Ministério Público terá anuído o processo de impugnação do congresso que elegeu o presidente do maior partido da oposição angolana junto do Tribunal Constitucional. Sociedade civil alerta para "consequências drásticas".
A destituição "forçada" do líder do maior partido da oposição angolana em véspera das eleições gerais põe em risco a paz e a instabilidade, alertam analistas que preveem uma convulsão social nos próximos tempos no país. A "bomba" caiu este fim de semana: depois de o Bureau Político do MPLA ter dito em comunicado, na semana passada, que a liderança de Adalberto Costa Júnior "está por um fio", o jornal angolano Isto é Notícia revela que o Ministério Público terá anuído o processo de impugnação do Congresso da UNITA que o elegeu, junto do Tribunal Constitucional.
Segundo o jornal, o documento deu entrada na secretaria do Tribunal Constitucional no passado dia 4 de agosto, e tem assinatura do magistrado Celestino Paulo Benguela, alegando que "o Comité Permanente da Comissão Política da UNITA não tinha legitimidade de prorrogar o prazo de apresentação de candidaturas, por ter cessado à data dos factos o seu mandato".
O documento foi distribuído aos membros do plenário de juízes após a demissão do juiz conselheiro presidente Manuel Aragão, diz ainda o Isto é Notícia.
Ouvido pela DW África, o porta-voz da UNITA, Marchal Dachala, afirmou esta segunda-feira (16.08) que os advogados do partido que acompanham o dossier ainda não foram notificados. "Pensamos que num verdadeiro Estado democrático e de Direito este processo nunca deveria acontecer, mas o que está a acontecer é revelador daquilo que é a democracia angolana", criticou, no entanto, o responsável, à entrada para uma reunião do partido.
O analista político Agostinho Sikato considera que o assunto devia ter sido discutido dias depois do congresso que elegeu Adalberto Costa Júnior, em novembro de 2019. Destituir o líder do maior partido neste momento, poderá, segundo Sikato, adiar o processo eleitoral.
Sociedade civil alerta para "consequências drásticas"
"É preciso ter ponderação numa possível tomada de decisão", defende Sikato. "A situação alastrou-se numa posição em que uma destituição do líder do líder da UNITA, neste momento, traz consequências muito drásticas. A título de conselho, enquanto cidadão, apenas devo dizer que é melhor ponderar, avaliar qualquer posição que o tribunal quiser tomar, sob pena de poder arcar com consequências muito graves", alerta o politólogo angolano.
Tendo em conta a popularidade crescente da UNITA e do seu líder, o ativista Nuno Álvaro Dala diz mesmo que a decisão do Tribunal Constitucional poderá por em risco a paz conquistada há 19 anos. "Este processo que visa afastar Adalberto Costa Júnior da presidência da UNITA está pôr em risco a própria paz já de si podre e a própria estabilidade também de si podre", afirma.
"A própria paz em Angola corre o risco de ir para o ralo, porque estamos em presença de um partido que não conhece limites no que diz respeito a manter-se no poder. Por essa e outras razões, é que tenho alertado a sociedade para o risco de a própria paz ir para o ralo caso, efetivamente, esse plano vá adiante", alerta o ativista.
Nuno Álvaro Dala diz que não será o regresso à guerra mas sim uma revolta popular que poderá por em causa a estabilidade política: "É preciso que o MPLA entenda que não é só problema da UNITA. Com o caos instalado, é evidente que os próprios dirigentes do MPLA não estarão salvos”, afirma. "Muitos grupos e muitos cidadãos vão acabar por dirigir as suas atenções contra exatamente, essas figuras do regime".
E já há pelo menos um protesto marcado contra a possível destituição de Adalberto Costa Júnior. Em jeito de resposta ao processo, a União dos Povos de Angola, associação liderada pelo ativista Pedrowski Teka, convocou uma manifestação contra a intenção da justiça angolana: "Não vamos permitir estas violações das regras democráticas. No próximo sábado, 21 de agosto, vamos sair às ruas para lutarmos e exigirmos, de forma pacífica, de forma legal, o respeito pelo Estado democrático e de direito", avançou o ativista à DW África.
"Se Adalberto não serve, nem o Sakala serve"
O jornalista José Gama diz que o último comunicado do MPLA demonstra que o partido no poder tem interesse na eventual "queda" de Adalberto Costa Júnior.
"Quando o MPLA vem a público fazer um comunicado [dizendo] que a liderança de Adalberto Costa Júnior na presidência da UNITA está pôr um fio, o MPLA está a mandar um recado, está a transmitir o que ele deseja publicamente à volta deste dossier", considera. "Logo, estes juízes que têm ligações ao partido no poder vão logo perceber a mensagem, e se não agirem com a lei, de certeza vão tomar posições com aquilo que é a vontade do MPLA".
O processo, segundo o jornalista angolano, prova que os tribunais são "instáveis" situação que prejudica o investimento estrangeiro. "No plano interno, penso que isso pode causar tumulto, tensões ou rixas, porque basta ver pelas redes sociais, há aí um estado de opinião que se pode fazer leitura que as pessoas estão atentas e predispostas a rebelarem-se, caso o tribunal constitucional se deixe ser usado para derrubar o presidente da UNITA eleito em 2019", alerta.
Entretanto, circulam no país rumores de que se pretende colocar - contra a vontade dos militantes - o segundo candidato mais votado no congresso, Alcides Sakala, ou então o ex-presidente do partido, Isaías Samakuva, na presidência da UNITA.
O politólogo Agostinho Sikato lembra que somente os estatutos do partido devem decidir quem deverá assumir a liderança: "Se Adalberto não serve, nem o Sakala serve, porque o que está em causa aqui são os requisitos para o congresso. Portanto, se foram violados os princípios internos, o que não vale é o próprio ato em si".
Borralho Ndomba (Luanda) | Deutsche Welle
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