Os dados dos censos não são uma novidade nem uma inevitabilidade, resultando de décadas de políticas erradas e de oposição às que verdadeiramente possibilitam um País mais coeso, a começar pela regionalização.
«Não são uma surpresa», afirmava ontem a ministra da Coesão Territorial em reacção aos resultados preliminares dos Censos que, a par da perda de mais de 200 mil habitantes numa década, revelam um País desequilibrado, com uma forte concentração no Litoral, em particular junto das áreas metropolitanas.
Comprovadamente não são. Basta um pequeno périplo pelo Interior para perceber a angústia a que têm sido votadas as populações. Foi o desinvestimento na ferrovia, o encerramento de serviços públicos, uma saúde que remete muitas valências para os grandes centros urbanos, escolas que fecham por falta de crianças, empresas que encerram, não se fixam e muita produção que deixou de se realizar (não raras vezes com subsídios europeus para não produzir) e a respectiva ausência de trabalho, numa espiral que conduz as regiões mais pobres, envelhecidas e desertificadas a serem-no cada vez mais.
Desculpava-se a ministra Ana Abrunhosa com a ideia de que o problema «não é de hoje» e também «não é exclusivo» de Portugal, escamoteando, por um lado, o facto de sermos um dos países mais centralizados da OCDE, e, por outro, negligenciando a sistemática ausência de políticas duradouras de desenvolvimento regional, a que se junta, por exemplo, uma gestão de fundos comunitários que mais não faz do que reproduzir desigualdades.
O acentuar de assimetrias, o desaproveitamento das potencialidades locais e a desertificação exigem que se olhe o problema de frente e se páre de fugir das soluções, iludindo o povo com políticas que acabarão por aportar maiores desequilíbrios.
É o caso da desconcentração de competências do Estado para os municípios, com base na lei quadro que PS e PSD aprovaram em 2018, com o aval de Marcelo. António Costa pedia há dias aos eleitos autárquicos que não tivessem «medo» da descentralização, não obstante ser um aameça ao princípio constitucional da universalidade das funções sociais do Estado.
A realidade que os Censos traçam requer outra visão e compromisso de quem governa o País. O saldo natural negativo, tal como a desertificação do Interior, não se resolve só com mais imigrantes, como avançou ontem a ministra da Coesão. São precisas medidas que garantam o emprego e o emprego com direitos, que se acabe com os vínculos precários, os bancos de horas e outros mecanismos de exploração que não deixam sonhar com o direito a ter uma família.
É preciso não esquecer também a necessidade de aumentar a oferta de habitação acessível e de acabar com a especulação imobiliária e a gentrificação, motivos que têm levado Lisboa a perder habitantes. Afinal de contas, e tal como diz Sérgio Godinho na canção, «isto anda tudo ligado».
AbrilAbril | editorial
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