sexta-feira, 23 de julho de 2021

A descarbonização e os seus álibis

Daniel Vaz de Carvalho

1 – A religião da descarbonização e os seus teólogos

A religião tem os pastorinhos de Fátima, Bernardette de Lourdes em França, Maria Goretti e Gemma Galgani na Itália, Santa Faustina Kowaslka na Polónia, os ecologistas do CO2 têm a sua santa Greta… Não se lhe conhecendo nenhuma referência científica no complexo âmbito da climatologia, as suas extáticas revelações devem ter origem em qualquer divindade, talvez nórdicas, talvez de Washington.

No seu twiter , Greta fazendo-se eco da CNN , que anunciava que as emissões da China em 2019 excediam as do conjunto das nações desenvolvidas relatava:   apesar de ser a segunda maior economia do mundo ainda é um país em desenvolvimento segundo a OMC, no entanto não tem desculpa para a sua responsabilidade na destruição do planeta.

É pena que os deuses da Greta não lhe revelem que as emissões de CO2 per capita eram nos EUA 16,16 toneladas, na China 6,86… [1]

A climatologia corresponde a um complexo cientifico que inclui nomeadamente paleontologia, física e geofísica. Não sou especialista em climatologia, mas também não são os que defendem a descarbonização. Dizem seguir o consenso da comunidade científica. Não é verdade. Não há sobre este tema um consenso na chamada comunidade científica, na qual muitos dos que apoiam a tese da descarbonização nem sequer são cientistas e muito menos climatologistas. Comportam-se como teólogos defendendo os seus dogmas, tudo o que se opõe às suas convicções é ignorado.

Recordemos que em setembro de 2019, um conjunto de 500 cientistas e profissionais de 13 países enviou uma carta ao secretário-geral da ONU contestando a doutrina da descarbonização, que a ignorou completamente. O climatologista prof. emérito Marcel Leroux , afirmava em 2007 que 95% do efeito estufa deve-se ao vapor de água. O CO2 representa apenas 3,62% do efeito estufa. Só uma pequena proporção pode ser atribuído às atividades humanas, com um valor total de 0,28% do efeito estufa total, incluindo 0,12% para o CO2. O metano (CH4) tem um potencial de efeito de estufa 60 vezes superior ao CO2 e o óxido nitroso (N2O), quase 300 vezes superior.

Os fanáticos da descarbonização conscientemente ou não colocam-se ao serviço de interesses que mascaram os problemas ambientais que afligem o planeta, erigindo em dogma as atuais políticas da descarbonização, fugindo ao contraditório da análise e discussão destes temas com cientistas devidamente habilitados.

2 – As contradições da descarbonização

A concentração de CO2 na atmosfera tem aumentado desde o final do século XVIII, registando-se períodos frios ao longo deste tempo, designadamente nos anos 40 do século XX. Também não é explicável pela concentração de CO2 a existência de períodos quentes no passado, como o que levou no século IX e X os vikings a instalarem-se na Gronelândia (a Terra Verde).

Entre 1150 e 1300, na Europa central e ocidental prevaleceu um período quente fértil e próspero. Os períodos frios foram historicamente épocas de escassez tornando mesmo inabitáveis áreas do Norte da Europa. Na Idade Média os glaciares dos Alpes eram mais pequenos que atualmente. Os modelos climáticos adotados para descarbonização não explicam estas variações.

A chamada "temperatura média mundial" aumentou em 0,74º Celsius entre 1906-2005, mas na realidade não se pode falar em "temperatura global" como o demonstra um estudo cientifico que contradiz a doutrina canónica do efeito de estufa (Energy & Environment, 2018, vol. 29(4), pgs.613-632). Nas regiões interiores da Sibéria, a temperatura média não subiu de 1930 a 2010, registando-se nos invernos de 2000 e 2005-2006, recordes de frio e neve. Também, no interior oeste norte-americano as temperaturas médias foram em 2010 quase 1º Celsius mais baixas do que nos anos trinta.

O aquecimento é observado em regiões sob influência oceânica, tendo sido detetado um aumento da temperatura média inferior a 1º Celsius, por causas que não são conhecidas em detalhe. Se o aumento da concentração atmosférica de CO2 fosse a causa das alterações climáticas o aumento da temperatura deveria manifestar-se da mesma maneira em todas as regiões do planeta, costeiras ou continentais, pelo que a doutrina do efeito estufa não faz grande sentido.

