalhadores e trabalhadoras que estão em caixas de supermercado, em atividades ligadas a abastecimentos indispensáveis, em serviços de limpeza e de segurança ou nas fábricas sem poderem parar de trabalhar, nunca foram considerados como potencial grupo prioritário no processo de vacinação. Isto merece reflexão e não é bom para a necessária valorização do trabalho.

Antes da pandemia, Lisboa era apresentada como um destino turístico de referência, espaço para endinheirados estrangeiros investirem em imobiliário de luxo e zona de concentração de escritórios de grandes grupos empresariais internacionais. Eram estes os "fatores competitivos" desta cidade (e de outras) invocados para justificarem o custo elevadíssimo da habitação. Agora é evidente que o turismo tardará a ressurgir e não se sabe com que mudanças, as grandes empresas e múltiplos serviços públicos diminuem ou eliminam escritórios no pressuposto da massificação do trabalho remoto que, diz-se, levará muitas pessoas para o interior: mas o preço da habitação e do imobiliário não baixam. Quem explica isto com verdade?

Fruto de uma retoma económica com horizonte continuamente adiado, da economia se estar a afunilar crescentemente em meros negócios e do cutelo das moratórias, todos os dias vemos crescerem as ameaças do desemprego e a desproteção de pessoas. O Governo, para dar a ilusão de que toma muitas medidas de resposta aos problemas de cada setor da sociedade, vai respondendo em microparcelas de quase nada.

Na crise anterior, o povo português foi sujeito a sacrifícios depois de convencido de ter andado a viver acima das suas possibilidades. Agora, tudo indica que está em preparação o regresso à mesma receita. Talvez contem com o amolecimento dos cidadãos provocado pela sujeição às exceções.

*Investigador e professor universitário

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