Ismael Mateus* | Jornal de Angola | opinião
Na sua declaração de voto de um
de Setembro, a UNITA exprime toda a sua mágoa ao considerar que a lei orgânica
das eleições (para a qual eles tinham contribuído em 90 por cento dos artigos
alterados e aprovada com os votos do MPLA) era uma "lei da fraude e do
suicídio do Estado democrático”. À noite, o deputado Tomás da Silva, do MPLA,
respondeu no telejornal considerando que apenas as birras da UNITA tinham
levado ao seu voto contra.
Ainda assim, mantemos o elogio. A Assembleia Nacional está a fazer um caminho
notável de busca de consensos, o que não invalida que, em determinados casos,
isso não seja possível de alcançar. E quando assim for, a alternativa será
sempre o voto. Não haveria nada de extraordinário nessas duas circunstâncias se
a imaturidade dos nossos políticos não precipitasse uma pequena crise com a
desvalorização do trabalho feito até aqui.
Tanto a declaração de voto, como as declarações politicas que lhe seguiram,
foram infelizes e mais preocupadas em apontar o dedo ao outro, quando, na verdade,
apesar da falta de acordo em pontos cruciais, houve concertação e consenso em
muitos outros pontos. Podemos dizer que apesar de todo o trabalho havido,
registou-se uma recaída no velho problema da convivência contraditória entre
uma crónica desconfiança e necessidade de abrir um caminho de confiança entre
irmãos.
Foi sempre a inteligência, a paciência e a capacidade de quebrar resistências e dificuldades a resolver os impasses e nunca a pressão externa. Faltou calma e "mais velhice”. Essa é uma lição que os nossos jovens políticos tinham a obrigação de saber e de recorrer à experiência de alguns mais velhos que foram estrategas negociais e estão sentados no Parlamento, como deputados do actual tribuno. Não se trata de uma questão biológica já que há mais velhos que são em termos de tempero mais "espalha brasas” que gente mais nova. Trata-se de nestes casos encontrar as figuras que com serenidade tragam experiência e sabedoria e contribuam para ultrapassar o impasse em vez de posições de ruptura.
Depois de tantos anos, não faz sentido que a desconfiança política continue a ensombrar o desempenho da democracia nem a colocar em risco a estabilidade democrática. Deveríamos ter já experiência bastante em termos de negociação e troca de argumentos sem ter necessidade de recurso a acusações, que põem em causa todo o edifício do consenso e da concertação construídos.
Se por um lado, temos de ter em conta a legitimidade das maiorias para decidirem com um mandato popular para esse efeito (número de mandatos atribuídos a cada um representa uma distribuição do poder de tomar decisões em nome da colectividade) por outro lado é igualmente legítimo que, sobretudo na recta final de um mandato, exista uma percepção de mudança da correlação de forças através da concretização das demandas da sociedade (aspirações, interesses, preferências) em políticas públicas, leis e instrumentos jurídicos. É algo que só as eleições permitem determinar com uma nova composição da representação popular, a menos que seja possível por via negocial. Para isso, devem entrar em cena os bons negociadores, os mais velhos e toda a argúcia e inteligência para contornar os problemas. Não deveria ser necessário o expediente da denúncia pública.
Os cidadãos devem ser educados a aceitar essas duas condições, nomeadamente a aceitar, por um lado, as regras democráticas que ditam as maiorias e, por um lado, a abertura democrática que, em paralelo com essa representação, permite que se abram processos negociações que levam a entendimentos de acordo com a leitura política do momento.
A institucionalização da desconfiança leva a que ao mínimo contratempo, as
partes extremem posições e se socorram do recurso à denuncia ou acusação do
outro. Muitas vezes é um mero problema de comunicação em que as partes têm
objectivos e interesses divergentes, o que é legitimo e aceitável quando dois
concorrentes ao mesmo lugar estão à beira das eleições.
O segundo problema é a prática da tolerância e a aceitação do pluralismo;
quando é necessário exercitar a tolerância, chamar ao palco principal os mais
velhos e as pessoas com cabeça fria, isso nem sempre acontece e, pelo
contrário, aparecem sempre os que mais alto pedem por posições radicais. O
terceiro e último momento para combater a desconfiança é a participação
dos cidadãos. Com a polarização actual, líderes associativos, religiosos e
sindicalistas são parte do problema e agudizam a situação com as suas posições
em defesa de uma das partes. Hoje temos mais dificuldades em encontrar pessoas
e associações que possam exercer um papel de equilíbrio. Falta-nos gente com
distanciamento bastante para servir de aproximador das partes, o que fragiliza
sobremaneira a qualidade da nossa democracia.
Não admira, pois, que os nossos partidos e deputados tenham recaídas de
desconfiança e voltemos aos comunicados e palavras duras como há 20 anos.
* Jornalista
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