A descarbonização permite iludir todo um conjunto de problemas ambientais como a poluição dos solos, do ar, dos rios e do mar, etc. Segundo a organização da ONU para a biodiversidade (IPBES) um milhão de espécies estão à beira de extinção. Desde 1960, 680 espécies de vertebrados, 559 raças domesticadas de mamíferos para a alimentação; mais de 40% das espécies anfíbias, um terço dos mamíferos marinhos, etc. [2]

pegada ecológica excede em mais de 50% o que o planeta permite. Isto apesar de 70% da população (adulta) dispor apenas 2,7% da riqueza mundial. Não é seguramente o consumo destes que provoca o excesso de carga ambiental. O mesmo não se poderá dizer dos 8,6% que dispõem de 85,6% da riqueza mundial. (OXFAM – 2017) Calcula-se que após 2030 serão necessários dois planetas para satisfazer as "necessidades" existentes, isto é, os excessos. Mas nisto pouco se fala e ainda menos se age.

De facto, a tese da descarbonização é propalada pelos mesmos que fazem propaganda aos "black fridays", a modelos de consumo compulsivo e desperdício. Os jovens são tanto mobilizados contra o CO2, como insistentemente seduzidos para adquirem novos artefactos eletrónicos, para basicamente mesmas funções.

3 – A agricultura industrial e o "comércio livre"

Esqueçamos tudo isto e vamos admitir a tese da descarbonização: de que o CO2 seria responsável pelas alterações climáticas. Ora as floresta são o grande meio de fixação de CO2, recupera-las seria a melhor forma não só de capturar CO2, mas também aumentar a biodiversidade. Estudos têm mostrado que quanto maior a biodiversidade, melhor a captura e armazenamento de CO2. Não seria lógico que fosse esta a prioridade?

A agricultura industrial é a grande responsável pela desflorestação, em particular das espécies autóctones e portanto do aumento na atmosfera de CH4, N2O e CO2. Por ano são cortadas 15 mil milhões de árvores. As áreas naturais, incluindo as florestas tropicais, são metade do que eram em 1940. A Amazónia está em vias de reduzir-se em 75% da sua área de origem até 2030. [3]

As florestas tropicais têm sido dizimadas desde há décadas pela agricultura industrial e pastagens de gado. Milhares de toneladas de metano e óxido nitroso são o resultado desta exploração intensiva ao mesmo tempo que o ciclo de regeneração do CO2 é drasticamente reduzido.

Centenas de milhões de hectares de floresta tropical foram destruídas para a produção de óleo de palma, soja, pastagens, nomeadamente para as transnacionais do hambúrguer. Metade do solo fértil atualmente cultivado é sobrecarregado com culturas intensivas e produtos químicos, como os pesticidas, perdendo húmus, fungos, microrganismos, tornando-as estéreis.

A agricultura industrializada destrói habitats naturais auto-sustentáveis, elimina as produções locais substituindo-as por monoculturas em grande escala com vistas à exportação a milhares de quilómetros, influi decisivamente na degradação da biodiversidade; água é retirada de outros locais afetando sistemas naturais.

Provoca ainda o êxodo rural, elimina a agricultura familiar sustentável e é fator de encarecimento dos bens alimentares. Devido à exaustão, 500 milhões de hectares de terra foram abandonados. [2] As culturas intensivas, os OGM e plantas híbridas requerem muito mais água e produtos químicos do que a agricultura tradicional familiar sustentável.

O trabalho escravo (divulgado pelo caso de Odemira), está difundido na UE, mas é uma realidade escamoteada pelos media, apenas reconhecida quando se torna público, como devido aos contágios COVID. Porém os "comentadores" aproveitam para acusar o Estado, nunca o conjunto de parasitas, alojados na intocável "iniciativa privada", mesmo esclavagista.

A aquacultura tornou-se também um grave problema de poluição dos oceanos, juntamente com os plásticos. Doenças das populações de peixes, obrigam a antibióticos e desinfetantes, o alimento para estas reservas é capturado às toneladas retirando alimento às espécies selvagens. Além disto são destruídos habitats costeiros (mangues, sargaços).

O comércio livre e a globalização neoliberal, defendido pelos adeptos da "descarbonização"são em grande parte responsáveis pelas emissões que contestam. Originam a movimentação de milhões de camiões, dezenas de milhares de navios e que percorrem permanentemente mares e estradas, a que se somam em tempos normais milhares de aviões e a frota de pesca e recreio. Os transportes públicos foram privatizados e/ou deixados degradar promovendo o transporte privado de mercadorias e o automóvel individual.

