Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião
Antigamente, os malucos ficavam a falar sozinhos, hoje, abrem os telejornais. A extrema-direita agradece a atenção que damos aos seus malucos, sejam juizes, médicos, historiadores, candidatos autárquicos ou simples anónimos. Por ocuparem cada vez mais o nosso tempo, não significa que haja cada vez mais malucos, significa "apenas" (com muitas aspas) que o politicamente correcto alargou até ao infinito o conceito de liberdade de expressão e os malucos saíram das catacumbas.
Cá estamos todos, a contribuir para o triunfo da irracionalidade. Tão preocupante como a tranquilidade com que a comunicação social dá cada vez mais tempo de antena aos malucos é a desistência da justiça e das forças de segurança de fazer cumprir a lei. Deixou de haver limites e, assim, a irracionalidade vai em crescendo até ao dia em que as coisas correrem verdadeiramente mal e a desgraça não tiver culpados porque, está-se bem a ver, os malucos são inimputáveis.
Esta campanha das autárquicas, juntamente com a campanha dos negacionistas, vem comprovar que a extrema-direita, no recrutamento dos seus soldados e oficiais, privilegia a irracionalidade e a mentira. Perante candidatos que não conseguem articular uma simples frase no debate com os adversários ou os que deliram com "indianos vingativos", já ninguém pode alegar que é preciso dar uma oportunidade a quem pensa diferente. Quer dizer, poder, pode, mas há um momento a partir do qual se tem de começar a falar em cumplicidade.
O líder do Chega anda nesta campanha a lançar ultimatos e ameaças ao PSD de Rui Rio. Não se sabe se o PSD vai manter o líder ou se vai trocá-lo mas, em qualquer circunstância, a resposta dos sociais-democratas a André Ventura tem de ter o equivalente em decibéis ao barulho de uma porta a bater com toda força. Para acabar de vez com o ruído causado pela admissão de uma aliança futura no assalto ao poder. Não será fácil, para quem apostou na candidata Suzana Garcia na Amadora, sendo que fica a ser necessário que esta candidatura não tenha sucesso, para que o partido possa corrigir a trajectória e regressar à social-democracia.
Aqui chegados, só faltava mesmo um manifesto pela liberdade de expressão, assinado por pessoas que têm grande espaço de comentário na comunicação social. Podia ser para se pôr cobro aos abusos da liberdade de expressão, contra a mentira e a difamação que correm soltas, muitas vezes com culpa da comunicação social que as amplia, mas não, é sobre a liberdade de expressão que dizem "não está em causa, mas pode vir a estar". Como se o texto que os levou até este manifesto, publicado e despublicado pelo jornal Público, não pudesse ser republicado noutra plataforma qualquer. Como foi. E como se fosse censura a direcção editorial, fazendo uso de um exclusivo legal, determinar que opinião ali se publica ou não publica, ou até se retira depois de publicado.
Já não dá para perder tempo a fazer de conta que a liberdade de expressão está ameaçada porque estão a calar as pessoas que têm ideias diferentes, a liberdade de expressão começa a ficar ameaçada porque a seu pretexto passou a ser possível difamar e ameaçar. É com isto que nos devemos preocupar, deixando em paz os moinhos de vento. Um erro de análise, que possa ter existido nas decisões da direcção do Público, em relação ao texto de Pedro Girão, vale muito pouco quando somos confrontados diariamente com o aumento exponencial de visibilidade que os malucos estão a ter no nosso país.
*Jornalista
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