Rosália Amorim | Diário de Notícias | editorial
Muito dramatismo, crise política à porta, e, afinal, tudo se pode resolver com um papel assinado. Este é um dos cenários em cima da mesa para a possível aprovação do Orçamento do Estado para 2022. O Bloco de Esquerda já não vai em cantigas de amigo e pede ao governo socialista um acordo escrito para o OE 2022. Ao que tudo indica, o Executivo de António Costa atenderá ao pedido.
No dia 27 de outubro - quando se dará a votação na generalidade do OE no Parlamento - a nenhum partido interessará uma crise política. A esquerda, BE e PCP, ficaria ainda mais arredada do poder; o PS poderia até sair reforçado; o PSD está a recuperar da sua crise interna mas ainda tem muito caminho a percorrer até às eleições diretas a 4 de dezembro; o CDS e outros partidos pequenos da direita não deveriam surpreender nas urnas caso as eleições antecipadas passassem da ficção à realidade.
O país precisa de se focar em sair da crise pós-pandemia e, acima de tudo, em crescer. É tempo de marcar golos e de menos dribles. Caso contrário, o tempo no contador passa e ficamos na mesma ou pior.
Portugal está mais pobre. Nas famílias, nas empresas, na riqueza que é criada a nível nacional. A pobreza não tem idade, prolifera tanto entre os mais jovens como entre os mais velhos e vê-se cada vez mais nas ruas. Basta voltar a percorrer o centro histórico da capital para reparar como essa dura realidade está presente. Agrava-se a miséria e a situação dos sem-abrigo. Não podemos ficar indiferentes aos números revelados ontem - Dia Internacional da Erradicação da Pobreza e dos Sem-Abrigo - pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. No último ano, 212 pessoas morreram nas ruas da capital sem que ninguém desse conta, sem que qualquer familiar reclamasse o corpo. Que país é este onde isto acontece? Que democracia estamos a construir e assente em que valores e em que modelo de desenvolvimento?
Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com quem ontem falei, manifestava a sua preocupação com o crescente número de pobres e a forma como a pandemia afetou e ainda afeta certas famílias portuguesas. Relatava que muitas têm até emprego, mas estão no limiar da sobrevivência e têm filhos menores para criar. E quanto aos mortos não reclamados pelas famílias, é verdade que essa tem sido uma missão da Santa Casa há 500 anos, mas cabe a cada um de nós não fechar os olhos a esta realidade, que deve, no mínimo, "inquietar-nos".
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