quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Portugal | Os sapatos apertados de Graça Freitas

Bom dia este é o seu Expresso Curto 

Os sapatos apertados de Graça Freitas

João Cândido da Silva | Expresso

Bom dia,

O caos e a confusão reinaram durante dez dias, mas Graça Freitas acabou por encontrar “novos dados” para sustentar uma posição clara e inequívoca. Nesta terça-feira, colocou um fim à tormenta. Os jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos vão ser integrados no plano de vacinação, sem necessidade de indicação médica, de acordo com uma recomendação de natureza universal da Direcção-Geral da Saúde. Desta vez, parece que não restam dúvidas: a medida abrange crianças saudáveis e aquelas que sofrem de alguma comorbilidade.

Quando decisões técnicas vão ao encontro da vontade dos titulares dos cargos políticos, a harmonia celestial ganha fortes possibilidades de se instalar no país. No Twitter, António Costa não escondeu a satisfação pela mudança de planos. "Congratulo-me que a ciência tenha confirmado ser possível cumprir o nosso dever de garantir proteção universal a todas as crianças maiores de 12 anos", escreveu o primeiro-ministro, sem conseguir reprimir a tendência para a ironia que o assalta quando as circunstâncias se apresentam favoráveis para exercitar o cinismo.

Pressão política foi um ingrediente que não faltou durante este período em que a cautela e a necessidade de mais ciência escudaram as hesitações e abriram um alçapão no caminho sinuoso do combate à pandemia. Sem surpresa, Marcelo Rebelo de Sousa não faltou à chamada. E até Henrique Gouveia e Melo, o líder da ‘task force’ que dirige o processo de vacinação, ajudou a colocar a DGS e a sua principal responsável em apertos. “O tempo está a esgotar-se”, avisava o vice-almirante há escassos dias, com a costela militar a recordar que aquele é um factor crítico para o sucesso de qualquer missão.

Tudo está bem quando acaba bem? Nem por isso. A decisão anunciada por Graça Freitas suscita dúvidas e inspira perguntas. Se os especialistas mantêm algum grau de controvérsia sobre o balanço entre os benefícios e os riscos da vacinação na faixa etária em causa, a sustentação da pirueta protagonizada pela DGS desafia a capacidade de compreensão.

Jorge Amil Dias afirma: “Como médico, gostaria de saber quais foram exactamente os argumentos [utilizados pela DGS para justificar a decisão anunciada esta terça-feira] e o que mudou em relação à semana passada”. Seria “interessante”, acrescenta o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, “perceber o que justificou esta decisão e conhecer os dados novos que fundamentam esta mudança de opinião”. Graça Freitas descalça um sapato apertado para logo de seguida calçar outro de um número abaixo.

OUTRAS NOTÍCIAS

Há 6,4 milhões de pessoas em Portugal que já têm a vacinação completa contra a covid-19, enquanto 7,3 milhões receberam pelo menos uma dose. Com estes números, divulgados pela 'task force' liderada por Henrique Gouveia e Melo, o país aproxima-se da meta de 80% da população totalmente vacinada, limiar a partir do qual será possível dar mais um passo no processo de desconfinamento. O fim do uso obrigatório de máscara em espaços públicos é uma das medidas previstas para a nova fase, mas a Ordem dos Enfermeiros contesta esta possibilidade.

Esta terça-feira, a DGS revelou terem sido identificados mais 2.232 casos de infecção, assim como 17 vítimas mortais e mais de 3.700 situações de recuperação da doença. O total de casos activos foi contabilizado em 43.244, número inferior àquele que se registava no dia anterior. Os internamentos em enfermaria e nas unidades de cuidados intensivos desceram. A variante Delta do coronavírus apresenta uma frequência relativa de 98,9%, indicou o Instituto Ricardo Jorge.

Através de gráficos e mapas pode verificar aqui qual é o estado actual da pandemia em Portugal. O ponto de situação em relação ao processo de vacinação no país e no mundo pode ser consultado aqui.