4 – As "soluções" da descarbonização

A questão do CO2 foi centrada nos automóveis ligeiros e nas energias alternativas. São meros álibis para reforço das estratégias capitalistas. É o caso dos automóveis elétricos e das energias renováveis. Apresentados como panaceia para a descarbonização, os veículos elétricos podem provocar uma catástrofe ambiental. Não passam de uma falácia com impactos ambientais, componentes altamente consumidores de recursos e intensos agentes poluidores, designadamente as baterias e sua reciclagem, além dos custos que só serão evidenciados quando o Estado retirar os subsídios. Assim, com a saturação do mercado automóvel a descarbonização vem mesmo a calhar

No sector da energia passa-se algo semelhante. Com o fim da vida útil das centrais térmicas, refinarias, etc., e da redução da sua rendibilidade as empresas teriam de realizar elevados investimentos – antes feitos pelo Estado – para se manterem no negócio. Nada disso, vão receber subsídios para investimentos em energias alternativas. As energias renováveis, privatizadas e subsidiadas pelo Estado, têm constituído efetivamente um rendoso negócio para os oligopólios da eletricidade.

A questão é calcular como vão ser satisfeitas as necessidades energéticas atuais e futuras e a que preço. Segundo a Agência Internacional de Energia divulgou no seu relatório anual em 2019 o consumo global de energia aumentará 50% até 2050 e as energias renováveis não serão suficientes. Segundo o Banco Mundial 11% da população mundial não tem acesso à eletricidade.

O dogma da descarbonização está à margem do cálculo macroeconómico e das consequências sociais. Sem energia abundante e barata, como vão poder desenvolver-se, em particular os países ditos em vias de desenvolvimento? Tudo aponta que estas estratégias provocarão ainda maior desigualdade entre países e estagnação no subdesenvolvimento e dependência dos mais pobres.

Nada disto importa aos oligarcas da "democracia liberal" que vêm na descarbonização mais uma forma de viverem à custa do dinheiro do Estado. Na UE pretende-se, no âmbito de um " Acordo Verde Europeu " (previsto ser apoiado em 1 milhão de milhões euros em dez anos), alcançar a neutralidade carbónica em 2050, reduzindo a partir de 2030, 50% a 55%, as emissões. Lembremos que a UE representa 9,6% das emissões mundiais .

O Atlantic Council, defendia que o capital privado deve ser mobilizado para "evitar as mudanças climáticas. "Agora vemos oportunidades de negócios e investimentos atraentes e rentáveis em alternativas de baixo carbono". A New Climate Economy estimou que ações ousadas sobre as alterações climáticas resultariam em oportunidades económicas de 26 milhões de milhões de dólares e 65 milhões de novos empregos, até 2030. Uma análise do Banco Mundial recomendava que milhões de milhões de dólares mantidos em fundos de pensão e outros investidores institucionais, fossem aplicados em investimentos considerados verdes.

No fundo, trata-se de promover mais uma "destruição criadora" que o capitalismo necessita periodicamente para resolver as suas crises e aumentar a taxa de lucro, garantido por subsídios e apoios públicos (ou pela guerra). Com esta perspetiva o grande capital e a direita deixaram de atacar os "fundamentalistas do ambiente" e ei-los ecologistas anti CO2.

Outro negócio da "oportunidade climática" é o mercado de licenças no âmbito da descarbonização. Como sempre, a tese é que o mercado resolve tudo – a quem? – mantendo os países mais pobres no subdesenvolvimento, sem acesso a energias menos onerosas, enquanto as transnacionais vão poder continuar a desflorestar e a produzir a milhares de quilómetros dos centros de consumo, porque dá mais lucro.

Os EUA com pouco mais que 4% da população mundial consomem anualmente 25% dos recursos mundiais – e geram resíduos na mesma proporção. Seria o último modelo de sociedade que um ambientalista promoveria, mas os ecologistas do CO2 nada de concreto dizem sobre isto. Refira-se a cimeira da alteração climática , na qual as grandes promessas são sobretudo retóricas, visto que o Pentágono continuará a ser a maior entidade poluidora da Terra.

5 – Em Portugal, a paranoia da descarbonização?

A paranoia é uma perturbação mental caracterizada pela tendência para a interpretação errónea da realidade em consequência de desconfiança extrema que pode chegar ao delírio. Não estou habilitado a fazer destes diagnósticos, mas é o que parece com a descarbonização.

