Coligação governamental guineense dá sinais de estar em risco por causa de desentendimentos entre o Presidente e o líder do MADEM-G15. Jurista entende que Embaló desconhece a sua missão enquanto Presidente da República.
A "guerra aberta" entre o Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, e Braima Camará, líder do Movimento de Alternância Democrática (MADEM-G15), que lidera a coligação no poder, terá consequências para a estabilidade do país, alerta o analista Luís Vaz Martins.
Em entrevista à DW, o jurista diz que "há muito" que o país vive uma ditadura e que sempre soube que esta era uma aliança "a prazo". E não poupa críticas à "ignorância" do Presidente sobre as regras do jogo democrático.
DW África: O desentendimento entre Sissoco e Camará pode gerar ainda mais instabilidade política na Guiné-Bissau e pôr em risco a coligação governamental?
Luís Vaz Martins (LVM): É óbvio que sim. Aliás, todos os observadores atentos já sabiam de antemão que esta aliança era a prazo, que não tinha qualquer possibilidade de perdurar a longo termo. Foi uma aliança circunstancial baseada numa espécie de coligação para atacar o PAIGC e o seu líder. No entanto todos nós sabíamos que não havia um denominador comum que podia sustentar essa aliança do MADEM-G15, PRS e o próprio Sissoco Embaló isoladamente... E depois buscou legitimidade no MADEM-G15 para se poder projetar ao nível da Presidência da República. Essa questão terá repercussões ao nível da estabilidade, porque os interesses do líder do MADEM-G15 e de Sissoco Embaló, enquanto Presidente da República (PR), são divergentes.
DW África: O líder do MADEM-G15 demarcou-se do regime e alertou para a implementação de uma ditadura no país. Acha que faz sentido o MADEM-G15, que é membro da coligação governamental, fazer oposição?
LVM: Há muito que o país vive uma ditadura. Esta afirmação só peca por tardia. Braima Camará já devia ter denunciado este facto há muito tempo. Só apareceu para fazer essa denúncia a partir do momento em que a sua relação com Sissoco se tornou insustentável. Mas, de facto, o país vive uma situação de ditadura com restrição de liberdades fundamentais, concretamente de expressão e de manifestação. O país está limitado no exercício dos mais elementares direitos, isso é notório.
DW África: Sissoco Embaló diz que não é ditador, mas que não vai permitir desordem no MADEM-G15. É ao PR que cabe pôr ordem nos partidos políticos e fazer o papel de "árbitro"?
LVM: Isso é uma demonstração do desconhecimento, da ignorância, de Sissoco Embaló em relação à missão de um PR. Ele é um Presidente muito imiscuído no poder tradicional e religioso, quando a Guiné-Bissau é um país laico. E ele entende que o PR é uma espécie de "super-homem" que pode intervir em tudo quanto são associações e entidades. Isso é resultado da sua própria ignorância, desconhecendo totalmente as regras do jogo e a Constituição da República, e vai disparando um pouco por toda a parte todos esses disparates que não deveriam sair da boca de um PR.
DW África: O MADEM-G15 convocou os órgãos do partido para o próximo sábado, quando deverão ser tomadas decisões importantes. Acha que a expulsão de Embaló pode estar no horizonte?
LVM: Em condições normais nem devíamos falar de uma expulsão. Regra geral, um PR não deve ter filiação partidária. Ou seja, a partir do momento em que é PR, suspende-se a sua ação dentro do próprio partido. Na realidade, há toda uma dinâmica de Embaló no sentido de retirar Braima Camará da liderança do partido, daí essa reação de Camará. Obviamente que haverá, do meu ponto de vista, decisões muito profundas no sentido de afastar essa pretensão de Embaló, o que irá agravar mais a sua situação, quando Embaló é um Presidente omnipresente, intervém em tudo quanto é sítio, acho que haverá mais um problema ao nível da estabilidade, será mais uma gota.
Madalena Sampaio | Deutsche Welle
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