“Duvidam que se o André [Ventura] chegasse ao centro de vacinação cheio de funcionários do governo socialista do António Costa não lhe iam injetar veneno mal percebessem que era ele?”. Uma página do Facebook, identificada como sendo da responsabilidade do Chega de Vila Real, desencadeou a mais recente polémica do partido.

“Intolerável e absolutamente irresponsável”. É desta forma que deputados do PSD qualificam o facto de o sistema de videovigilância Ciclope não estar a cumprir a função para a qual foi lançado na prevenção e combate aos incêndios florestais. O partido dá o exemplo do distrito de Santarém: 13 das 16 câmaras de vídeo estão inoperacionais. O Ministério da Administração Interna reconhece que há problemas e promete que estarão resolvidos até ao final desta semana.

Na Figueira da Foz, a luta eleitoral ganhou um novo episódio. O PSD decidiu apresentar em tribunal um pedido de impugnação da candidatura autárquica de Pedro Santana Lopes. Os sociais-democratas alegam que o seu ex-presidente se tem apresentado com denominações diferentes, o que, argumentam, a legislação não permite.

Há empresas que, depois de terem beneficiado do lay-off simplificado ou do apoio à retoma progressiva, decidiram avançar com processos de despedimento colectivo. Os dados disponíveis indicam que foram 88, um número que representa 0,07% do total de organizações que recorreram àquelas ajudas durante a pandemia. A esmagadora maioria está a manter o emprego.

Alvo da acusação de assédio sexual por diversas mulheres com quem trabalhou, Andrew Cuomo apresentou a demissão esta terça-feira, depois de a Procuradoria-Geral de Nova Iorque ter revelado os resultados de uma investigação ao comportamento do governador da cidade norte-americana realizada ao longo de cinco meses. "Dadas as circunstâncias, a melhor forma de ajudar agora é afastar-me e deixar o Governo voltar a governar", anunciou o político democrata.

João Dória, governador do Estado de São Paulo, afirmou que “Bolsonaro já era uma vergonha nacional” e que “agora se torna vergonha internacional”. Esta foi uma das reacções ao facto de o presidente do Brasil ter optado por assistir a um desfile militar em Brasília enquanto no Congresso se discutia a medida que tem sido uma das bandeiras do líder brasileiro.

A Apple desenvolveu uma ferramenta destinada a detectar imagens de pornografia infantil nos telemóveis da marca, mas a aplicação terá escassas hipóteses de vir a ser utilizada em Portugal. O NeuralHash esbarra com a legislação nacional, que restringe o acesso a repositórios de dados e comunicações pessoais aos casos em que há uma mandado de um juiz.

O Benfica fez o que lhe competia e carimbou o passaporte para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Esta terça-feira, repetiu no Estádio da Luz, perante o Spartak Moscovo, o resultado de 2-0 com que tinha vencido a primeira mão. “A realidade não foi apanhada de surpresa”, escreve Diogo Pombo na crónica publicada na Tribuna.

Depois das lágrimas, chegou o consolo. Leonel Messi foi aclamado por centenas de adeptos do Paris Saint-Germain quando, esta terça-feira, chegou no aeroporto Le Bourget, perto de Paris. O craque argentino assinou contrato com o clube francês e vai falar nesta quarta-feira de manhã, numa conferência de Imprensa, sobre o futuro.

FRASES

“Década a década tem havido menos precipitação média anual no nosso país, também na Península Ibérica e no sul da Europa. (...) Há um impacto sobre os recursos hídricos, menor disponibilidade de água, problemas acrescidos com a agricultura de regadio, porque chove menos. Há ainda secas mais frequentes e mais intensas. A combinação das secas com as ondas de calor potencia incêndios florestais como aquele que tivemos em 2017”, Filipe Duarte Santos

“Criticar Hungria e Polónia é preciso. Mas fazê-lo e não ter uma palavra contra situações muito mais horríveis é uma forma de matar a liberdade bem mais perigosa do que se calhar se imagina”, José Miguel Júdice