Em Portugal, as emissões de CO2 per capita são das mais baixas da Europa: [1] (valores de 2017): 5,32 ton; Espanha – 5,89; França – 5,33; Alemanha - 9,52; Itália – 5,79; Áustria 7,89; Finlândia - 8,11; Dinamarca - 6,06; Bélgica – 8,71; Suécia – 4,27; Noruega – 8,23; RU – 5,82.

Perante isto, pretende-se fechar a refinaria de Matosinhos e respetivo complexo petroquímico. A sua produção representa cerca de 1 milhão de euros por dia, parte exportada, parte para a indústria nacional. Estes produtos passarão a ser importados. Quais as consequências para a Balança Comercial? Quais as consequências para a competitividade das indústrias que terão de importar aqueles produtos? Quais as consequências ao nível do emprego dos trabalhadores da Galp e empresas subcontratadas?

O balanço global em termos de emissões de CO2 irá aumentar devido ao transporte de matéria-prima para o consumo nacional. Os media do sistema fazem vista grossa a este crime económico e… ambiental.

Na UE existem 90 refinarias, esta capacidade vai manter-se praticamente intacta. De acordo com a Galp, o Complexo Matosinhos emite apenas 1,8% das emissões de Portugal que, por sua vez, emite… 0,14% das emissões mundiais.

Repete-se o processo de desindustrialização e perda de produção agrícola a troco de subsídios, aquando da entrada na então CEE. Perdeu-se indústria química, metalomecânica, metalurgia, a siderurgia foi reduzida ao mais elementar – o carril para linhas ferroviárias terá de ser importado. Agora, à conta dos subsídios para descarbonização preveem fechar refinarias, petroquímicas, centrais elétricas. O fecho de Matosinhos é apenas o início. Neste contexto, em 2020, a GALP em vez de realizar investimentos, distribuiu 580 milhões de euros aos acionistas.

A produção perdida terá de ser importada ou deixa de ser exportada. Claro que então a direita estará atenta para criticar os défices (que promove) na BC e as funções sociais do Estado para minorar a pobreza dos desempregados e reformados, exigindo as suas "reformas" neoliberais.

6 – Final

Segundo David Attenborough, a agricultura regenerativa podia ajudar a tornarem-se de novo produtivos espaços esgotados e reter 20 mil milhões de toneladas de CO2, [2] 54% das emissões de CO2 em 2019 [3]

Para serem coerentes os promotores da descarbonização deveriam combater drasticamente a agricultura e pecuária industriais e a globalização neoliberal, lutando contra a "sociedade de consumo", a sociedade do desperdício, impulsionada pela "economia de mercado".

A defesa do ambiente implica combater a depredação capitalista, que ameaça destruir o planeta e coloca mesmo a espécie humana em risco. A sinceridade ou a eficácia dos diversos movimentos ecologistas, pode ser aferida verificando a posição que tomam:

Perante a globalização neoliberal.

Perante a agricultura industrializada.

Perante as desigualdades no interior de cada país e entre países.

Perante as guerras de agressão e ameaças de guerra imperialistas.

Os problemas ambientais são uma questão política. É neste contexto que se deu a expansão de certos partidos ecologistas, ou tidos como tal, bem comportados para o sistema, ditos "moderados", que fazem da descarbonização a prioridade, pretendendo resolver os problemas ambientais por meio de "reformas" e "mudança de mentalidades", isto é, deixando intocáveis as causas. Longe de contestarem o sistema responsável pela degradação ambiental, procedem à sua camuflagem.

Dir-se-á que a agricultura da pequena propriedade familiar não é viável. Mas o que significa ser viável? A verdadeira viabilidade será a satisfação das necessidades humanas de forma sustentável para a vida na Terra, o que exige outro modelo de sociedade, não baseado na maximização do lucro, mas sim na maximização dos benefícios sociais e por consequência também ambientais. Ou seja: uma sociedade guiada pelos princípios do socialismo.

[1] CO2 and Greenhouse Gas Emissions - Our World in Data .   Emissões de CO2 da queima de combustíveis fósseis para produção de energia e cimento. As consequências das mudanças nos usos do solo não estão incluídas.
[2] Uma vida no nosso planeta, D. Attenborough, Ed. Bertrand
[3] S09_FossilFuel_and_Cement_emissions_1959.png (2431×1539) (icos-cp.eu)

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/

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