“A massa folhada não é portuguesa e nem se sabe quando e onde foi inventada. E pode um bom pastel de nata, 100% português, ser feito sem massa folhada estrangeira? É que não pode. Aqui chegado, será de perguntar se a questão da percentagem de portuguesismo tem a menor relevância”, Francisco Louçã

O QUE ANDO A LER

“Verão”, Ali Smith. A versão portuguesa do livro que encerra a tetralogia de Ali Smith chegou agora. O desafio de escrever quatro obras literárias em cima dos acontecimentos começou em 2016, com “Outono”, o ano do Brexit e da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. “Verão” pega nos temas que marcam a actualidade global, das alterações climáticas às redes sociais e aos respectivos riscos para a disseminação de mentiras e mitos, passando pela eclosão da pandemia de covid-19. Personagens que surgiram nos volumes anteriores estão de regresso, num livro que nos coloca perante problemas cheios de potencial para alimentar o pessimismo, mas que acaba por nos fornecer algum vislumbre de esperança, luminosa como a estação que lhe dá o título.

“Integrado Marginal”, Bruno Vieira Amaral. Uma boa história era a chave de ignição do talento de José Cardoso Pires, um dos nomes grandes da literatura portuguesa da segunda metade do século passado, injustamente esquecido nos dias que correm. Não legou uma obra extensa e disso se terá arrependido, porque era um bom ouvinte e histórias eventualmente merecedoras de serem passadas a livro foi algo que nunca lhe terá faltado. Bruno Vieira Amaral resgata José Cardoso Pires com uma biografia detalhada e empolgante, que revela, em simultâneo, o ambiente social e cultural da época em que o escritor viveu. “Integrado Marginal” é um título feliz para servir de chapéu à narração do percurso de um homem livre, contemporâneo do neo-realismo, mas que decidiu construir o seu próprio caminho, sem cedências a modas ou a imposições de outra natureza. A escrita limpa, clara e enxuta de Bruno Vieira Amaral faz justiça àquela que caracterizou o biografado. Este é um daqueles livros que se lêem com enorme prazer.

O QUE ANDO A OUVIR

“Dança dos Desastrados”, Miguel Ângelo Quarteto. Este é o terceiro trabalho assinado pelo quarteto do contrabaixista português Miguel Ângelo, que tem como parceiros neste projecto o saxofonista João Guimarães, o pianista Joaquim Rodrigues e o baterista Marcos Cavaleiro. A música envolvente e cativante criada pelo líder da gravação inspira-se em danças tradicionais, reais ou simplesmente imaginadas, e revela uma banda consistente e inspirada. Um daqueles álbuns a não perder.

“The Magic of Now”, Orrin Evans. Mais um quarteto, desta vez liderado pelo pianista norte-americano Orrin Evans, com as colaborações preciosas de Vicente Archer no contrabaixo, Bill Stewart na bateria e Immanuel Wilkins no saxofone. Evans assume a chefia da banda, mas esta gravação realça o espírito democrático que a animou, com enormes benefícios para quem se dispõe a escutá-la. O pianista partilha o protagonismo com os seus parceiros e Wilkins tem um trabalho de destaque.

“Mayan Space Station” e “Painters Winter”, William Parker. Contrabaixista veterano, um dos nomes mais relevantes do livre improviso, Parker tem uma discografia extensa. De uma assentada, acrescenta agora dois álbuns. “Mayan Space Station” é uma estreia num formato de trio com guitarra e bateria, aqui assegurada por Gerald Cleaver. Um dos trunfos da gravação é Ava Mendoza, guitarrista virtuosa e dotada de um ataque enérgico, aparentado com aquele que costuma caracterizar os terrenos do rock, o que resulta em música crua e incendiária. Em “Painters Winter”, William Parker regressa a uma parceria com o multi-instrumentista Daniel Carter e o baterista Hamid Drake. Cinco temas compostos pelo contrabaixista fornecem o espaço para a banda deambular com elegância por terrenos um pouco mais serenos.

E é tudo. Acompanhe a actualidade no Expresso, Tribuna e Blitz. Espreite as sugestões do Boa Cama Boa Mesa e tenha um excelente dia.

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